O ato de regulamentar é essencialmente sem custos para o regulador e só gera custos para os empreendedores e os consumidores
O fenômeno do nosso tempo não é o aumento dos impostos, mas o da regulamentação. A carga tributaria tem um limite natural (veja a Curva de Laffer), mas a regulação é potencialmente infinita. A regulamentação estatal está aumentando no mundo inteiro, mas por aqui talvez estejam exagerando.
Cada dia é uma nova, até mais de uma por dia! Eis algumas das mais recentes: obrigatoriedade de manutenção periódica do ar-condicionado (os técnicos da área agradecem); regulamentação do esporte eletrônico (imagine que lindo um sindicato de gamers!); multas para pedintes nas ruas; subsídios a food trucks que vendem comida local; obrigatoriedade de colocar rádio nos celulares (lobismo de quem?); criação de um novo tipo de carteira para carros automáticos; proibição de uso de celular em local de trabalho; proibição de cobrança para orçamentos (não existe orçamento grátis); proibição de desconto para mulheres em boates e bares; uma lei que define se a espuma da cerveja é cerveja ou não; uma lei que dificulta a compra e o uso de fogos de artifício, e outra que quer proibi-los para não incomodar os cachorros (se o incômodo fosse para crianças, velhos e doentes ninguém ligava); proibição de porte de armas brancas; faróis do carro ligados até de dia (ninguém diga que é para arrecadar, é claro que é para a sua segurança); proibir às empresas telefônicas a limitação de dados na internet fixa (para que ter livre concorrência quando se pode ter um oligopólio hiperregulamentado?); regulamentação da profissão do administrador; proibição da cobrança mínima em bares (como assim, não posso sentar na sua mesa sem consumir nada?); reservar uma vaga para jovens nos ônibus; e, claro, a “segunda sem carne” – tudo isso só em dezembro!
É assim que se perde a liberdade, com uma regulamentação por dia
Ampliando um pouco o horizonte temporal, vale lembrar de palitos, canudos e guardanapos no plástico; antibióticos com prescrição medica; curativos só no hospital; proibição de primeiro socorro por telefone dos planos de saúde; proibição de venda de álcool liquido puro; regulamentação da profissão de fotografo, designer, DJ, músico, esteticista etc.; extintor no carro (salvo depois para retirar a regulação); personal trainer na academia; instrutor de ginástica nas praças; proibição de sal na mesa etc.
A variedade das propostas, do rádio no celular ao esporte eletrônico, da segunda sem carne aos guardanapos no plástico, mostra que o Estado não é um “ator único racional”, mas a “estrutura através da qual todo mundo quer viver à custa de todo mundo”. Nunca um agente único poderia pensar todas estas coisas! Estas demandas vêm do lobismo de minorias organizadas diretamente interessadas.
Todas as áreas mais importantes são regulamentadas. Saúde e finanças são as mais regulamentadas no mundo inteiro (mitos à parte); a regulamentação ambiental é a que mais está aumentando; no urbanismo a mentalidade de que tem de regulamentar tudo é tão enraizada que quase nem se debate. A sua profissão é regulamentada. A sua comida, a sua roupa, seu carro, todas as atividades de lazer também, para nem falar da escola de seus filhos. E, agora, até o que você pode dizer.
Mas há também o fenômeno da microrregulamentação (rótulos de comida, palitos no plástico, sal na mesa, faróis ligados etc.) geralmente acompanhada por alguma justificativa de higiene, de saúde publica, de irracionalidade dos consumidores.
Algumas regulamentações são menos danosas pois não são aprovadas. O jurista McChesney mostra que o objetivo é extorquir dinheiro do regulado a fim de retirar a proposta (menos pior). Talvez seja o caso de Uber e da profissão dos fotógrafos.
Em geral, a regulamentação aumenta por três motivos: o ato de regulamentar é essencialmente sem custos para o regulador e só gera custos para os empreendedores e os consumidores; cada associação de categoria, vendo uma regulação aprovada em outro setor, quer aprovar uma também no próprio setor para encarecer o processo produtivo e, assim, jogar fora do mercado os concorrentes, é o “efeito emulação”; e, por fim, população acaba aceitando.
A retórica ajuda, claro. Esconder os interesses reais atrás do bem comum compensa. Vivemos em um país onde não é clara a diferença entre “irregular” e “não regulamentado”, ou entre “regulamentação estatal” e “regulamentação de mercado”. Afinal, se o Estado não regulamentasse, não teria regulação nenhuma, não é mesmo? A regulamentação estatal é feita para o bem comum, não é? E as consequências são só positivas, certo? A tão amada fiscalização não gera oportunidade de corrupção, certo? Quem paga o custo, afinal, não é o consumidor, não é?
E é assim que se perde a liberdade, com uma regulamentação por dia. Não resta que esperar para ver o que vão nos regulamentar amanhã.
13 de fevereiro de 2018
Adriano Gianturco é professor de Ciência Política do IBMEC-MG.
