De todos os jornais brasileiros que desapareceram ao longo do tempo, o Correio da Manhã, na minha opinião, é o único que assegurou um lugar permanente na História do Brasil e o único cuja memória, quarenta e quatro anos após seu naufrágio, é cultuada por muitos que lá trabalharam e também pelos historiadores modernos do país. Testemunhando a história, participando das tormentas próprias da política, o Correio da Manhã foi responsável pela produção de vários episódios históricos.
Um deles foi destacado pelo jornalista Roberto Pompeu de Toledo, num belo e emocionante artigo publicado na revista Veja que está nas bancas. Pompeu de Toledo comparou a bravura do CM com a que marca a também inesquecível história do Washington Post, que motivou um excelente filme que se encontra em cartaz. O Washington Post enfrentou as tormentas que marcaram a revelação de documentos secretos da Casa Branca sobre a Guerra do Vietnã e também foi protagonista decisivo do escândalo Watergate, cujo desfecho levou o Presidente Richard Nixon à renúncia.
CORTE NO TEMPO – A comparação, entretanto, produz um corte no tempo. O jornal Washington Post pulsa vibrantemente até hoje, enquanto o Correio da Manhã submergiu para sempre em 1974. Eu estava lá, e continuo entre os sobreviventes que não esqueceram as páginas marcantes que nortearam a vida do jornal. Pompeu de Toledo destacou principalmente a resistência de Niomar Moniz Sodré Bittencourt à ditadura que se instalou no Brasil em 1964. Porém, muitos outros episódios vibrantes ocorreram na história do jornal desde sua fundação em 1901, no alvorecer da República.
São muitos. Com o duelo à bala que colocou frente a frente o senador Pinheiro Machado e o jornalista Edmundo Bitencourt, pai de Paulo. O duelo foi ao primeiro sangue, Edmundo saiu ferido. Na década de 20, o jornal foi cercado pelas tropas ao governo Artur Bernardes, que suspendeu arbitrariamente sua circulação, em represália à publicação de cartas aos militares apontadas como de autoria do próprio presidente da República. Há historiadores, como Hélio Silva, que focalizaram a hipótese de as cartas serem falsas, porém falsificadas no Palácio do Catete.
POSSE DE JK – Passaram-se pouco mais de duas décadas e o Correio da Manhã, sob a direção de Antonio Callado, defendeu com ardor a posse de Juscelino Kubitschek, vitorioso nas urnas de 55, mas objeto da tentativa de golpe liderada por Carlos Lacerda, que aliás começara sua vida no jornal como colunista do CM. Sua coluna chamava-se “Da Tribuna da Imprensa”. Ele levou o nome para fundar, em 1949, outro jornal que também desapareceu no tempo.
Falei em 1955 e esse ano marca também o desafio do então Senador Juraci Magalhães a Paulo Bittencourt para um duelo à pistola no Uruguai. No Uruguai, porque a lei brasileira proibira esse tipo de confronto.
O Correio da Manhã apoiou a candidatura JK, embora fazendo ressalvas à presença de João Goulart que integrava a chapa vitoriosa.
RENÚNCIA DE JÂNIO – Saltamos aqui para 1961. O presidente Jânio Quadros renunciou. Rei morto, rei posto nas palavras do mesmo Juraci Magalhães. Houve nova luta pela legalidade na trajetória do Correio da Manhã. O jornal, já agora com Luiz Alberto Bahia no comando, enfrentou a polícia de Lacerda e forças militares sublevadas, integrando-se na defesa da investidura de Jango, cuja eleição o jornal não apoiara, mas defendia o cumprimento da Constituição, com a garantia da posse ao vice-presidente eleito.
Goulart afastou-se da estrada da lei e o Correio da Manhã com três artigos “Basta”, “Fora” e “Basta e Fora”, defendeu seu impedimento. Dois desses artigos são lembrados por Pompeu de Toledo. Mas existem um terceiro e um quarto. Os três primeiros escritos por Edmundo Muniz. O quarto editorial: “Basta, Fora a Ditadura,” teve Otto Maria Carpeaux como autor. Os historiadores de agora não devem esquecer o último da série em que Carpeaux previa os anos de chumbo.
VEIO O AI-5 – Depois, em 1968, o jornal defendeu o deputado Marcio Moreira Alves, que era um de seus colunistas. A tragédia do Ato Institucional nº 5 desabou sobre o país e arrastou o jornal, que nascera no despontar do século XX, para o precipício de 1974.
Não havia mais comando na redação, tantos foram os percalços. O jornal morreu nas minhas mãos. Mas continua vivendo na História e para sempre será assim.
Roberto Pompeu de Toledo ajudou a iluminar uma curva no passado.
13 de fevereiro de 2018
Pedro do Coutto
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