Fui a Havana em fins de 1988 para cobrir os 30 anos da Revolução Cubana.
Durante uma semana, entrei e saí de Cadillacs batendo pino, hotéis cheirando a 1958 e restaurantes com a pior comida do mundo. Penetrei no bairro negro da cidade, entrevistei um chefe do tráfico de maconha e constatei que, por causa da novela da Globo "A Escrava Isaura", em exibição na TV local, Rubens de Falco era mais popular em Cuba do que seu ex-morador Ernest Hemingway.
Ao voltar, contei isto a amigos, que se revoltaram com minha visão reacionária do país. Mas o que fez um deles cortar relações foi minha descrição do desfile de modas a que assisti na velha boate Tropicana, em que as modelos, usando uniformes camuflados, desfilavam ao som da patriótica "Guantanamera", o poema de José Martí (1853-95) musicado por Joseíto Fernández, saindo das caixas em ritmo de discoteca. Para completar, uma das modelos – por sinal, a única que desfilava mal, parecendo estar com um band-aid no calcanhar – era a jovem Alina Revuelta, filha de... Fidel Castro.
Quase apanhei. Para meus amigos, uma filha de Fidel só poderia ser uma médica, professora ou camponesa – jamais seria vista rebolando numa passarela. E, se fizesse isto, seria a melhor modelo do lote. Desisti. Difícil argumentar contra cérebros tão bem lavados.
Hoje é diferente. Depois das visitas de Barack Obama e dos Rolling Stones, Havana está sendo palco de uma semana internacional da moda. As roupas, criadas pelas maiores grifes do mundo, exibem estampas de palmeiras, charutos, canaviais. Gisele Bündchen adotou e estilizou a boina de Guevara. Um neto de Fidel iria desfilar pela Chanel. É uma Cuba que Chico Buarque já não deve reconhecer.
Só faltam convidar os presos políticos para o desfile de gala na noite de encerramento.
07 de maio de 2016
Ruy Castro, Folha de S.Paulo
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