"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 10 de janeiro de 2015

A CRISE INTERNA E MUNDIAL


 

O ano termina sob o espectro de perspectivas preocupantes no âmbito nacional e no do poder mundial.

Isso recomenda que os povos assumam atitude engajada e participativa, livre das falsas lideranças que iludem tanta gente, e, assim, se libertem de um sistema que os despoja e aliena.

No País persiste o assédio para que se desnacionalizem as poucas grandes empresas públicas e privadas sob controle nacional que ainda lhe restam.

Historicamente, os agentes das campanhas nesse sentido valeram-se sempre, como ocorre atualmente, da retórica moralista para atingir seu real objetivo.

Vivemos sob um sistema político em que os aspirantes aos cargos eletivos dependem de exposição na TV – um espaço fechado aos não comprometidos com os reais donos e beneficiários desse sistema. Dependem também de dinheiro grosso para as campanhas eleitorais, num país em que a economia é concentradíssima e desnacionalizada.

Nessas condições,  ainda que o Executivo estivesse nas mãos de titular solidamente apoiado pela maioria da sociedade, ele não teria como colocar os interesses dela acima dos grupos que concentram o poder real.

Estes elegem a grande maioria do Congresso e, sustentando-se  na grande mídia,  exercem ascendência ideológica sobre o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia, os quadros técnicos e administrativos da Fazenda, Banco Central etc.

Além disso, a autonomia dada pela Constituição a esses órgãos e a instituição das agências independentes permitem ações e iniciativas descoordenadas, em que  preferências pessoais  substituem políticas coerentes orientadas pelo interesse público.

Ademais, cargos na Administração, nas agências do Estado e nas grandes empresas e bancos estatais são usados pelos chefes do Executivo, inclusive os do PT -  pois lhes falta maioria no  Congresso, onde prevalece o toma-lá-dá-cá - como moeda de barganha com partidos políticos, em nome da “governabilidade”.

Isso não significa que a corrupção tenha aumentado em relação a Collor e FHC, mais claramente engajados com a oligarquia financeira mundial - e cujas eleições foram por ela patrocinadas.

Os casos de corrupção nos entes públicos e nas estatais servem como  instrumentos de chantagem operados por revistas de opinião - tradicionalmente amparadas por serviços secretos estrangeiros – e como munição para alvejar as estatais e fazer que a União as entregue a troco de nada.

De qualquer forma,  os petistas no Executivo são,  de há muito, acuados para cederem mais espaço aos quadros da confiança da oligarquia, e, quanto mais fazem concessões, mais ficam vulneráveis, e mais são alvo de ataques desestabilizadores.

Desde antes da eleição presidencial, o epicentro da crise tem sido os escândalos nas encomendas da Petrobrás, com ou sem licitações.

A presidente ficou na defensiva, pois a Administração não se antecipou nas investigações  à Polícia Federal e ao Ministério Público.  Enfraqueceu-se,  assim, em face das pressões que têm por  obter mais concessões em favor das grandes transnacionais do petróleo: mais leilões e abertura  ao óleo do pré-sal, mais ampla e favorecida que a que já lhes tem sido proporcionada pela ANP.

No mesmo impulso de tornar a Petrobrás um botim da onda privatizante, as transnacionais aproveitam para colocar em cheque as empreiteiras, conglomerados de capital nacional, atuantes em numerosas indústrias e serviços tecnológicos.

Seja sob o atual governo,  manipulado para ceder mais, seja sob políticos mais intimamente vinculados ao império anglo-americano, como os do PSDB, trama-se a culminação do processo de desnacionalização da economia e de destruição completa da soberania nacional.

Na economia, a desnacionalização e demais defeitos estruturais geraram mais uma crise, tendo  - mesmo com baixo crescimento do PIB - o déficit de transações correntes com o exterior  aumentado em mais de 12% em 2014, após crescer de US$ 28,2 bilhões em 2008 para U$ 81 bilhões em 2013.

Enquanto a sociedade não forma um movimento para construir modelo econômico e social viável, é importante entender que só isso a poderá salvar. Golpe parlamentar, judicial, ou do tipo que for, para trocar de presidente e de partido no governo, apenas agravaria a situação.

O futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy  - não nestes termos -  declarou-se favorável a medidas macroeconômicas ao gosto do “mercado financeiro”, i.e., dos grandes bancos mundiais e locais.  É, pois, desse modo que a presidente espera enfrentar mais uma crise recorrente causada pelas estruturas políticas e econômicas do modelo dependente.

Essas estruturas são: a primarização e perda de qualidade relativa do que sobrou da indústria; a concentração; a desnacionalização da economia.   Elas implicam que o Brasil está mal posicionado diante das dificuldades, sem falar no desastre estrutural derivado, que é a dívida pública.

Essa já cresceu demais, devido aos juros compostos a taxas absurdas, e crescerá mais, mesmo com a volta do superávit primário para pagar juros, uma vez que os feiticeiros incumbidos de sanar a crise não pretendem baixar as taxas. Muito pelo contrário...

Completando o conjunto de fatores -  incuráveis sem mudança de sistema político e econômico - estão aí as infraestruturas deterioradas, desde há decênios, como as da energia e dos transportes.

Vejamos algumas das ideias de Levy externadas em entrevista ao “Valor”, na qual defendeu o consenso dos banqueiros e economistas “liberais”, em versão moderada, i.e., sem o radicalismo das propostas dos candidatos que se opuseram à presidente.

Levy não tem como escapar às contradições e aos impasses a que conduzem seus planos.  Ele pretende, por exemplo, aumentar a abertura no comércio exterior.

No quadro de retração econômica em quase todo o Mundo, não é provável obter concessões significativas em troca de maior abertura do Brasil às importações.  Ademais, o objetivo de conter a inflação dos preços importando mais bens e serviços, sem conseguir exportar mais,  implica fazer crescer o crítico déficit nas transações correntes.

Levy fala também de corrigir preços relativos. Mas o que quer dizer com isso? Se os subsídios que deseja suprimir são os do crédito dos bancos públicos, as empresas mais prejudicadas serão as de capital nacional, já que as transnacionais dispõem de crédito baratíssimo no exterior.

Certamente, Levy não visa cortar os privilégios fiscais do sistema financeiro, nem os dos carteis industriais transnacionais, como as montadoras, nem intervir em seus mercados através do fomento a concorrentes independentes. E, sem isso, os preços relativos que mais se precisa corrigir não serão alterados.

Ou o preço que, na visão dos macroeconomistas oficiais, estaria precisando ser reduzido seriam os salários?

O futuro comandante da economia propugna, em especial, por acabar com a dualidade das taxas de juros, aproximando as taxas dos bancos públicos e as dos bancos privados.

O liberalismo é, sobre tudo, um rótulo, pois os concentradores usam a palavra mágica “mercado” como álibi para ocultar a identidade de quem exatamente manipula o mercado.

Então os que se filiam aos interesses dos carteis, proclamam que não cabe ao governo intervir no mercado, que deve ser competitivo, i.e., governado pela concorrência, embora ele o faça para elevar, por exemplo,  as taxas de juros.

Não se informa que os preços nos mercados cartelizados não são dirigidos pela concorrência, mas, sim, pelo consenso dos concentradores.  Os bancos são favorecidos pela Constituição, cujo artigo 164 veda ao Banco Central financiar o Tesouro,  e este é proibido de emitir moeda.  Além disso, só um número limitado de bancos é autorizado a comprar e vender títulos do Tesouro.

Está claro, portanto, que a equalização das taxas recomendada por Levy só pode ser feita determinando aos bancos públicos elevar suas taxas.

Passando ao contexto mundial, no império anglo-americano, satélites europeus e outros, têm prevalecido a degeneração estrutural: financeirização e retração da economia real.

O centro do poder mundial fez meia pausa na escalada de intervenções armadas, planejadas desde 2001, visando, pelo menos, até ao Irã, depois de ter arrasado, entre outros, Líbia e Iraque, e se ter apossado de suas imensas reservas de petróleo e de seu ouro.

Isso decorreu de ter  sido a ocupação da Síria contida pela Rússia, que se tornou o alvo primordial da agressão econômica e do cerco militar imperiais, intensificado com o golpe de Estado na Ucrânia e a ocupação do governo desta por prepostos dos EUA.

China, principalmente, e Índia são as maiores exceções ao panorama de retração econômica, no momento em que a Rússia busca sobreviver à pressão imperial intensificando suas relações com seus parceiros asiáticos.

Há que seguir de perto a evolução do jogo de poder mundial,  cujo equilíbrio constitui condição fundamental, embora não suficiente, para que o Brasil construa estruturas essenciais a seu progresso.

10 de janeiro de 2015
Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

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