Incerteza política, mudança de métodos e baixas taxa de resposta tornam a disputa entre Hillary Clinton e Donald Trump ainda mais surpreendente nos EUA
A campanha eleitoral nos Estados Unidos está entrando em sua reta final para decidir sobre quem irá ocupar o lugar de Barack Obama na Casa Branca. Os prognósticos sobre o futuro vencedor mudam ao sabor dos ventos. Na mesma semana, é possível encontrar pesquisas com números tão diferentes que é difícil saber quem estará certo em 8 de novembro. Desde o início do ano, tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump já ocuparam o topo na preferência popular e, em certas ocasiões, apareceram virtualmente empatados. A imprevisibilidade trouxe à tona uma nova questão: ainda é possível confiar nas pesquisas eleitorais?
“Sim, está cada vez mais difícil prever uma eleição”, confirma Clifford Young, presidente do Instituto Ipsos nos Estados Unidos, que conduz uma das pesquisas eleitorais mais importantes do país, em parceria com a agência Reuters. Segundo Young, a crise nas pesquisas não é apenas americana, mas mundial, e tem origem em uma série de fatores que exigem cada vez mais esforço (e dinheiro) para prever resultados. Os motivos vão desde a transição de métodos tradicionais para versões on-line, até o cenário de incerteza política que cresce no país, com candidatos fora do padrão político tradicional, como Trump, ganhando espaço.
Pelos menos nos últimos 30 anos, de acordo com Young, o telefone fixo era o “padrão de ouro” das pesquisas eleitorais. Era a forma mais óbvia e conveniente de comunicação, além de permitir encontrar quase qualquer pessoa nos Estados Unidos — país de dimensões continentais que já chegou a ter, na década de 90 e anos 2000, cerca de 90% de seus lares com uma ou mais linhas de telefone fixo. Nos últimos anos, porém, cresce o número de casas que não possuem uma linha fixa — hoje cerca de 50% das casas possuem telefone fixo, mas o número está em queda vertiginosa desde 2004.
Para dificultar, uma lei americana de Proteção ao Consumidor de Telefonia proíbe que sejam feitas ligações “automáticas”, por meio de robôs e gravações, para telefones celulares. Ou seja, um levantamento apenas com chamadas para celular exige gastos astronômicos com funcionários, do contrário, atinge um número menor de pessoas, não acompanha a rápida mudança no cenário eleitoral e não reflete a realidade do país.
Mesmo duvidosas, por ainda não terem sido muito testadas e estudadas, as pesquisas on-line ganharam espaço. As vantagens incluem o gasto reduzido, de cinco a sete vezes menor, e amostras maiores, que ajudam a prever como os candidatos se sairão em cada Estado, importante para o sistema de voto proporcional dos Estados Unidos. Por outro lado, ainda se sabe pouco sobre a sua eficácia e como o método afeta os resultados. “Está ficando quase inviável fazer uma pesquisa eleitoral”, afirma Young. Há um impasse: pesquisas caras e difíceis, ou baratas e incertas.
No referendo para decidir se o Reino Unido sairia da União Europeia, de acordo com o site especializado YouGov, os levantamentos por telefone mostravam um empate, enquanto as pesquisas virtuais davam vantagem de 15% para a permanência. “As pesquisas telefônicas tendem um público diferente, com alta presença de minorias e idosos. Já os levantamentos on-line pegam mais jovens e trabalhadores que passam o dia fora de suas casas”, explica Young. “Todo o esforço nos institutos de pesquisa é para tentar corrigir esse viés de cobertura”.
Leia também:
Brasileira republicana pode ser eleita deputada estadual nos EUA
Como Trump e Hillary irão tratar a América Latina (e o Brasil)?Eleições nos EUA: quem as celebridades apoiam?
Em quem acreditar?
Afinal, as pesquisas ainda refletem a realidade? Provavelmente, desde sejam observadas com cuidado. O importante é não dar tanto valor para dados isolados, mas sim para o todo, explica Young. Há diversos sites americanos, como o RealClearPolitics e o HuffPost Pollster, que desenvolveram métodos para avaliar as melhores levantamentos e combinar seus resultados, de forma a dar um cenário mais completo. O PollingData faz um trabalho semelhante em português, avaliando as eleições americanas e também as brasileiras.
Além de fazerem a média das pesquisas nacionais, que são feitas como no Brasil, o site FiveThirtyEight e o New York Times avaliam a probabilidade de um candidato vencer. Na maioria das vezes, as pesquisas de voto popular refletem sim o vencedor, mas podem dar uma ideia distorcida sobre o quão acirrada está a corrida eleitoral. Como os Estados Unidos trabalham com o voto proporcional, não necessariamente ganha quem for votado por mais da metade da população, o que já aconteceu quatro vezes na história do país.
Para aqueles que desejam ir ainda mais fundo na investigação das pesquisas, é importante ficar de olho nas manipulações: confira o método, a margem de erro e a reputação do instituto de pesquisa – o FiveThirtyEight faz um ranking dos principais levantamentos americanos. Se não for bem trabalhado, o método pode influenciar quem responde e isso pode ou não ser intencional. Além disso, estar três ou quatro pontos porcentuais à frente pode não significar muito, caso a margem de erro seja alta.
01 de novembro de 2016
VEJA
Eleitora durante a votações da "Super Terça", a etapa mais importante do processo de eleições primárias nos Estados Unidos (Kevin Lamarque/Reuters) |
A campanha eleitoral nos Estados Unidos está entrando em sua reta final para decidir sobre quem irá ocupar o lugar de Barack Obama na Casa Branca. Os prognósticos sobre o futuro vencedor mudam ao sabor dos ventos. Na mesma semana, é possível encontrar pesquisas com números tão diferentes que é difícil saber quem estará certo em 8 de novembro. Desde o início do ano, tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump já ocuparam o topo na preferência popular e, em certas ocasiões, apareceram virtualmente empatados. A imprevisibilidade trouxe à tona uma nova questão: ainda é possível confiar nas pesquisas eleitorais?
“Sim, está cada vez mais difícil prever uma eleição”, confirma Clifford Young, presidente do Instituto Ipsos nos Estados Unidos, que conduz uma das pesquisas eleitorais mais importantes do país, em parceria com a agência Reuters. Segundo Young, a crise nas pesquisas não é apenas americana, mas mundial, e tem origem em uma série de fatores que exigem cada vez mais esforço (e dinheiro) para prever resultados. Os motivos vão desde a transição de métodos tradicionais para versões on-line, até o cenário de incerteza política que cresce no país, com candidatos fora do padrão político tradicional, como Trump, ganhando espaço.
Pelos menos nos últimos 30 anos, de acordo com Young, o telefone fixo era o “padrão de ouro” das pesquisas eleitorais. Era a forma mais óbvia e conveniente de comunicação, além de permitir encontrar quase qualquer pessoa nos Estados Unidos — país de dimensões continentais que já chegou a ter, na década de 90 e anos 2000, cerca de 90% de seus lares com uma ou mais linhas de telefone fixo. Nos últimos anos, porém, cresce o número de casas que não possuem uma linha fixa — hoje cerca de 50% das casas possuem telefone fixo, mas o número está em queda vertiginosa desde 2004.
Para dificultar, uma lei americana de Proteção ao Consumidor de Telefonia proíbe que sejam feitas ligações “automáticas”, por meio de robôs e gravações, para telefones celulares. Ou seja, um levantamento apenas com chamadas para celular exige gastos astronômicos com funcionários, do contrário, atinge um número menor de pessoas, não acompanha a rápida mudança no cenário eleitoral e não reflete a realidade do país.
Mesmo duvidosas, por ainda não terem sido muito testadas e estudadas, as pesquisas on-line ganharam espaço. As vantagens incluem o gasto reduzido, de cinco a sete vezes menor, e amostras maiores, que ajudam a prever como os candidatos se sairão em cada Estado, importante para o sistema de voto proporcional dos Estados Unidos. Por outro lado, ainda se sabe pouco sobre a sua eficácia e como o método afeta os resultados. “Está ficando quase inviável fazer uma pesquisa eleitoral”, afirma Young. Há um impasse: pesquisas caras e difíceis, ou baratas e incertas.
No referendo para decidir se o Reino Unido sairia da União Europeia, de acordo com o site especializado YouGov, os levantamentos por telefone mostravam um empate, enquanto as pesquisas virtuais davam vantagem de 15% para a permanência. “As pesquisas telefônicas tendem um público diferente, com alta presença de minorias e idosos. Já os levantamentos on-line pegam mais jovens e trabalhadores que passam o dia fora de suas casas”, explica Young. “Todo o esforço nos institutos de pesquisa é para tentar corrigir esse viés de cobertura”.
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Incerteza política
A crise nas pesquisas é ainda mais complexa do que uma questão técnica: é cada vez mais difícil encontrar alguém para respondê-las. Um relatório do instituto Pew Research Center mostra que a taxa de resposta nas pequisas realizadas pela empresa era de 8% em 2014, quase nada se comparado aos quase 80% nos anos 1970. “Não está claro ainda se isso diminui a qualidade das pesquisas, mas com certeza mostra que é cada vez mais difícil fazê-las”, afirma o representante da Ipsos. Um sinal da dúvida é que as principais empresas americanas preferiram nem mesmo divulgar esses valores durante a corrida eleitoral.
Para Young, a mudança constante nos números é, também, o reflexo da incerteza política mundial. “Estamos vivendo um cenário de descontinuidade, descrença, no qual as pessoas não sabem em quem votar. Isso contribui para a volatilidade das pesquisas”, afirma. Uma das principais evidências é o número de indecisos, cruciais para Hillary e Trump. Em 2012, quando Obama concorreu contra o republicano Mitt Romney, a média de indecisos nas pesquisas nacionais era de 5,1% no início de setembro. Hoje, este número está em 9,9%, de acordo com o agregador de levamentos HuffPost Pollster.
Apesar de não serem exclusividade americana, a descrença nas pesquisas parece mais grave no país. Segundo Young, o excesso de informações contribuiu para essa impressão. Em 2012, quase 12.000 pesquisas eleitorais foram realizadas nos Estados Unidos, um número que deve quase dobrar neste ano. Já no Brasil, há cerca de 80 ou 90 levantamentos em ano eleitoral. “Quase todo dia há uma pesquisa nacional nos Estados Unidos. Mesmo que estejam na margem de erro, as pessoas desconfiam dos resultados se veem pesquisas um pouco diferentes todos os dias”, afirma o pesquisador.
A crise nas pesquisas é ainda mais complexa do que uma questão técnica: é cada vez mais difícil encontrar alguém para respondê-las. Um relatório do instituto Pew Research Center mostra que a taxa de resposta nas pequisas realizadas pela empresa era de 8% em 2014, quase nada se comparado aos quase 80% nos anos 1970. “Não está claro ainda se isso diminui a qualidade das pesquisas, mas com certeza mostra que é cada vez mais difícil fazê-las”, afirma o representante da Ipsos. Um sinal da dúvida é que as principais empresas americanas preferiram nem mesmo divulgar esses valores durante a corrida eleitoral.
Para Young, a mudança constante nos números é, também, o reflexo da incerteza política mundial. “Estamos vivendo um cenário de descontinuidade, descrença, no qual as pessoas não sabem em quem votar. Isso contribui para a volatilidade das pesquisas”, afirma. Uma das principais evidências é o número de indecisos, cruciais para Hillary e Trump. Em 2012, quando Obama concorreu contra o republicano Mitt Romney, a média de indecisos nas pesquisas nacionais era de 5,1% no início de setembro. Hoje, este número está em 9,9%, de acordo com o agregador de levamentos HuffPost Pollster.
Apesar de não serem exclusividade americana, a descrença nas pesquisas parece mais grave no país. Segundo Young, o excesso de informações contribuiu para essa impressão. Em 2012, quase 12.000 pesquisas eleitorais foram realizadas nos Estados Unidos, um número que deve quase dobrar neste ano. Já no Brasil, há cerca de 80 ou 90 levantamentos em ano eleitoral. “Quase todo dia há uma pesquisa nacional nos Estados Unidos. Mesmo que estejam na margem de erro, as pessoas desconfiam dos resultados se veem pesquisas um pouco diferentes todos os dias”, afirma o pesquisador.
Em quem acreditar?
Afinal, as pesquisas ainda refletem a realidade? Provavelmente, desde sejam observadas com cuidado. O importante é não dar tanto valor para dados isolados, mas sim para o todo, explica Young. Há diversos sites americanos, como o RealClearPolitics e o HuffPost Pollster, que desenvolveram métodos para avaliar as melhores levantamentos e combinar seus resultados, de forma a dar um cenário mais completo. O PollingData faz um trabalho semelhante em português, avaliando as eleições americanas e também as brasileiras.
Além de fazerem a média das pesquisas nacionais, que são feitas como no Brasil, o site FiveThirtyEight e o New York Times avaliam a probabilidade de um candidato vencer. Na maioria das vezes, as pesquisas de voto popular refletem sim o vencedor, mas podem dar uma ideia distorcida sobre o quão acirrada está a corrida eleitoral. Como os Estados Unidos trabalham com o voto proporcional, não necessariamente ganha quem for votado por mais da metade da população, o que já aconteceu quatro vezes na história do país.
Para aqueles que desejam ir ainda mais fundo na investigação das pesquisas, é importante ficar de olho nas manipulações: confira o método, a margem de erro e a reputação do instituto de pesquisa – o FiveThirtyEight faz um ranking dos principais levantamentos americanos. Se não for bem trabalhado, o método pode influenciar quem responde e isso pode ou não ser intencional. Além disso, estar três ou quatro pontos porcentuais à frente pode não significar muito, caso a margem de erro seja alta.
01 de novembro de 2016
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