"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 11 de novembro de 2017

SAUDADES DO COMUNISMO, EM MEIO AO AVANÇO DA EXTREMA-DIREITA

Marcha comemora os 100 anos da Revolução Russa no centro de Moscou
Marcha comemora os 100 anos da Revolução Russa
O comunismo faz falta não pelo que foi, um regime de horrores que sepultou todas as liberdades e, se já não fosse o bastante (para mim é o suficiente), ainda se revelou de uma tremenda ineficiência.
A julgar por recente pesquisa do Centro de Estudos da Opinião Pública, citada na edição desta terça-feira (7) por “El País”, os russos também não sentem lá muitas saudades do único regime que a maioria deles conheceu em sua vida: a personalidade mais simpática aos russos de hoje é justamente o czar Nicolau 2º, deposto e logo em seguida morto pela Revolução de Outubro, essa cujo centenário se comemora neste 7 de novembro (pelo calendário gregoriano).
AMOR AO CZAR – A pesquisa mostra que 60% simpatizam com o czar, 18 pontos percentuais acima dos 42% registrados na pesquisa anterior, feita em 2005.
É notável que, 99 anos depois de sua morte, sua figura permaneça simpática, apesar dos 74 anos que durou um regime que demonizava tudo e todos que simbolizavam o modelo anterior.
A pesquisa passa a impressão de que os russos são atavicamente inclinados aos homens fortes, talvez por não terem conhecido na sua história outro tipo de líderes. Ao czar, seguem-se em simpatia, pela ordem, Felix Dherzhinski, criador da polícia política (57%), Lênin, o mais notável dos líderes comunistas (53%) e, logo abaixo, Stálin (52%), símbolo maior da repressão que marcou a época comunista.
BEM-ESTAR SOCIAL – Fecho o parêntesis para voltar ao início, ou seja, ao motivo pelo qual o comunismo deixa saudades: foi em parte graças a ele que a Europa conseguiu montar um modelo de bem-estar social que é o menos imperfeito que o ser humano construiu até agora.
Claro que os primeiros tijolos do modelo datam pelo menos do século 19, antes portanto da Revolução de Outubro. Mas foi depois da 2ª guerra (1939-1945) que os países europeus foram aperfeiçoando o sistema, em parte para evitar que o comunismo atraísse simpatizantes e algum partido comunista acabasse por chegar ao poder, pelas urnas, em algum desses países.
Reproduzo coluna publicada faz exatamente 20 anos que ajuda a entender as saudades que alguns sentem do comunismo.
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NA ALEMANHA, 20 ANOS ATRÁS
“Vou à cidade de Schwerin, no que foi, até 90, a RDA (República Democrática Alemã ou a Alemanha comunista). Encontros com empresários na agenda. Esperava ouvir hinos de louvor ao capitalismo e de repúdio visceral ao passado. Não foi bem assim.
Comecemos com Gerd Gull, 46 anos, dono de duas pequenas empresas de construção civil, 43 empregados e faturamento anual de 5,3 milhões de marcos [a moeda da época, equivalente então a R$ 3,5 milhões].
Não é um saudosista nem comunista ou ex-comunista. Votava com os liberais mesmo no tempo do comunismo (o Partido Liberal Democrático da Alemanha Oriental jogava o jogo, na época, o que só comprova que muitos liberais são tão liberais que querem até a liberdade de participar de ditaduras. Como no Brasil, aliás).
UM REALISTA – Gull é um realista. ‘A RDA, nos seus últimos anos, estava falida econômica e politicamente’, diz. Nem por isso, deixa de reconhecer que ‘a qualidade do ensino, de modo geral, era boa’. Tão boa que pôde formar-se primeiro como pedreiro, depois como mestre-de-obras, instrumental que lhe permite hoje comandar duas empresas. Ambas vão bem, o que impede qualquer nostalgia do passado. Mas não a angústia ‘pelo que vejo acontecer à minha volta’.
À sua volta está acontecendo o choque de, de repente, uma sociedade, ‘acostumada a que o governo tomasse conta de tudo, do parto ao enterro’, como diz Gull, ver-se lançada à aventura de cuidar da própria vida.
Muitos não conseguem: o desemprego na região bate nos 20%. ‘Muita gente reclama, porque não ter uma função na sociedade é uma coisa que não havia antes’, reforça Angela Preuss, gerente da Câmara de Indústria e Comércio da cidade.
CIDADE TRISTE – Talvez por isso, Schwerin parece uma cidade triste, cinza, que guarda cicatrizes tanto da devastação gerada pela ineficiência do comunismo como das dores do mergulho no capitalismo”.
Uma vez, em debate na TV Bandeirantes com o então deputado Roberto Campos (1917/2001), o grande ícone do liberalismo brasileiro, disse-lhe algo assim: “Olha, deputado, vocês, liberais, ganharam a batalha ideológica com o comunismo. Agora, precisam demonstrar que o modelo é capaz de servir às maiorias”.
O capitalismo continua devendo, mas, em vez de ressuscitar o comunismo irremediavelmente falido, está permitindo, pelo menos na Europa, o avanço da extrema-direita, que não é essencialmente diferente do comunismo, ao menos no fascínio pelos homens-fortes. (Artigo enviado por Darcy Leite)

11 de novembro de 2017
Clóvis Rossi
Folha

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