"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 5 de junho de 2016

SERVIÇO FEDERAL DE SEGURANÇA DA FEDERAÇÃO RÚSSIA

Alexander Litvinenko - morto por envenenamento

O texto abaixo resumido, extraído do livro A EXPLOSÃO DA RÚSSIA, é um devastador ataque do ex-funcionário do KGB, Tenente-Coronel Alexander Litvinenko, a seus antigos superiores. Em parceria com o acadêmico Yuri Felshtinsky, ele denuncia os métodos letais do KGB usados para levar Vladimir Putin ao Poder como um dos dirigentes russos mais populares jamais eleitos – ou melhor: indicados -. Proibido na Rússia e baseado nos bastidores das campanhas secretas russas acumuladas por Litvinenko ao longo de 20 anos, o livro mostra como as organizações que sucederam o KGB conseguiram sobreviver depois de desvinculadas do comunismo. Ao retomar antigos métodos de terrorismo e guerra elas conseguiram impor um “estilo ruusso” de governo.

Litvinenko foi perseguido por Putin, esteve preso, fugiu da Rússia e recebeu asilo político na Grã-Bretanha em 2001, tornando-se cidadão britânico em outubro de 2006. A seguir, no dia primeiro de novembro, foi assassinado com uma dose letal de polônio 210.

O livro foi editado no Brasil em 2007 pela Editora Record.
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“Nós não rejeitamos nosso passado. Dizíamos, sinceramente: “A história da Lubyanka no Século XX é a nossa história”

(N. P. Patrushev, diretor do FSB – ex-KGB -, em entrevista ao Komsomolskaya Pravda de 20 de dezembro de 2000, Dia da Cheka)

A árvore genealógica do Serviço Federal de Segurança da Federação Russa dispensa comentários. Desde os primeiros anos do Poder soviético, os organismos de punição criados pelo Partido Comunista mostraram-se implacáveis e impiedosos. Desde então, os atos dos indivíduos que trabalhavam nesses departamentos passavam ao largo dos princípios e valores da humanidade comum. A partir da Revolução de 1917, a polícia política da Rússia soviética (mais tarde URSS) funcionou como um mecanismo inexorável de aniquilamento de milhões de pessoas. Na verdade, essas estruturas jamais tiveram outras funções, pois o governo nunca lhes atribuiu quaisquer outras atividades práticas ou políticas, nem mesmo em seus períodos mais liberais.

Nenhum outro país civilizado jamais teve algo comparável com as agências de segurança de Estado na URSS. Excetuando o caso da Gestapo na Alemanha nazista, nunca houve qualquer outra polícia política que dispusesse de suas próprias divisões operacionais e investigativas ou seus centros de detenção, como, por exemplo, a prisão do FSB em Lefortovo.

Os acontecimentos de agosto de 1991 - quando uma onda de indignação popular derrubou o sistema comunista – demonstraram claramente que a liberalização das estruturas políticas da Rússia inevitavelmente levaria ao enfraquecimento e talvez até à proibição do KGB (Comitê de Segurança do Estado).

O pânico entre as agências coercitivas do Estado, nesse período, traduziu-se em numerosos e não raro incompreensíveis casos de desmantelamento de antigas agências de serviços especiais e criação de novas. Já no dia 6 de maio de 1991, era criado o Comitê de Segurança de Estado da República da Rússia, tendo V. V. Ivanenko na presidência, paralelamente ao KGB de toda a Federação, nos termos do protocolo assinado pelo presidente russo, Boris Yeltsin, e o presidente do KGB da Rússia, V. A Kriuchkov.

No dia 26 de novembro, o KGB da Rússia foi transformado em Agência de Segurança Federal (AFB). Uma semana depois, em 3 de dezembro, o presidente da Rússia, Mikhail Gorbachev, assinava um decreto intitulado “Da Reorganização das Agências de Segurança do Estado”. Com base nesse decreto seria criado um novo Serviço Interdepartamental de Segurança (MSB) da URSS, a partir da estrutura do KGB, que era abolido.

Simultaneamente, o velho KGB, como uma hidra vermelha de múltiplas cabeças, subdividiu-se em quatro novas estruturas. O Primeiro Departamento (central), que cuidava da Inteligência Externa, foi reconstituído separadamente como Serviço de Inteligência Central, mais tarde batizado como Serviço de Inteligência Externa (SVR). O oitavo e o décimo sexto Departamentos (encarregados das comunicações governamentais, codificações e reconhecimento eletrônico) foram transformados no Comitê de Comunicações Governamentais (futura Agência Federal de Informações e Comunicações Governamentais).

