PROCURADOR DO TCU DENUNCIA "CONTABILIDADE DESTRUTIVA" INVENTADA PELO GOVERNO
Considerado o depoimento mais importante da reunião desta segunda-feira, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, disse que o governo da presidente Dilma Rousseff fez uma “contabilidade destrutiva” às contas públicas do país e ainda cometeu fraudes fiscais. A comissão do Senado que analisa o processo de impeachment ouviu antes o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), José Maurício Conti. Após Oliveira, foi a vez do presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado, Fábio Medina Osório, expor seus argumentos. Ao final das exposições, os depoentes foram questionados pelos senadores.
Para o procurador – responsável pelos pareceres técnicos nos processos do TCU sobre as ‘pedaladas fiscais’ e os decretos de crédito suplementar, que são as bases do processo -, a chamada contabilidade criativa levou ao cenário econômico e fiscal atual: fim da estabilidade das contas e rebaixamento do Brasil pelas agências internacionais de risco.
AS PEDALADAS
– Houve pedaladas banais e outras gravíssimas. Todo esse ambiente é resultado de contabilidade destrutiva e de fraudes fiscais. Em matéria de conta pública criatividade é nome para fraude, é contabilidade destrutiva. Pedaladas fiscais são expressões de eufemismo, práticas gravíssimas e outras nem tão grave na vala comum, como se fossem a mesma coisa. Fatos graves que ocorreram na Nação nos últimos anos – disse o procurador.
Ele ainda destacou que a responsabilidade fiscal se tornou um “bem e um dever jurídico dos governantes” e não apenas uma recomendação de boa prática administrativa. Destacou que em 2014 o Ministério Público pediu ao TCU a realização de auditoria sobre as operações de crédito junto aos bancos públicos – uma das pedaladas registradas pelo TCU.
– São operações de crédito ilegais, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que tem um conceito amplo sobre operações desse tipo – disse Oliveira.
LEI ORÇAMENTÁRIA
– O Orçamento é a lei mais importante. Na execução do Orçamento, o governante deve se ater àquilo que foi estabelecido. Atrasar uma fatura é uma pedalada, mas não é a mesma coisa de obter um financiamento indevido, compulsório, violando várias normas – assinalou o procurador.
Para ele, as operações com a Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil tiveram problemas. O governo já pagou as pedaladas de 2014, depois de decisão do TCU neste sentido. Para ele, as práticas ocorreram já em 2013, mas aumentaram em 2014.
– Era um ano eleitoral – destacou ele.
Irritado, o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE) interpelou Oliveira e disse que as operações da CEF não estão na denúncia. Houve um princípio de bate-boca, mas logo contornado pelo presidente da comissão Raimundo Lira.
REJEIÇÃO DAS CONTAS
Depois do tumulto, Oliveira afirmou que o MP junto ao TCU defenderá a rejeição das contas da presidente em 2015 devido à reiteração de atos condenados pela Corte de contas em 2014. Disse esperar que o tribunal siga tal entendimento:
– Tudo isso foi objeto de representações do Ministério Público de Contas ao TCU e serão considerados no exame das contas de 2015 e que, por sua gravidade, espero que novamente o tribunal emita parecer pela rejeição das contas de 2015.
Ele fez um histórico dos débitos do governo por meio das ‘pedaladas’ desde 2013. Por algumas vezes senadores governistas protestaram porque a denúncia restringe-se a 2015. O procurador ressaltou que em relação ao ano que está em análise houve atraso também no BNDES, além do Banco do Brasil.
IRREGULARIDADES
Segundo ele, o fato de não ter quitado as operações de anos anteriores fez com que as irregulares permanecessem em 2015 no caso desses dois bancos e, portanto, houve descumprimento à proibição de se recorrer a empréstimos de bancos públicos também neste ano.
– Não pode nem pegar empréstimo, então não pode ficar rolando saldo devedor – observou. Ele vinculou a política ao desejo de Dilma de se reeleger em 2014.
– Desde 2013 o governo encontra dificuldade de manter seu gasto no nível que pretendia manter até o fim do mandato, porque queria dizer que era eficiente, que fez isso, fez aquilo e merece continuar. Isso é legítimo, mas não é legítimo fazer isso às custas de práticas fiscais ilegais – afirmou.
DECRETOS ILEGAIS
Sobre os decretos de crédito suplementar, ele observou que o governo não poderia ter editado tal medida no momento em que já tinha a informação de que não haveria cumprimento da meta fiscal. Ele concluiu destacando a elevação da dívida brasileira e afirmou que os dados econômicos ruins são decorrentes das fraudes que aponta.
– Esse é o efeito de uma política fiscal irresponsável e ruinosa para o país feita mediante a escolhas políticas econômicas equivocadas, e não entro nesse mérito, mas de práticas ilegais que violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição – finalizou.
‘DISCURSO DO GOLPE’
Último dos três expositores a falar, o presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado, Fábio Medina Osório, fez uma apresentação mais jurídica em sua fala. Ele afirmou que o Senado é sim o Poder responsável para julgar o presidente em caso de crimes de responsabilidade e pediu que a Casa não ceda ao que chamou de “discurso do golpe”. Os defensores da presidente Dilma Rousseff acusam o processo de impeachment em marcha – já legitimado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – de golpe.
– O surrado discurso do golpe não deve ser acolhido. A má gestão pública de um governante podem ser valorado por Vossas Excelências – disse Fábio Medina Osório.
O advogado leu parecer do então ministro do Supremo Sepúlveda Pertence sobre a posição do Senado, datados de 1992, quando julgou o ex-presidente Fernando Collor.
OPERAÇÕES VEDADAS
O professor Conti foi o primeiro a falar. Ele afirmou que o fato de o governo ter conseguido em dezembro de 2015 aprovar mudança na meta fiscal não retira a ilegalidade dos decretos de Dilma que abriram créditos nos meses de julho e agosto. Ele afirma que a legalidade da ação deve ser observada pelo momento de sua edição (dos decretos), e não pelo resultado final de 2015.
– O que se fez foi: diante do evidente descumprimento da regra, mudou-se a regra e não a conduta. O que só faz enganar quem faz absoluta questão de ser enganado – disse Conti.
Ele ressaltou que na época da edição dos decretos já havia relatórios bimestrais mostrando que a meta proposta, e aprovada pelo Congresso, não seria cumprida.
PEDALADAS ILEGAIS
Sobre operações realizadas pelo governo com bancos públicos, Conti concordou com a acusação feita pela denúncia de que se tratam de operações de crédito vedadas pela legislação. Ressaltou que no caso de 2015, que será analisado no processo de impeachment, as operações foram computadas pelo Banco do Brasil no mesmo formato de empréstimos, com a inclusão dos valores devidos pelo governo como ativo em seus balanços.
– Não há dúvidas que houve uma espécie de financiamento ao devedor – disse.
CONTABILIDADE CRIATIVA
O professor da USP afirmou que desde 2012 o governo passou a executar uma “contabilidade criativa” para tentar mascarar o real estado das contas públicas. Concluiu afirmando que uma punição para a presidente pode reforçar a importância do controle das finanças públicas.
– Essas condutas reprováveis praticadas nos últimos anos não podem prevalecer. É preciso não deixar dúvidas que normas de finanças públicas estão aí e as consequências de não cumprimento são graves – ressaltou Conti.
03 de maio de 2016
Eduardo Bresciani e Cristiane JungblutO Globo
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