"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

"ESCOLA SEM PARTIDO É TESE SEPULTADA EM 1967 PELA SUPREMA CORTE DOS EUA

'William M. Adler
Adler simbolizou a luta contra a “Escola sem Partido”
A propósito dessa chatice da “Escola sem partido”, o comentarista Carlos Alverga nos envia um artigo muito oportuno, escrito pelo procurador Cássio Casagrande, Doutor em Ciência Política e Professor de Direito Constitucional da Graduação e Mestrado da Universidade Federal Fluminense. O texto, do qual subtraímos alguns trechos, por ser muito extenso, mostra que a discussão está fora de época. Na nossa matriz, os Estados Unidos, este assunto já está sepultado desde 1967, mas aqui na filial Brasil continua a ser apresentado como grande novidade.
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ESCOLA SEM PARTIDO É UMA FORMA
DE MACARTHISMO BARATO
Cássio Casagrande
Os americanos são fanáticos por listas de “melhores” e “piores” de seja lá o que for. Eles gostam de escolher desde os “dez melhores discursos presidenciais” até as “dez piores partidas de basquete da NBA” de todos os tempos. No mundo do Direito, são famosas as listas das melhores e piores decisões da Suprema Corte dos EUA. Há, inclusive, vários livros com essa temática.
Prefiro sempre estudar aquelas últimas, as decisões terríveis da corte constitucional americana, porque elas nos ensinam a sociologia das fragilidades judiciárias, demonstrando como juízes do mais alto gabarito podem, frequentemente, deixar-se levar por preconceitos tolos ou pela idiotice que não raro toma conta da opinião pública, patrocinada por políticos estúpidos ou velhacos.
ESCOLA SEM PARTIDO – A lista das piores decisões é longa e esta é apenas uma pequena amostra. Mas certamente não poderia faltar neste rol das mais ignominiosas decisões da Suprema Corte o celebérrimo caso Adler v. New York342 U.S. 485 (1952), que, a seu tempo, foi uma espécie de julgamento sobre a “escola sem partido” no Estado de Nova Iorque.
O caso Adler foi emblemático das perseguições a professores, intelectuais, artistas e servidores públicos durante o macarthismo, período de investigações de comissão do Congresso americano sobre atividades comunistas nos EUA, chefiado pelo temível senador Joseph McCarthy.
Em uma época de grande acirramento decorrente da Guerra Fria, os processos inquisitórios de comissões parlamentares, do FBI e de órgãos administrativos geraram nos EUA um clima de “caça às bruxas” entre a intelectualidade americana, especialmente em relação a ativistas políticos dos mais variados matizes.
MACARTHISMO – Essa onda de perseguição do governo federal a quem destoava do mainstream político levou muitos Estados e municipalidades a criarem leis locais permitindo a exclusão de suspeitos de pertencerem a organizações “subversivas”. Os professores estavam dentre as vítimas preferenciais destas perseguições macarthistas, pois foram editadas então inúmeras normas do tipo “escola sem partido”, que tinham como objetivo vigiar os docentes e expurgar do sistema de ensino aqueles que eram considerados como “doutrinadores perigosos”.
Depois que o presidente Harry Truman expediu a ordem executiva de 1947 determinando procedimento para investigação de “lealdade” dos servidores federais, o Estado de Nova Iorque adotou a “Feinberg Law” de 1949, prevendo a possibilidade de demissão de professores que pertencessem a “organizações subversivas” e abrindo a possibilidade de que fossem denunciados pelas suas palavras em sala de aula. Além disto, a lei permitia que os professores fossem convocados à presença do Superintendente do Conselho das Escolas do Estado de Nova Iorque e indagados: “você é ou foi membro do partido comunista?”
O CASO ADLER – Sob aconselhamento dos advogados do sindicato dos professores, boa parte dos professores recusou-se a responder a essa pergunta, ao argumento de que a questão violava estatuto dos servidores públicos do Estado de Nova Iorque, que proibia questionar o servidor sobre sua afiliação política. Irving Adler, além de professor da rede estadual, era um escritor, matemático, cientista, ativista político e educador, autor de 57 livros, publicados em 31 países, em 19 línguas diferentes.
Tendo sido um dos professores que se recusou a se submeter à humilhante sabatina, Adler foi despedido por insubordinação. Ele, juntamente com outros membros do corpo docente, processou o Estado de Nova Iorque na Justiça Federal, alegando a inconstitucionalidade da norma por violação à liberdade de expressão (Primeira Emenda) e o caso chegou à corte constitucional americana.
DECISÃO REVERTIDA – Em 1952, a maioria dos “Justices” da Suprema Corte, deixando-se tristemente levar pela “onda anticomunista”, por seis votos a três considerou a Lei Feinberg constitucional e os atos demissionais compatíveis com a Constituição. Porém, em meados da década de 1960, depois que os inúmeros abusos da Comissão McCarthy vieram à publico, a decisão seria revertida no caso Keyishian v. Board of Regents 385 U.S. 589 (1967), que finalmente pôs fim às ridículas leis de “escola sem partido”.
Curiosamente, o que entrou para os anais da Suprema Corte não foi a decisão proferida em Keyishian, mas sim o memorável voto vencido redigido pelo célebre Juiz William O. Douglas no caso Adler, que então escreveu páginas indeléveis para definir a perniciosidade das tentativas do Estado em controlar a palavra dos professores em sala de aula:
ESTADO POLICIAL – “As consequências desta lei são típicas do estado policial. A Lei de Nova Iorque transforma o sistema escolar em um projeto de espionagem. Os professores estão sob constante vigilância; seus passados são esquadrinhados à procura de sinais de deslealdade; suas manifestações são observadas como possíveis indicações de pensamentos perigosos. As salas de aula são cobertas por um pálio. Não pode haver real liberdade de cátedra neste ambiente. Quando a suspeita empesta o ar e mantém os professores subjugados, medrosos da perda de seus empregos, não pode haver livre exercício da inteligência. O servilismo e o dogmatismo substituem a indagação. Passa a existir uma linha de partido tão perigosa quanto a linha de partido dos comunistas“, disse o juiz William Douglas em seu voto.
Os brasileiros ultraconservadores que paradoxalmente se acreditam liberais e apoiam o macarthismo barato das leis conhecidas como “escola sem partido” precisam, com urgência, recapitular a história dos EUA nos anos 1950 e, principalmente, ler o voto vencido do grande Juiz norte-americano William Douglas (voto que o tempo transformou em vencedor). Se, ao lê-lo, mudarem de opinião, poderão se dizer, de fato, liberais. Mas se continuarem a apoiar essa sandice, não passarão de liberais de fancaria, como tantos que há em nosso país.
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P.S.
 – Os professores do Estado de Nova Iorque que haviam sido demitidos na década de 1950 sob a Lei Feinberg entraram com nova ação de reintegração no emprego após a mudança de jurisprudência determinada pela Suprema Corte no caso Keyishian. Irving Adler foi reintegrado e se aposentou em 1977. Ele se transformou em um ícone da liberdade de cátedra nos Estados Unidos. Em 2009, recebeu da American Civil Liberties Union um prêmio pela sua “dedicação de quase um século em transformar o mundo em um lugar melhor e mais humano, através de sua fé inabalável nos direitos individuais e no tratamento igual perante a lei”. Irving Adler faleceu aos 99 anos em setembro de 2012, em Bennington, Vermont.


28 de novembro de 2018
Carlos Newton

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