A maratona de votações na Câmara dos Deputados, em torno da mudança no sistema eleitoral, resultou exatamente naquilo que se podia esperar: nada. Um olhar sobre o noticiário dos dias anteriores, período em que a imprensa produziu uma fartura de especulações e contribuiu para conturbar o clima em Brasília, mostra que continua mais sábia do que nunca a sentença do Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Em versão shakespeariana, pode-se dizer que novamente a imprensa fez “muito barulho por nada”.
Depois de insuflar por todos os meios o suposto controle do presidente da Casa, Eduardo Cunha, sobre a maioria dos deputados, a mídia tradicional conclui que ele não tinha cacife para fazer aprovar o sistema Frankenstein abrigado na Proposta de Emenda Constitucional da reforma política. No entanto, o histórico de equívocos da imprensa autoriza a imaginar que aconteceu exatamente o contrário: que Eduardo Cunha obteve o que sempre desejou, ou seja, manter tudo como era antes.
Cunha já foi comparado por articulistas a Maquiavel, mas não chega a tanto. No máximo, ele representa um passo adiante no processo evolutivo do homo ordinarius, espécie que vem povoando o Planalto Central por conta de um sistema eleitoral que favorece o poder dos lobbies, transforma celebridades da mídia e do entretenimento em tribunos romanos e corrompe a natureza da representatividade política.
Nas edições de quarta-feira (27/5), os jornais parecem surpreendidos pelo fato de que essa base resolveu pensar por conta própria, se rebelando contra a proposta defendida pelo presidente da Câmara.
“Cunha sofre dupla derrota”, anuncia a manchete do Estado de S. Paulo.
“Câmara rejeita distritão e impõe maior derrota de Cunha na Casa”, diz a Folha de S.Paulo.
O Globo também destaca que o presidente da Câmara foi vencido em sua tentativa de alterar o sistema de votação de deputados nos estados, mas dá espaço para suas bravatas: depois de manipular a bancada dos anônimos, aqueles parlamentares sem grande personalidade política que formam o chamado “baixo clero”, Eduardo Cunha estaria passando recados aos dissidentes, ameaçando retaliar.
Quem ganha, quem perde
Se não fosse pela nova demonstração de que Apparício Torelly, o Barão de Itararé, sempre esteve certo em sua convicção de que nada provém de quem menos se espera, seria de bom senso afirmar que o presidente da Câmara do Deputados nada perdeu, porque na verdade nunca pretendeu mudar uma vírgula nas regras que permitiram sua ascensão à liderança da Casa. Mas também se deve levar em consideração que, tendo surgido logo após a inauguração do atual governo como o elemento perturbador do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, Cunha se revela bem menos poderoso do que fazia supor a imprensa.
Os jornais tiveram pouco tempo para digerir o resultado das votações, que avançaram pela noite, mas alguns articulistas se arriscam a prever que, depois dessa derrota, o presidente da Câmara não será o mesmo.
Embora alguns de seus escudeiros tenham distribuído bravatas e ameaças aos dissidentes, principalmente aos integrantes do PMDB, partido de Cunha, que desobedeceram ao seu comando, sabe-se que a massa dos homens comuns não respeita os derrotados. Para recuperar sua liderança, Cunha terá que administrar no varejo a ampla variedade de interesses dos parlamentares.
O episódio dá oportunidade para um intenso exercício do esporte preferido pelos cronistas de Brasília: a especulação. Munidos de uma ou outra informação de suas fontes privilegiadas, repórteres e colunistas que cobrem o poder central despejam na imprensa seu arsenal de suposições, todos cercados da mais absoluta convicção.
Na véspera, nenhum deles tinha duvidado da capacidade de Eduardo Cunha impor sua vontade à maioria dos deputados. Os telejornais noturnos trouxeram às telas aqueles especialistas em tudo, que se esforçavam por dizer que não haviam dito dias antes o que agora se revela ter sido uma aposta equivocada.
A imprensa registra com destaque a derrota do presidente da Câmara, mas não pode produzir aquele costumeiro quadrinho: “Quem ganha, quem perde”.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Executivo apenas acompanhou o embate.
