"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

O ESTADO PARTIDÁRIO



O mecanismo do Poder comunista é, talvez, mais simples que se possa imaginar. embora leve à tirania mais refinada e exploração mais brutal. A simplicidade desse mecanismo tem origem no fato de que apenas um partido, o comunista, é a espinha dorsal de toda atividade política, econômica e ideológica. A vida política se move segundo o que acontece nas reuniões da direção do partido.

Sob o regime comunista, o povo compreende rapidamente qual a sua função e o que lhe é permitido fazer ou não. Leis e regulamentos não têm importância essencial: são as leis tácitas e reais sobre as relações entre o governo e seus súditos que valem. Todos sabem que o governo, apesar das leis, está nas mãos dos comitês do partido e da polícia secreta. Não se estabelece um “papel direto” ao partido, mas sua autoridade se encontra em todas as organizações e setores.

Nenhuma lei determina que a polícia secreta tem o direito de controlar os cidadãos, mas a polícia é onipresente. Nenhuma lei determina o controle do Judiciário pela polícia secreta e pelo partido, mas isso acontece. A maior parte das pessoas sabe disso. Todos sabem o que pode ser feito ou não, e o que depende de quem. Adaptam-se a essa situação e às condições existentes, apelando, em todos os assuntos de importância, para as reuniões do partido ou a órgãos sob o seu controle.


Os comunistas se familiarizam com o sistema e com as relações assim criadas. Habituam-se a distinguir entre o que é importante e o que não é, e a consultar as reuniões partidárias somente sobre os assuntos especialmente importantes. A unidade só existe potencialmente, pois as decisões importantes são tomadas pelo partido. A opinião daqueles que elegeram o governo ou atuam na administração é totalmente sem importância.

Antes de usurparem o Poder, a unidade é necessária para recrutar revolucionários. Depois, serve de justificativa para o controle totalitário pela nova classe. Uma surge da outra, mas também uma difere da outra. A revolução e suas formas tornam-se inevitáveis, e até mesmo necessárias à sociedade que aspirava ao progresso técnico e econômico.

A tirania e o controle totalitário pela nova classe, que começou a surgir durante a revolução, tornam-se o jugo sob o qual o sangue e o suor de todos os membros da sociedade escorrem. Formas revolucionárias transformam-se em formas reacionárias.

Há dois métodos pelos quais os comunistas controlam a máquina social. O primeiro é o da unidade, o mais importante, pelos princípios e pela teoria. O segundo, atualmente mais em voga, reserva certos postos do governo a membros do partido. Entre esses postos, essenciais em qualquer governo e ainda mais num regime comunista, estão os da polícia, especialmente a secreta, da diplomacia e do oficialato, cargos nos serviços de informação e políticos.

No Judiciário, somente as posições mais elevadas ficam nas mãos dos comunistas. A tendência é a de aumentar os privilégios de que gozam os seus membros. Desse modo, o controle sobre a Justiça poderia ser afrouxado ou até mesmo abolido, com a certeza de que ela continuará a seguir as intenções do partido, ou seja, a distribuir justiça “dentro do espírito do socialismo”.

A lei, embora tácita, de que somente membros do partido podem tornar-se oficiais, policiais ou diplomatas, e de que somente eles podem exercer autoridade, cria um grupo de burocratas com privilégios especiais e simplifica os mecanismos do governo e da administração. A unidade do partido expande-se, dessa forma, e se apodera de quase todos os serviços.

Não há nenhuma diferença fundamental, no sistema comunista, entre os serviços estatais e as organizações partidárias, como, por exemplo, entre o partido e a polícia secreta, estando a diferença entre ambos apenas na distribuição de tarefas. Toda a estrutura governamental é organizada dessa maneira, com as posições políticas reservadas exclusivamente aos membros do partido.

O Partido Comunista não tem seu caráter singular apenas por ser revolucionário e centralizado e observar uma disciplina militar, ter objetivos definidos e outras características.

Somente no Partido Comunista é a “unidade ideológica”, ou o conceito idêntico do mundo e do desenvolvimento da sociedade, obrigatória para seus membros. Lenin não pensava que os membros do partido estivessem obrigados a ter as mesmas idéias.

Na prática, porém, ele refutava e pulverizava toda idéia que não lhe parecesse marxista ou “do partido”, ou seja, que não fortalecesse o partido da forma que ele concebesse. Seu ajuste de contas com vários grupos de oposição dentro do partido era diferente do de Stalin, porque Lenin não os matava. Os sufocava, simplesmente.

Stalin exigia a unidade ideológica, além da unidade política e filosófica, a todos os membros do partido. Sob sua administração, a unanimidade tornou-se a exigência tácita de todos os partidos comunistas do mundo.

O que significa a unidade obrigatória no partido, e para onde ele leva?
Suas conseqüências políticas são muito sérias. O Poder, em qualquer partido, e essencialmente num partido comunista, está nos seus líderes e na sua alta direção. A atitude ideológica obrigatória, especialmente no partido comunista, centralizado e com a disciplina militar que adota, traz inevitavelmente o poder do corpo central de dirigentes sobre o pensamento dos seus membros.

Hoje, a “liderança coletiva”, pós-estalinista, satisfaz-se em tornar impossível o surgimento de novas idéias sociais. Assim, o marxismo reduziu-se a uma teoria e a definições somente pelos líderes do partido.

Não há nenhum outro tipo de marxismo ou comunismo hoje, e dificilmente poderá vir a surgir qualquer outro gênero.

As conseqüências sociais da unidade ideológica têm sido trágicas: a ditadura de Lenin foi severa, mas a de Stalin transformou-se num totalitarismo. A abolição da luta ideológica no partido significou o fim de toda a liberdade na sociedade, já que somente no partido as várias camadas encontram expressão. A intolerância de outras idéias e a insistência na presumida natureza científica do marxismo foram o começo do monopólio ideológico pelas lideranças do partido, que mais tarde se transformou em um completo monopólio da sociedade.

Essa unidade ideológica impossibilita quaisquer movimentos independentes dentro do sistema comunista e dentro da própria sociedade. Cada ação depende do partido, que tem controle total da sociedade, e dentro da qual não há a menor liberdade.

A unidade ideológica do partido é a base espiritual da ditadura pessoal. Sem ela, essa ditadura não pode, sequer, ser imaginada. Ela produz e fortalece a ditadura, e vice-versa. O monopólio das idéias, ou a unidade ideológica compulsória, são apenas um complemento e uma máscara teórica da ditadura pessoal.

Por tudo isso, o marxismo transformou-se de ideologia revolucionária livre em dogma prescrito.



27 de maio de 2016
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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