Gazeta do Povo, PR
O fenômeno do nosso tempo não é o aumento dos impostos, mas o da regulamentação. A carga tributaria tem um limite natural (veja a Curva de Laffer), mas a regulação é potencialmente infinita. A regulamentação estatal está aumentando no mundo inteiro, mas por aqui talvez estejam exagerando.
Cada dia é uma nova, até mais de uma por dia! Eis algumas das mais recentes: obrigatoriedade de manutenção periódica do ar-condicionado (os técnicos da área agradecem); regulamentação do esporte eletrônico (imagine que lindo um sindicato de gamers!); multas para pedintes nas ruas; subsídios a food trucks que vendem comida local; obrigatoriedade de colocar rádio nos celulares (lobismo de quem?); criação de um novo tipo de carteira para carros automáticos; proibição de uso de celular em local de trabalho; proibição de cobrança para orçamentos (não existe orçamento grátis); proibição de desconto para mulheres em boates e bares; uma lei que define se a espuma da cerveja é cerveja ou não; uma lei que dificulta a compra e o uso de fogos de artifício, e outra que quer proibi-los para não incomodar os cachorros (se o incômodo fosse para crianças, velhos e doentes ninguém ligava); proibição de porte de armas brancas; faróis do carro ligados até de dia (ninguém diga que é para arrecadar, é claro que é para a sua segurança); proibir às empresas telefônicas a limitação de dados na internet fixa (para que ter livre concorrência quando se pode ter um oligopólio hiperregulamentado?); regulamentação da profissão do administrador; proibição da cobrança mínima em bares (como assim, não posso sentar na sua mesa sem consumir nada?); reservar uma vaga para jovens nos ônibus; e, claro, a “segunda sem carne” – tudo isso só em dezembro!
É assim que se perde a liberdade, com uma regulamentação por dia
Ampliando um pouco o horizonte temporal, vale lembrar de palitos, canudos e guardanapos no plástico; antibióticos com prescrição medica; curativos só no hospital; proibição de primeiro socorro por telefone dos planos de saúde; proibição de venda de álcool liquido puro; regulamentação da profissão de fotografo, designer, DJ, músico, esteticista etc.; extintor no carro (salvo depois para retirar a regulação); personal trainer na academia; instrutor de ginástica nas praças; proibição de sal na mesa etc.
A variedade das propostas, do rádio no celular ao esporte eletrônico, da segunda sem carne aos guardanapos no plástico, mostra que o Estado não é um “ator único racional”, mas a “estrutura através da qual todo mundo quer viver à custa de todo mundo”. Nunca um agente único poderia pensar todas estas coisas! Estas demandas vêm do lobismo de minorias organizadas diretamente interessadas.
Todas as áreas mais importantes são regulamentadas. Saúde e finanças são as mais regulamentadas no mundo inteiro (mitos à parte); a regulamentação ambiental é a que mais está aumentando; no urbanismo a mentalidade de que tem de regulamentar tudo é tão enraizada que quase nem se debate. A sua profissão é regulamentada. A sua comida, a sua roupa, seu carro, todas as atividades de lazer também, para nem falar da escola de seus filhos. E, agora, até o que você pode dizer.
Mas há também o fenômeno da microrregulamentação (rótulos de comida, palitos no plástico, sal na mesa, faróis ligados etc.) geralmente acompanhada por alguma justificativa de higiene, de saúde publica, de irracionalidade dos consumidores.
Algumas regulamentações são menos danosas pois não são aprovadas. O jurista McChesney mostra que o objetivo é extorquir dinheiro do regulado a fim de retirar a proposta (menos pior). Talvez seja o caso de Uber e da profissão dos fotógrafos.
Em geral, a regulamentação aumenta por três motivos: o ato de regulamentar é essencialmente sem custos para o regulador e só gera custos para os empreendedores e os consumidores; cada associação de categoria, vendo uma regulação aprovada em outro setor, quer aprovar uma também no próprio setor para encarecer o processo produtivo e, assim, jogar fora do mercado os concorrentes, é o “efeito emulação”; e, por fim, população acaba aceitando.
A retórica ajuda, claro. Esconder os interesses reais atrás do bem comum compensa. Vivemos em um país onde não é clara a diferença entre “irregular” e “não regulamentado”, ou entre “regulamentação estatal” e “regulamentação de mercado”. Afinal, se o Estado não regulamentasse, não teria regulação nenhuma, não é mesmo? A regulamentação estatal é feita para o bem comum, não é? E as consequências são só positivas, certo? A tão amada fiscalização não gera oportunidade de corrupção, certo? Quem paga o custo, afinal, não é o consumidor, não é?
E é assim que se perde a liberdade, com uma regulamentação por dia. Não resta que esperar para ver o que vão nos regulamentar amanhã.
13 de fevereiro de 2018
Adriano Gianturco é professor de Ciência Política do IBMEC-MG.
Gazeta do Povo, PR
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