O campo penal sempre polêmico e muito aquém da expectativa da sociedade precisa sofrer reformas estruturais no encaminhamento do inquérito e no julgamento colegiado.
A apresentação do réu preso ao juízo em 24h é uma inovação que tem sua razão de ser, porém é essencial que adotemos a metodologia do juizado de instrução, como há bastante tempo funciona em França.
Caberia ao magistrado a direção do inquérito e zelar pelas circunstâncias típicas relevantes, quebra do sigilo bancário, quebra do sigilo telefônico, dos meios eletrônicos, tudo que fosse relevante à verdade real.
E nesse passo a Lei 12.694/12, há quase três anos em vigor, criou a colegialidade para os casos de organizações criminosas, no entanto comporta reforma, na medida em que a exposição do magistrado singular perpassa delitos de facções criminosas, encontrando-se nos crimes contra a vida, colarinho branco, de corrupção invariavelmente, daí porque a importância de termos um magistrado que presida ao inquérito, outro que responda pelas provas durante a instrução e que todos se comuniquem na aplicação da sanção penal, isto é, os três juízes assinariam o comando da norma penal e o regime a ser cumprido.
O Brasil prende demais e de forma errática, essa mentalidade arcaica precisa ser revista, entregando ao magistrado a presidência do inquérito com a presença do promotor de justiça avaliando as provas e a legalidade e também o delegado de polícia.
A reforma proposta traria um incomum ímpeto ao acompanhamento das prisões em flagrante e os casos de requerimento de soltura, reduzindo os habeas corpus, recursos que tomam a maioria do tempo das cortes inferiores e superiores.
Qual a razão de se manter a colegialidade, ou seja, atuação de três juízes num determinado processo?
Há casos rumorosos, existem processos complexos, com desmembramentos dos réus, proximidade da prescrição e o alentado número de testemunhas de defesa, inclusive fora do País, por tal regra e com maior flexibilidade ao juiz competiria acusar essa realidade e determinar a formação do colegiado em primeiro grau, com isso a vida do magistrado estaria bem mais preservada, notadamente quando se trata de crime de drogas, ou que exista um desgaste amplo na jurisdição exercida.
E a pergunta que não pode calar é a seguinte: em toda e qualquer instância haveria essa possibilidade de se formar o órgão colegiado?
Sim, sem dúvida, desde a entrância inicial, até a final, todas elas poderiam, no livre exercício do magistrado propor o julgamento colegiado, pois que além de mais célere, passa pela fiscalização e supervisão de três juízes, tal situação também deveria ocorrer com maior frequência e também nos casos mais delicados na execução penal, progressão de pena e benefícios correlatos.
A transformação da macrocriminalidade envolve nuances e especificidades que não podem ficar sob a esfera de exclusiva responsabilidade do magistrado singular, muitas vezes adoece, precisa tomar licença, ou se ausentar da comarca, assim quando presente a colegialidade a normalidade do processo está preservada e garantida, posto que todos estão exercendo de comum e livre consenso a respectiva jurisdição.
O termo de organização criminosa é vago, lacunoso e impreciso, assim defendemos que todos os crimes que tenham repercussão, envolvendo o mercado financeiro, de colarinho branco, de improbidade administrativa, sobretudo de corrupção, possa o magistrado de primeiro grau suscitar a formação do colegiado que terá por objetivo zelar e julgar aqueles casos concretos.
Dentro desse âmbito de visão a posição do juiz de instrução é inadiável, ele cumpre seu papel de estar à frente do inquérito e de antemão vedar qualquer abuso ou ilegalidade, pois que se precisar da quebra do sigilo ele autorizará de forma fundamentada, entregando pronto procedimento, a fim de que seja feita a denuncia criminal e recebida por outro magistrado que se encarregará da fase instrutória, finda essa, os magistrados, atentos ao desenvolvimento da persecução criminal, tomarão suas posições e assinarão todos os três a sentença proferida, não importando se houver alguma divergência entre eles, pois que prevalecerá o posicionamento da maioria, e por tal ângulo, mesmo vencido em alguma parte, esse magistrado participa do conjunto exarado na prestação jurisdicional.
Com essas pequenas alterações, boa parte da superlotação dos presídios seria debelada, haja vista que não haveria excedimento do prazo ou prisão ilegal, ao menos é o que se intenciona.
Reduzir ao máximo a exposição do magistrado, possibilitar a formação do colegiado em primeiro grau e submeter inquérito à presidência do juiz de instrução, eis alguns ingredientes que fariam do nosso Direito Penal uma ciência jurídica do futuro, dando maior segurança à sociedade, agilidade do julgamento, e principalmente a seleção daqueles obrigados ao cárcere e os demais que podem receber penas alternativas.
Feita essa microreforma, os tribunais receberiam menos habeas corpus, a tríade velaria pela legalidade e as ameaças veladas ou até mesmo supostos pleitos de suspeição estariam superados por força do colegiado responsável pelo sentenciamento não apenas de crimes de organizações criminosas, mas daqueles com inegável interesse público, coletivo e de prestação jurisdicional coerente com as exigências da justiça em tempo real.
15 de março de 2015
Carlos Henrique Abrão, Doutor em Direito pela USP com Especialização em Paris, é Desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.
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