A Irmandade Muçulmana, fundada em 1928 por Hassam Al-Banna, constitui uma das principais fontes em que bebem o radicalismo e o terrorismo islâmico.
Por vezes, aos nos depararmos com noticiários sobre a carnificina provocada por atentados terroristas executados por radicais islâmicos, ficamos atônitos e sem compreender bem o que motiva tais atrocidades. Perguntamo-nos também: qual é a origem dessas práticas extremistas? Quando começaram a acontecer essas coisas? Pois bem, as origens das práticas do terrorismo islamita devem ser procuradas, em grande parte, na fundação da Irmandade Muçulmana, ou Sociedade dos Irmãos Muçulmanos – em árabe: Al-Ikhwān al-Muslimūn.
Essa organização nasceu no Egito, no início do século XX, no contexto do esfacelamento do Império Turco-Otomano, que durante séculos manteve o mundo islâmico unificado sob a sua égide. O Império Turco teve seu fim decretado em 1924 em razão das consequências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), como a insurgência de regiões muçulmanas do leste europeu, do norte da África e da Península Arábica, que passaram, a partir da década de 1920, a constituir os seus próprios Estados independentes.
A Irmandade foi fundada em 1928 por Hassan Al-Banna, que já era conhecido como um crítico radical da postura que o Império Turco adotara com relação à Ummah, isto é, a “Comunidade Muçulmana” (entende-se por isso todos os muçulmanos do planeta). Al-Banna criticava duramente a interferência dos modelos da civilização ocidental sobre o mundo muçulmano durante a hegemonia dos turcos e ocupava-se em elaborar uma doutrina que recuperasse os fundamentos do Islã com vistas à implementação da Sharia (isto é, a Lei Islâmica) em todo a Ummah. Além desse objetivo, Al-Banna ainda defendia a expansão do islamismo para territórios ainda não conquistados, objetivando o combate e a submissão dos “infiéis”, ou seja, aqueles não comungassem da religião islâmica.
Bandeira da Irmandade Muçulmana
As ideias de Al-Banna logo se disseminaram no Egito e no restante do mundo muçulmano, conquistando milhares de adeptos para a Irmandade Muçulmana. O governo egípcio chegou a colocar a organização de Al-Banna na ilegalidade, mas isso não causou o arrefecimento da organização. A Irmandade conseguiu ainda mais força no fim da década de 1940, com o fim da Segunda Guerra Mundial, por um motivo principal: a morte de Al-Banna. Al-Banna foi morto por agentes do governo egípcio por representar um perigo para a manutenção da ordem no país. Seu assassinato converteu-o imediatamente em mártir para os membros da organização por ele criada.
Com a morte de Al-Banna, o principal nome entre os “irmãos muçulmanos” era o de Sayyid Qutb, um intelectual egípcio e rival de Al-Banna. Mas ao contrário desse último, Qutb conheceu a civilização ocidental e a opulência da economia de mercado, haja vista que passou longos anos estudando fora do Egito, sobretudo em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Qutb desenvolveu um misto de fascínio e repulsa pelo mundo ocidental. Ele admirava, por exemplo, grandemente o que a tecnologia podia fazer, mas odiava o “endeusamento” da ciência dos ocidentais. O assassinato de Al-Banna fez crescer em Qutb seu desejo de ver a civilização islâmica tornar-se poderosa internacionalmente, o que dependeria de uma luta permanente com os valores e a estrutura político-econômica do mundo ocidental. Para tanto, ele precisava integrar-se à organização de seu antigo rival, agora morto, como diz o pesquisador Lawrence Wright, especialista em terrorismo islâmico:
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“A voz de Banna foi calada exatamente quando estava sendo publicado o livro de Qutb Justiça Social no Islã – que consolidaria sua reputação de importante pensador islâmico. Qutb se mantivera explicitamente distante da organização criada por Banna, embora tendesse para pontos de vista semelhantes sobre a aplicação política do Islã. A morte de seu contemporâneo e rival intelectual, porém, abriu caminho para sua conversão aos Irmãos Muçulmanos. Foi um divisor de águas, tanto na vida de Qutb como no destino da organização.” [1] p. 29
Qutb tornou-se o principal mentor da Irmandade Muçulmana e formou gerações de intelectuais preparados para o radicalismo islâmico, como Abdullah Yusuf Azzam, que foi o mentor do saudita Osama Bin Laden, e Aymann Al-Zawahiri, médico egípcio que se tornou o segundo nome da Al-Qaeda, durante a vigência de Bin Laden, e o número um, depois da morte do saudita, ocorrida em 2011. Para Qtub, a humanidade dividia-se em duas categorias: quem fazia parte do islã (os fiéis a Alá) e aqueles pertencentes à jahiliyya. Esse último termo é explicado por Lawrence Wright como sendo um:
"[...] período de ignorância e barbaridade que precedeu o recebimento da mensagem divina pelo profeta Maomé. Qutb emprega o termo englobando toda a vida moderna: hábitos, moral, arte, literatura, direito, e até muito do que se fazia passar por cultura islâmica. Ele não se opunha à tecnologia moderna, mas à adoração da ciência, que ele acreditava ter alienado a humanidade da harmonia natural com a criação. Só uma rejeição completa do racionalismo e dos valores ocidentais oferecia uma tênue esperança de redenção do islã. Eis a escolha: islã puro e primitivo, ou o ocaso da humanidade.” [2] p. 43
Essa tentativa de recuperação do Islã “puro e primitivo” levou os “irmãos muçulmanos” à formação de diversas organizações terroristas, como o Talibã, a Al-Qaeda (e os seus derivados, Al-Nusra e Estado Islâmico), a Jihad Islâmica, o Bokko Haram, o Hezbollah, o Hamas, entre outros. Foi a partir do apoio da Irmandade Muçulmana que também ocorreram os levantes da chamada Primavera Árabe, entre os anos de 2011 e 2012, nos quais alguns governos ditatoriais islâmicos, situados no norte da África e no Oriente Médio, foram depostos por rebeldes ligados à Irmandade, que, como os membros das organizações terroristas citadas há pouco, também lutam pela implementação da Sharia e pelo retorno do islã “puro e primitivo”.
22 de abril de 2019
Acima, protesto no Egito contra o presidente Morsi, representante da Irmandade Muçulmana |
Por vezes, aos nos depararmos com noticiários sobre a carnificina provocada por atentados terroristas executados por radicais islâmicos, ficamos atônitos e sem compreender bem o que motiva tais atrocidades. Perguntamo-nos também: qual é a origem dessas práticas extremistas? Quando começaram a acontecer essas coisas? Pois bem, as origens das práticas do terrorismo islamita devem ser procuradas, em grande parte, na fundação da Irmandade Muçulmana, ou Sociedade dos Irmãos Muçulmanos – em árabe: Al-Ikhwān al-Muslimūn.
Essa organização nasceu no Egito, no início do século XX, no contexto do esfacelamento do Império Turco-Otomano, que durante séculos manteve o mundo islâmico unificado sob a sua égide. O Império Turco teve seu fim decretado em 1924 em razão das consequências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), como a insurgência de regiões muçulmanas do leste europeu, do norte da África e da Península Arábica, que passaram, a partir da década de 1920, a constituir os seus próprios Estados independentes.
A Irmandade foi fundada em 1928 por Hassan Al-Banna, que já era conhecido como um crítico radical da postura que o Império Turco adotara com relação à Ummah, isto é, a “Comunidade Muçulmana” (entende-se por isso todos os muçulmanos do planeta). Al-Banna criticava duramente a interferência dos modelos da civilização ocidental sobre o mundo muçulmano durante a hegemonia dos turcos e ocupava-se em elaborar uma doutrina que recuperasse os fundamentos do Islã com vistas à implementação da Sharia (isto é, a Lei Islâmica) em todo a Ummah. Além desse objetivo, Al-Banna ainda defendia a expansão do islamismo para territórios ainda não conquistados, objetivando o combate e a submissão dos “infiéis”, ou seja, aqueles não comungassem da religião islâmica.
Bandeira da Irmandade Muçulmana
As ideias de Al-Banna logo se disseminaram no Egito e no restante do mundo muçulmano, conquistando milhares de adeptos para a Irmandade Muçulmana. O governo egípcio chegou a colocar a organização de Al-Banna na ilegalidade, mas isso não causou o arrefecimento da organização. A Irmandade conseguiu ainda mais força no fim da década de 1940, com o fim da Segunda Guerra Mundial, por um motivo principal: a morte de Al-Banna. Al-Banna foi morto por agentes do governo egípcio por representar um perigo para a manutenção da ordem no país. Seu assassinato converteu-o imediatamente em mártir para os membros da organização por ele criada.
Com a morte de Al-Banna, o principal nome entre os “irmãos muçulmanos” era o de Sayyid Qutb, um intelectual egípcio e rival de Al-Banna. Mas ao contrário desse último, Qutb conheceu a civilização ocidental e a opulência da economia de mercado, haja vista que passou longos anos estudando fora do Egito, sobretudo em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Qutb desenvolveu um misto de fascínio e repulsa pelo mundo ocidental. Ele admirava, por exemplo, grandemente o que a tecnologia podia fazer, mas odiava o “endeusamento” da ciência dos ocidentais. O assassinato de Al-Banna fez crescer em Qutb seu desejo de ver a civilização islâmica tornar-se poderosa internacionalmente, o que dependeria de uma luta permanente com os valores e a estrutura político-econômica do mundo ocidental. Para tanto, ele precisava integrar-se à organização de seu antigo rival, agora morto, como diz o pesquisador Lawrence Wright, especialista em terrorismo islâmico:
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“A voz de Banna foi calada exatamente quando estava sendo publicado o livro de Qutb Justiça Social no Islã – que consolidaria sua reputação de importante pensador islâmico. Qutb se mantivera explicitamente distante da organização criada por Banna, embora tendesse para pontos de vista semelhantes sobre a aplicação política do Islã. A morte de seu contemporâneo e rival intelectual, porém, abriu caminho para sua conversão aos Irmãos Muçulmanos. Foi um divisor de águas, tanto na vida de Qutb como no destino da organização.” [1] p. 29
Qutb tornou-se o principal mentor da Irmandade Muçulmana e formou gerações de intelectuais preparados para o radicalismo islâmico, como Abdullah Yusuf Azzam, que foi o mentor do saudita Osama Bin Laden, e Aymann Al-Zawahiri, médico egípcio que se tornou o segundo nome da Al-Qaeda, durante a vigência de Bin Laden, e o número um, depois da morte do saudita, ocorrida em 2011. Para Qtub, a humanidade dividia-se em duas categorias: quem fazia parte do islã (os fiéis a Alá) e aqueles pertencentes à jahiliyya. Esse último termo é explicado por Lawrence Wright como sendo um:
"[...] período de ignorância e barbaridade que precedeu o recebimento da mensagem divina pelo profeta Maomé. Qutb emprega o termo englobando toda a vida moderna: hábitos, moral, arte, literatura, direito, e até muito do que se fazia passar por cultura islâmica. Ele não se opunha à tecnologia moderna, mas à adoração da ciência, que ele acreditava ter alienado a humanidade da harmonia natural com a criação. Só uma rejeição completa do racionalismo e dos valores ocidentais oferecia uma tênue esperança de redenção do islã. Eis a escolha: islã puro e primitivo, ou o ocaso da humanidade.” [2] p. 43
Essa tentativa de recuperação do Islã “puro e primitivo” levou os “irmãos muçulmanos” à formação de diversas organizações terroristas, como o Talibã, a Al-Qaeda (e os seus derivados, Al-Nusra e Estado Islâmico), a Jihad Islâmica, o Bokko Haram, o Hezbollah, o Hamas, entre outros. Foi a partir do apoio da Irmandade Muçulmana que também ocorreram os levantes da chamada Primavera Árabe, entre os anos de 2011 e 2012, nos quais alguns governos ditatoriais islâmicos, situados no norte da África e no Oriente Médio, foram depostos por rebeldes ligados à Irmandade, que, como os membros das organizações terroristas citadas há pouco, também lutam pela implementação da Sharia e pelo retorno do islã “puro e primitivo”.
22 de abril de 2019
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