O serviço de guarda de fronteiras transformou-se no Serviço Federal de Fronteiras (FPS). O antigo Nono Departamento do KGB transformou-se em Departamento da Guarda Pessoal do Gabinete do Presidente da RSFSR (República Federativa Soviética da Rússia, nome oficial da Rússia na era soviética). O antigo Décimo Quinto Departamento passou a ser o Serviço de Segurança Governamental e Guarda Pessoal da RSFSR. Estas duas últimas estruturas seriam, posteriormente, transformadas no Serviço de Segurança do Presidente (SBP) e no Serviço Federal de Guarda Pessoal (FSO). Um outro serviço especial super secreto também foi separado do antigo Décimo Quinto Departamento do KGB: o Departamento Presidencial Central de Programas Especiais (GUSP).

No dia 24 de janeiro de 1992, Boris Yeltsin assinou um decreto autorizando a criação de um Ministério da Segurança (MB), a partir das estruturas da AFB e do MSB. Ao mesmo tempo era constituído um Ministério da Segurança e do Interior que, no entanto, logo seria dissolvido. Em dezembro de 1993, o MB (Ministério da Segurança) era, por sua vez, rebatizado de Serviço Federal de Contra-Inteligência (FSK), e em 3 de abril de 1995, Yeltsin assinou o decreto “Da Formação de um Serviço Federal de Segurança na Federação Russa”, pelo qual o FSK era transformado no FSB.
Essa longa seqüência de atos de reestruturação e mudanças de nomes destinava-se a proteger a estrutura organizacional das Agências de Segurança do Estado, ainda que de forma descentralizada, frente aos ataques dos democratas, juntamente com a estrutura para preservar o pessoal, os arquivos e os agentes secretos.

Um importante papel no empenho de salvar o KGB da destruição foi desempenhado por Ievgueni Savostianov, em Moscou, e Serguei Stepashin, em Leningrado, ambos com fama de democratas, nomeados para reformar e controlar o KGB. Na verdade, contudo, os dois foram infiltrados no movimento democrático pelas Agências de Segurança do Estado e só mais tarde foram designados para cargos de direção nos novos serviços secretos para impedir a destruição do KGB pelos democratas. Embora, com o passar dos anos, muitos funcionários que trabalhavam em tempo integral ou como prestadores de serviços no KGB-MB-FSK-FSB tenham se transferido para o mundo dos negócios ou da política, Savostianov e Stepashin conseguiram preservar a estrutura global.

Além disso, o KGB estivera anteriormente sob o controle político do Partido Comunista, que, de certa maneira, funcionava como um freio às atividades das agências especiais, pois nenhuma operação importante era possível sem a autorização do Politburo. Depois de 1991, o MB-FSK-FSB começou a operar na Rússia de forma absolutamente independente e sem controles, à parte o controle exercido pelo FSB sobre seus próprios agentes. Sua disseminada estrutura predatória já não era mais contida nos limites da ideologia ou da lei.

Depois do período de confusão resultante dos acontecimentos de agosto de 1991 e da equivocada expectativa de que os agentes do KGB cairiam no mesmo ostracismo que o Partido Comunista, os serviços secretos deram-se conta de que a nova era, livre da ideologia comunista e do controle do partido, oferecia certas vantagens. O antigo KGB pôde lançar mão de seus amplos recursos de pessoal – tanto oficiais como extra-oficiais – para posicionar seus agentes em praticamente todas as esferas de atividade no vasto território russo.

Antigos elementos de destaque do KGB começaram a surgir nos mais altos escalões do Poder, não raro sem serem notados pelos não iniciados: os primeiros eram agentes secretos, mas logo viriam também antigos funcionários. Na linha de apoio a Yeltsin, desde o início dos acontecimentos de agosto de 1991, estava Alexander Vasilievich Korjakov, ex-guarda-costas de Yuri Andropov, que havia sido presidente do KGB e Secretário-Geral do PC. O coronel aposentado do GRU, Bogomazov, chefiava o Serviço Secreto do Grupo Mikom, e o vice-presidente do Grupo Financeiro e Industrial era N. Nikolev, que passara 20 anos no KGB e chegara a trabalhar sob as ordens de Korjakov.

