"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

BOLCHEVISMO: DOENÇA SOCIAL DO SÉCULO XX


Mais de 80 anos após 1917, a tentativa de responder às grandes questões suscitadas pelo fenômeno marxista-leninista mal começou".(Martin Malia, autor de A Tragédia Soviética: A História do Socialismo na Rússia, 1917-1991, New York: The Free Press, 1994.)
 
Que ideologia é essa, criada por Wladimir Ulianov Lenin em 1903, o Bolchevismo?
Recordemos que no decorrer do Século XX, a Rússia mudou cinco vezes de denominação no mapa-mundi: Império Russo (antes de 1917), República Russa (1917), República Soviética Federativa Socialista da Rússia (1918-1922), União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1922-1991), Federação da Rússia (1993 em diante). O Hino Nacional mudou quatro vezes: Deus salve o Czar (antes de 1917), A Marselhesa (1917), A Internacional (1918-1944), União Indestrutível (1944-1991) e, por fim, o hino atual, a Canção sem Palavras (1993 em diante).
As divisões administrativas e territoriais da Rússia foram cortadas, recortadas e retalhadas. Cidades foram desbatizadas e, em seguida, rebatizadas, algumas várias vezes para chegar hoje a resultados absurdos: a região de Leningrado tem São Petersburgo como capital regional, a de Sverdlovsk tem Iekaterimburgo como capital, e assim por diante.
No início do século, Lenin exclamava com voz patética: `Dê um partido aos revolucionários e nós devolveremos a Rússia´. E eles a devolveram, de fato, com a cabeça baixa, na maior desordem. Nada, a não ser a perda de um século inteiro, um século de atraso que separa a Rússia dos países civilizados. Dezenas de milhares de pessoas foram mortas. O país ficou na miséria, atrasado, e a Nação viu seu capital biológico empobrecido. Nenhuma perspectiva radiosa se esboça para a Nação. Por que? Simplesmente porque a sociedade foi parcialmente atingida, contaminada pela mentira.
O Bolchevismo e o fascismo são duas faces de uma mesma medalha: a medalha do mal universal. O terror bolchevique tinha por objetivo fazer nascer a sociedade sem classes, sem impurezas, como água destilada; o terror hitlerista tinha objetivos mais previsíveis, limpar a Europa, depois o mundo, dos povos inferiores. Em primeiro lugar os eslavos e os judeus, depois os amarelos e os negros. Apenas os loiros de olhos azuis teriam direito de viver sobre a Terra.
Desde os primeiros dias da guerra civil a população passou a viver sob uma anarquia tirânica e criminosa. Qualquer um dos patifes chekistas podia, deliberadamente, condenar à morte uma pessoa como pertencente a uma classe inferior. Stalin mais tarde democratizou esse processo, colocando ordem nessa anarquia criminosa: triplicou o número de patifes e os incluiu numa troika. Graças à anarquia, esse regime criminoso aparecia como inocente: “o poder é bom, os homens é que são ruins”
Todos os regimes - mesmo os democráticos - recorrem, em caso de guerra, à autarquia no domínio da informação, limitam sua difusão, o direito de circulação das pessoas e das idéias. O bolchevismo, porém, tornou tudo isso uma constante em sua política em tempos de paz. Lênin proibiu todos os jornais `burgueses´ e apenas os jornais comunistas continuaram a ser publicados. O partido passou a decidir que livros seriam lidos, quais as canções a serem cantadas e os temas a serem discutidos.
O controle da informação e o fechamento das fronteiras, o Gulag e a ausência de leis, todas essas humilhações encorajaram a população soviética a tomar como se fosse vida verdadeira a pseudo-realidade na qual se era obrigado a viver. A reeducação das massas chegara a tal ponto que as pessoas substituíam o ser pelo parecer.
Após sete anos de ditadura leninista, tudo tinha sido roubado da Rússia e de seu povo. O ouro, os diamantes, as divisas, tudo que fora confiscado para as ditas necessidades da`Revolução Mundial´ passara, de fato, para os bolsos dos dignitários do partido. A nobreza foi exterminada. Os comerciantes, os empresários, a intelligentsia e os oficiais, a fina flor do Exército, foram liquidados. Milhões de camponeses pereceram; a classe operária tornou-se poeira, embora o bando de Lênin tenha prosseguido seus crimes em seu nome.
