"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 7 de maio de 2016

CORAGEM PARA MUDAR

Mais que de transição, é de emergência o futuro governo de Michel Temer. Herdará um país em frangalhos, com tudo por fazer e refazer: na economia, na política e na autoestima do Brasil.

Não há tempo a perder e não há espaço para errar. O país já esperou, sofreu e errou demais. A força capaz de nutri-lo –e é essencial que não se perca isso de vista– não virá das cúpulas partidárias nem dos arranjos, por mais engenhosos, de bastidores ou do atendimento a interesses corporativos.

Virá das ruas, da fonte e origem de todo esse processo, que levou ao fim a Era PT. É esta a peculiaridade deste momento histórico: não foram os partidos que moveram a população, mas o contrário. Foi o clamor das multidões que levou os partidos a agir.

Temer, embora detentor de prestígio no campo jurídico e de densa bagagem política, chega ao poder sem o lastro de uma eleição nele focada. Foi eleito como vice; teve, portanto, votos, mas por tabela. Terá de compensar buscando interpretar as multidões que apearam a presidente.

Tancredo Neves viveu, em outra circunstância, essa realidade. Capitalizou a frustração das Diretas Já e arrastou ao colégio eleitoral a expectativa popular. Itamar Franco fez o mesmo: governou para a sociedade, e não para os partidos. Esse gesto deu-lhe a força moral de que carecia para cumprir a missão.

Cabe ao futuro presidente dar sinais claros de que não fará dessa ocasião singular mera reprodução do modelo que acaba de ruir. Não pode fazer do Estado e de seus cargos moeda de troca política, buscando nessa prática, variante do mensalão, a fonte da governabilidade. Não funciona, como constatou tardiamente a presidente Dilma Rousseff.

Deve, isso sim, pautar-se em dois exemplos que nos vêm da Argentina: o presidente Mauricio Macri e o papa Francisco.

O primeiro enfrenta, sem hesitar, o populismo institucional dos Kirchner, adotando medidas amargas, corajosas e necessárias à reconstrução do país; o segundo, ciente da eficácia e da força do exemplo –e a política move-se também em torno de símbolos–, abdicou de luxos pessoais e adotou hábitos simples, que o identificam com a realidade sofrida em que vive o povo.

E o que querem os milhões que foram às ruas? Um Estado mais eficiente e enxuto, mais transparente. Um Estado em que a sociedade se veja refletida. Deve, portanto, cortar mordomias, a começar pelas de seu próprio cargo. Menos promessas e mais ação, eis, em síntese, a receita.

Nada de comitivas gigantescas em viagens ao exterior ou de cargos inúteis em profusão; trocar o caríssimo Airbus por um jato da Embraer. Numa palavra, aproximar-se do povo, reduzir o abismo que o separa dos governantes; munir-se de autoridade moral para pedir sacrifícios a uma sociedade que já contabiliza mais de 11 milhões de desempregados.

Os primeiros sinais não são alentadores. Temer, ao que parece, recuou do anúncio de que cortaria à metade os ministérios –e já discute com os partidos o seu loteamento. Repete aí o PT.

São hoje 32 ministérios. Oscar Niemeyer projetou a Esplanada com 17 prédios; Juscelino, que a inaugurou, governou com 12 ministros. E há ainda os milhares de cargos em comissão, criados não para atender o público, mas à militância.

É preciso sinalizar desde o início que se inaugura de fato uma nova etapa, com mudança radical de rumo. Para tanto, é preciso coragem, ousadia. Temer precisa deixar claro que não postula reeleição, que fala para a história, e não para os partidos.

Coragem, presidente. Se a demonstrar, terá o povo a seu lado –e, tendo-o, nada será capaz de ameaçá-lo.



07 de maio de 2016
Ronaldo Caiado, Folha de SP

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