Filipp Denizovich Bobkov, general de quatro estrelas e primeiro vice-presidente do KGB da URSS, que na era soviética fora por muito tempo o chefe da chamada “quinta linha” do KGB (investigação política), foi empregado pelo magnata Vladimir Gusinsky. A “quinta linha”contabilizava entre seus maiores êxitos a expulsão do país de Alexander Soljenitsin e Vladimir Bukovsky, assim como a detenção, durante muitos anos, daqueles que pensavam e diziam o que consideravam certo e não o que o partido ordenava o que pensassem e dissessem. Anatoly Sobchak, prefeito de Leningrado (S. Petersburgo), e destacado líder do movimento reformista na Rússia, era apoiado por outro homem do KGB: Vladimir Putin. Nas palavras do próprio Sobchak, isto significava que “o KGB controla S.Petersburgo”.
A forma com que todo esse esquema foi montado veio a ser descrita pelo diretor do Instituto Italiano de Política e Economia Internacional, Marco Giaconi:

“As tentativas do KGB de assumir o controle das atividades financeiras de várias empresas seguem sempre o mesmo padrão. A primeira etapa tem início quando gangsteres tentam vender proteção ou usurpar direitos. Em seguida, agentes especiais dirigem-se a essas empresas para oferecer ajuda na solução de seus problemas. A partir desse momento, a empresa perde a independência para sempre. Inicialmente, uma empresa que cai na armadilha do KGB encontra dificuldades para conseguir crédito, podendo inclusive sofrer graves reveses financeiros. Posteriormente, poderá receber concessões para comercializar em setores como alumínio, zinco, alimentos, celulose e madeira, recebendo um forte estímulo para o seu desenvolvimento. É nesse estágio que vem a ser infiltrada por agentes do KGB, tornando-se uma nova fonte de renda para a organização”.

A língua russa incorporou uma nova palavra – oligarca -embora fosse evidente que nem o mais rico indivíduo do país pudesse ser considerado um oligarca no sentido literal, pois carecia do componente básico da oligarquia: Poder, pois o verdadeiro poder continuava nas mãos do serviço secreto.

Gradualmente, com a ajuda de jornalistas que também eram agentes do FSB e do SBP, e de todo um exército de escribas inescrupulosos sedentos de sensacionalismo, os poucos “oligarcas” do mundo dos negócios da Rússia, passaram a ser chamados de ladrões, escroques e até assassinos. Enquanto isso, os criminosos realmente criminosos, assenhoreando-se de um verdadeiro poder oligárquico e embolsando bilhões em dinheiro jamais registrado em contabilidade regular, estavam aboletados em suas mesas de diretores nas agências coercitivas do Estado: o FSB, o SBP, o PSO, o SVR, o Departamento Central de Inteligência (GRU), a Promotoria Geral, o Ministério da Defesa (MO), o Ministério do Interior (MVD), a Alfândega, a Polícia local, e assim por diante.

Esses eram os verdadeiros oligarcas, os cardeais cinzentos e os gerentes das sombras no mundo dos negócios russos e na vida política do país. Detinham o verdadeiro Poder ilimitado e sem controles. Protegidos pelo fato de pertencerem aos serviços de segurança, eram verdadeiramente intocáveis. Abusavam rotineiramente das prerrogativas de seus cargos, levando propinas e roubando, acumulando capital e envolvendo seus subordinados em atividades criminosas.

Finalizando, observa-se que os problemas mais fundamentais da Rússia moderna não decorrem das reformas radicais do período liberal dos mandatos de Yeltsin como presidente, mas sim da resistência declarada ou clandestina às reformas pelos serviços secretos russos. Foram eles que desencadearam a primeira e a segunda guerras na Chechênia, para desviar a Rússia do rumo da democracia, em direção à ditadura, ao militarismo e ao chauvinismo. Foram eles que organizaram uma série de atentados terroristas em Moscou e outras cidades russas, como parte de suas operações destinadas a criar as condições para essas duas guerras.

Em algum momento, quando forem abertos os arquivos do Ministério da Defesa russo, será aberto o acesso a esses documentos militares: mapas, planos, diretivas, ordens do dia para ataques aéreos e a mobilização de forças terrestres. Neles, haverá datas. Surgirão, então, em que medida terá sido espontânea a adesão do governo russo de dar início às operações terrestres na Chechênia, e se o Estado-Maior já concluíra o planejamento das operações militares antes do primeiro atentado.

Então, perguntaremos a nós mesmos porque os atentados ocorreram ANTES da campanha eleitoral e da incursão na Chechênia, e cessaram depois da elevação de PUTIN à presidência e do início da guerra total contra a República da Chechênia – no exato momento em que os chechenos poderiam querer vingar-se de seus invasores -. Respostas completas e definitivas para essas questões somente virão à tona quando o Poder tiver mudado de mãos na Rússia.



05 de junho de 2016
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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