A economia se desintegrou. A maior frota fluvial do mundo, orgulho dos comerciantes, naufragou. O mato cresceu nas vias das melhores estradas de ferro do mundo. O melhor sistema bancário do mundo estava falido. Milhares de culturas agrícolas - cujas colheitas eram outrora superiores às da Europa Ocidental e da América - foram saqueadas e arruinadas. Destruído também o melhor sistema de educação do mundo, implementado por Alexandre II e aperfeiçoado por Stolypin.
Stalin foi o mais engenhoso, o mais esperto de todos os bolcheviques. Ele previa seus golpes com anos de antecedência, conhecia a vida das prisões, beneficiava-se de uma memória fantástica e assimilava os textos de maneira quase fotográfica. Levava uma vida simples e detestava todos os revolucionários, inclusive seu mestre, Lenin, e mais ainda a mulher dele, Krupskaia. Como cínico e pragmático inveterado, Stalin sabia como ninguém que para se tornar um Guia inconteste era preciso permanecer na sombra de Lênin.
Como pode ter acontecido que milhões de pessoas inocentes, tenham sido exterminadas pela simples vontade de um grupo de criminosos, enquanto milhões de outras foram condenados a sofrimentos intermináveis, excluídas da sociedade, vítimas da crueldade da máquina do Estado? No entanto, a tragédia não foi apenas o número de mortos, mas também o comportamento dos sobreviventes.
De acordo com os dogmas oficiais do bolchevismo, duros e inflexíveis, a política da violência é a parteira da História, a revolução forçada é a locomotiva da História, e a luta de classes até a destruição completa de uma classe é o pilar do pensamento. Os bolcheviques pregam a ditadura do proletariado, a destruição da propriedade privada, a negação do Estado de Direito e da sociedade civil, a limitação do direito das nações e dos direitos humanos, a recusa da educação familiar e, por fim, a instauração do império mundial do comunismo.
Os bolcheviques fizeram da intolerância uma ideologia de Estado, como se vê agora na Criméia e na Ucrânia. Eis por que há décadas eles se massacram implacavelmente, sem generosidade, nem compaixão. O objetivo único é o de pisotear tudo o que está ao seu alcance. A Rússia só conhecerá a saúde e a prosperidade curando-se do bolchevismo. O bolchevismo não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pelo golpe de Estado de outubro de 1917 e pela política de terror vermelho que se seguiu.
Não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pela destruição do campesinato russo, suas tradições e seus princípios e pela destruição de igrejas cristãs, de monastérios budistas, de mesquitas e de sinagogas, pela execução de religiosos, pela caça aos fiéis.
Não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pela destruição das camadas tradicionais da sociedade russa: os oficiais, a nobreza, os comerciantes, a intelligentsia, os cossacos, os banqueiros e os industriais.
Não tem o direito de escapar de suas responsabilidades por suas práticas de falsificação, por acusações mentirosas, por condenações extrajudiciais, por execuções sem julgamento, pela utilização da tortura, pela organização dos Gulags e pela utilização de gás de combate contra populações civis. O moedor de carne da repressão leninista-stalinista custou a vida de 20 milhões de pessoas.
Não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pela incapacidade com que as operações contra as tropas de Hitler foram conduzidas, em particular nos primeiros meses do conflito, quando todas as tropas regulares estacionadas na zona oeste do país foram exterminadas ou aprisionadas. Apenas um muro de 30 milhões de mortos pôde proteger o país da escravização do seu povo por uma potência estrangeira.
Não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pelos crimes contra os antigos prisioneiros de guerra soviéticos, que foram conduzidos diretamente, assim como se faz com o gado, dos campos de concentração alemães para as prisões e campos soviéticos. Praticamente todos os grandes canteiros de obras soviéticos foram compostos pelos prisioneiros políticos. Foram eles os responsáveis pela construção de usinas químicas, das minas de urânio, das instalações ao norte do círculo polar e por tantas outras obras.
Não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pelas perseguições organizadas contra cientistas, contra escritores e contra artistas, contra engenheiros e contra médicos, pelas perdas colossais infligidas à ciência e à cultura nacionais, à genética, à cibernética, à economia, à lingüística, à literatura e à arte.
Não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pela organização de processos racistas - contra o Comitê de Judeus Antifascistas -, pelas campanhas criminosas contra os dissidentes e contra todas as pessoas que pensavam ou escreviam fora das diretrizes do partido.
Não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pela militarização total do país, cujo resultado foi a ruína da população e o retardo catastrófico do desenvolvimento da sociedade.