No resto do Brasil, cresce a percepção de que o noticiário político é um jogo entre a imprensa e os partidos.
28 de maio de 2015
Luciano Martins Costa, in observatório da imprensa
Depois de insuflar por todos os meios o suposto controle do presidente da Casa, Eduardo Cunha, sobre a maioria dos deputados, a mídia tradicional conclui que ele não tinha cacife para fazer aprovar o sistema Frankenstein abrigado na Proposta de Emenda Constitucional da reforma política. No entanto, o histórico de equívocos da imprensa autoriza a imaginar que aconteceu exatamente o contrário: que Eduardo Cunha obteve o que sempre desejou, ou seja, manter tudo como era antes.
Cunha já foi comparado por articulistas a Maquiavel, mas não chega a tanto. No máximo, ele representa um passo adiante no processo evolutivo do homo ordinarius, espécie que vem povoando o Planalto Central por conta de um sistema eleitoral que favorece o poder dos lobbies, transforma celebridades da mídia e do entretenimento em tribunos romanos e corrompe a natureza da representatividade política.
Nas edições de quarta-feira (27/5), os jornais parecem surpreendidos pelo fato de que essa base resolveu pensar por conta própria, se rebelando contra a proposta defendida pelo presidente da Câmara.
“Cunha sofre dupla derrota”, anuncia a manchete do Estado de S. Paulo.
“Câmara rejeita distritão e impõe maior derrota de Cunha na Casa”, diz a Folha de S.Paulo.
O Globo também destaca que o presidente da Câmara foi vencido em sua tentativa de alterar o sistema de votação de deputados nos estados, mas dá espaço para suas bravatas: depois de manipular a bancada dos anônimos, aqueles parlamentares sem grande personalidade política que formam o chamado “baixo clero”, Eduardo Cunha estaria passando recados aos dissidentes, ameaçando retaliar.
Quem ganha, quem perde
Se não fosse pela nova demonstração de que Apparício Torelly, o Barão de Itararé, sempre esteve certo em sua convicção de que nada provém de quem menos se espera, seria de bom senso afirmar que o presidente da Câmara do Deputados nada perdeu, porque na verdade nunca pretendeu mudar uma vírgula nas regras que permitiram sua ascensão à liderança da Casa. Mas também se deve levar em consideração que, tendo surgido logo após a inauguração do atual governo como o elemento perturbador do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, Cunha se revela bem menos poderoso do que fazia supor a imprensa.
Os jornais tiveram pouco tempo para digerir o resultado das votações, que avançaram pela noite, mas alguns articulistas se arriscam a prever que, depois dessa derrota, o presidente da Câmara não será o mesmo.
Embora alguns de seus escudeiros tenham distribuído bravatas e ameaças aos dissidentes, principalmente aos integrantes do PMDB, partido de Cunha, que desobedeceram ao seu comando, sabe-se que a massa dos homens comuns não respeita os derrotados. Para recuperar sua liderança, Cunha terá que administrar no varejo a ampla variedade de interesses dos parlamentares.
O episódio dá oportunidade para um intenso exercício do esporte preferido pelos cronistas de Brasília: a especulação. Munidos de uma ou outra informação de suas fontes privilegiadas, repórteres e colunistas que cobrem o poder central despejam na imprensa seu arsenal de suposições, todos cercados da mais absoluta convicção.
Na véspera, nenhum deles tinha duvidado da capacidade de Eduardo Cunha impor sua vontade à maioria dos deputados. Os telejornais noturnos trouxeram às telas aqueles especialistas em tudo, que se esforçavam por dizer que não haviam dito dias antes o que agora se revela ter sido uma aposta equivocada.
A imprensa registra com destaque a derrota do presidente da Câmara, mas não pode produzir aquele costumeiro quadrinho: “Quem ganha, quem perde”.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Executivo apenas acompanhou o embate.
No resto do Brasil, cresce a percepção de que o noticiário político é um jogo entre a imprensa e os partidos.
28 de maio de 2015
Luciano Martins Costa, in observatório da imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário