Conforme estamos afirmando nesta série de artigos sobre a reforma da Previdência, os supostos especialistas do governo querem reduzir o déficit através de um pacote de maldades que se limita a propor redução de direitos sociais, sem se preocupar também com as múltiplas possibilidades de aumentar a arrecadação do INSS.
Já mostramos aqui na “Tribuna da Internet” a sonegação da Previdência pelos produtores rurais e os males da crescente terceirização de serviços na administração pública direta e indireta, incluindo empresas estatais, nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal. Somente nesse quesito terceirização, calcula-se que a sonegação de contribuição previdenciária possa atingir por volta de R$ 20 bilhões. Além disso, ocorre vultosa sonegação de Imposto de Renda e Fundo de Garantia.
Estranhamente, a reforma da Previdência não toca na terceirização, que nos últimos 30 anos se transformou num dos maiores focos de corrupção administrativa, através do golpe das cooperativas e organizações sociais. Da mesma forma, o projeto governamental não se preocupa com chamada pejotização, com o crescente surgimento de falsas pessoas jurídicas, criadas para fraudar as leis trabalhistas e sonegar impostos.
TV GLOBO É EXEMPLO – De uns tempos para cá, a praga da pejotização se disseminou como uma epidemia paralela à terceirização. São práticas aparentemente legais, que se aproveitam de brechas da lei. No caso da pejotização, o maior exemplo de sonegação vem a ser a Rede Globo, uma das maiores emissoras do mundo.
Os números podem estar defasados, mas até recentemente qualquer remuneração acima de R$ 20 mil mensais era pejotizada na Globo, o que inclui artistas, diretores, jornalistas etc. Nas outras emissoras, é a mesma coisa, inclusive na estatal EBC (antiga TVE).
A mensagem deste fim de ano, gravada com centenas de artistas da Globo cantando a inesquecível canção de Marcos e Paulo Sérgio Valle (“Hoje, é um novo dia de um novo sonho que começou…”), sem dúvida foi uma das maiores concentrações de pejotizados do mundo.
O QUE É “PEJOTIZAÇÃO” – Afinal, o que significa a pejotização? É o neologismo que os magistrados criaram para designar a fraude das leis trabalhistas através de contrato com falsas pessoas jurídicas. A jurisprudência dos tribunais é clara a respeito: “Na contratação de pessoa física, através de uma pessoa jurídica (“pejotização”), para prestar serviços enquadrados na atividade-fim da tomadora, com pessoalidade e subordinação, com o objetivo de frustrar a efetivação de direitos trabalhistas, há clara tentativa de fraude, formando-se o vínculo direto com a ré.”
Para a Justiça Trabalhista, não existe “empregado-PJ”. O artigo 3º da CLT é bem claro ao conceituar quem é o empregado: “Toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Ou seja, o primeiro requisito é que seja pessoa física. Os outros requisitos são: pessoalidade, ou seja, tem que ser a própria pessoa; habitualidade, que é o mesmo que prestar serviços de natureza não-eventual; subordinação, que é o receber ordens; e, também, mediante salário (subordinação econômica).
SONEGANDO GERAL – Através da pejotização, num passe de mágica fica “legalizada” a falsa relação empresarial. Não há desconto de 11% de INSS no salário, nem o depósito de 20% pelo empregador. Num salário de R$ 1 milhão, tipo Fauso Silva, só nisso a Previdência perde R$ 310 mil mensais, e o FGTS perde outros R$ 80 mil.
O Imposto de Renda de Pessoa Física seria de 27,5% (ou seja, R$ 275 mil), mas a falsa pessoa jurídica só vai pagar uma micharia sobre o lucro real, depois de descontar tudo quando é tipo de despesas, feitas sempre em nome da “empresa”.
Como se vê, a pejotização é ótima para o empregador e para o trabalhador, mas é péssima para a Previdência Social, para a arrecadação do FGTS e para a Secretaria da Receita Federal. Mas quem se interessa?
O CASO CLÁUDIA CRUZ – De vez em quando um pejotizado se aborrece e entra na Justiça. Foi o caso da jornalista Cláudia Cruz, mulher do ex-deputado Eduardo Cunha. Era apresentadora do RJ-TV e resolveu processar a TV Globo, exigindo o pagamento de seus direitos trabalhistas. A emissora perdeu em todas as instâncias, a indenização foi uma fábula, ela afirma ter recebido o equivalente a US$ 5 milhões.
Exageros à parte, o caso Cláudia Cruz demonstra o alcance da sonegação de impostos com a praga da pejotização, que começou na TV Globo e se espalhou por todos os setores da economia, inclusive nas instituições financeiras, e hoje em dia são raros os executivos e altos funcionários de empresas privadas que ainda não estão pejotizados.
Apesar dessa realidade inquestionável, o badalado projeto de reforma da Previdência não traz nenhum artigo destinado a combater a sonegação praticada pelos golpes da falsa pessoa jurídica e da terceirização, que abordamos no artigo anterior, assim como não coíbe a sonegação dos produtores rurais. Ou seja, a proposta do governo não objetiva moralizar o sistema e aumentar a arrecadação, apenas se preocupa em demolir conquistas sociais. É decepcionante, revoltante e lancinante.
26 de dezembro de 2016
Carlos Newton
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