Enfim, o bolchevismo não tem o direito de escapar de suas responsabilidades pela instauração de uma ditadura contra o ser humano, contra sua honra, contra sua dignidade e contra a sua liberdade. O resultado das ações criminosas do poder bolchevique foi o desaparecimento de 60 milhões de pessoas e a destruição da Rússia.
Do ponto de vista histórico, o bolchevismo é um sistema baseado na loucura social.
Do ponto de vista filosófico, o bolchevismo é o retardamento subjetivo dos processos objetivos, a incompreensão completa da realidade das construções sociais.
Do ponto de vista econômico, o bolchevismo conduziu a resultados mínimos a um custo máximo, graças à rejeição voluntarista das leis de mercado. Conduziu a uma anarquia as forças produtivas e a uma burocratização absoluta as relações de produção.
Hoje, a fim de chegar às mudanças cardeais no domínio social, é indispensável concentrar toda atividade do governo nos eixos de ação que proporcionem a queda definitiva do comunismo e uma transformação qualitativa completa da sociedade, mediante uma política dos `Sete D´: Desparasitagem, Desestatização, Desmonopolização, Desindustrialização ecológica, Desmilitarização, Desanarquização e, por fim, a Desbolchevização. Só assim, a Rússia poderá ir adiante, na direção de um estilo de vida mais normal.
A seguir, algumas observações de Alexander Iakovlev - ex-membro do Politburo do Partido Comunista da União Soviética, líder do clã dos reformadores e inventor da famosa Perestroika, que provocou, em 7 anos, a implosão do sistema soviético:
“Gostaria de fazer algumas observações sobre o Livro Negro do Comunismo. A força dessa obra reside na amplitude de sua documentação. Ela descreve o comunismo e sua influência catastrófica no desenvolvimento da humanidade como um fenômeno mundial. Mas parece que uma confusão de definições ocorre nas Ciências Políticas atuais. O comunismo real nunca pôde e nunca poderá existir. A teoria do comunismo é uma utopia, uma brincadeira do espírito, uma trapaça cruel, uma aposta nos instintos, uma especulação sobre as monstruosidades e sobre as contradições sociais. Marx e Engels souberam adaptar, com grande habilidade, um comunismo secular às condições particulares da época do acúmulo primitivo de capital, ao mesmo tempo em que declaravam que o comunismo era a conseqüência natural da sociedade, designando a classe operária como a que iria sepultar o capitalismo (...) Esse belo sonho transformou-se em uma prática monstruosa que chamo de bolchevismo. É possível encontrá-lo em todos os países, mas sempre revestido com suas tradições particulares: o nazismo na Alemanha, o fascismo na Itália, o franquismo na Espanha, o maoísmo na China, etc.
Uma outra de minhas observações concerne à inexatidão da data apresentada como aquela da derrubada do bolchevismo na Rússia. Os cientistas políticos soviéticos e russos compreenderam como data o fracasso do levante militar e fascista da direção bolchevique em agosto de 1991. Essa data, de fato, foi retomada pelos cientistas políticos ocidentais, mas eu a refuto. Primeiro, a derrubada do regime não ocorre de uma hora para outra, constituindo-se, ao contrário, de uma lenta eclosão da novidade em todos os domínios da vida, em particular nas consciências.
A agonia do comunismo-bolchevismo começou no dia seguinte à morte de Stalin.
Uma das fases mais críticas dessa agonia começou em 1985, durante o lançamento da Perestroika. Muito antes de 1991 (quando Boris Yeltsin decretou o fim da União Soviética) o artigo 6º da Constituição - concernente ao `papel dirigente do PCUS´ na sociedade soviética - tinha sido abolido, a época da glasnost e do parlamentarismo já havia começado, não ocorriam mais ataques contra a Igreja e contra os dissidentes, o processo de reabilitação das vítimas da repressão política recomeçara e um ponto final fora colocado na Guerra Fria (...). O partido comunista ainda detém a maioria no Parlamento e o mesmo ocorre em várias regiões. Ademais, ele ainda deseja tomar o poder. Portanto, é impossível falar de morte do comunismo. As reformas continuam lentas e os estudantes ainda estão aprendendo suas lições em seus antigos manuais".
O texto acima foi transcrito do livro Cortar o Mal pela Raiz! História e Memória do Comunismo na Europa, diversos autores sob a direção de Stéphane Courtois, editora Bertrand do Brasil, 2006.
24 de setembro de 2014
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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