"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 1 de abril de 2014

SERVIÇO PÚBLICO PROFISSIONAL: UMA REFORMA POLÍTICA

A recente crise entre o governo e o PMDB tem a ver, era última análise, com espaço de poder e cobiça por empregos públicos.

Não desvalorizo a política partidária, mas creio que a demanda por melhor tratamento na indicação de ministros reflete o interesse do PMDB por nomeações para cargos que carreiam votos e financiamento de campanhas. Na área federal, mais de 20 000 deles são preenchidos por indicação política.

O primeiro serviço público profissional surgiu na China. A dinastia Qin (221-207 a.C.) selecionava funcionários à base de rigorosos concursos públicos, que depois serviam também para promoções.

A dinastia Song (960-1279) proibiu altos funcionários de se relacionarem com parentes; membros da família real não podiam assumir cargos públicos. A dinastia Ming (1368-1644) estabeleceu a rotatividade de cargos a cada três anos. A ascensão da China muito deveu a esse profissionalismo, que viria a ser abolido em 1905, na dinastia Qing, em um dos momentos finais do longo declínio do país.

No Ocidente, as ideias de profissionalização apareceram na Revolução Francesa (1789), mas o paradigma do serviço público moderno nasceu na Inglaterra vitoriana. Escândalos de incompetência, fisiologismo e corrupção deram origem à comissão Northcote-Trevelyan (1853), cujo relatório foi a base das mudanças. Entre as distorções identificadas estava a presença de analfabetos em empregos públicos. A comissão recomendou a criação do serviço público profissional, politicamente neutro e escolhido por mérito.
Outras propostas foram adotadas ao longo do tempo, incluindo o estabelecimento, em 1855, de um órgão independente, ainda existente, para supervisionar a seleção de funcionários. Os servidores ficaram impedidos de concorrer a cargos eletivos.
Dirigentes passaram a ser nomeados com o auxílio de consultorias independentes (headhunters). Hoje, pouco mais de 100 cargos dependem de indicação política, incluídos os ministros. A recente designação do novo presidente do Banco da Inglaterra (o banco central) foi precedida da publicação de edital para atrair candidatos. O escolhido foi um canadense.

Nossas origens são outras. Herdamos tradições de Portugal patrimonialista, cujo serviço público era composto de fidalgos. Como disse Raymundo Faoro (1925-2003), comerciantes buscavam ser funcionários para se tornar nobres e obter benefícios pessoais.
Aqui não foi diferente, segundo João Francisco Lisboa (1812-1863), para quem "indivíduos há que abrem mão de suas profissões, deixam ao amparo suas fazendas, desleixam o seu comércio, e se plantam na capital anos inteiros à espera de um emprego público".
Para Joaquim Nabuco (1849-1910), "o funcionalismo será a profissão nobre e a vocação de todos. Tomem-se, ao acaso, vinte ou trinta brasileiros em qualquer lugar onde se reúna a nossa sociedade mais culta: todos eles ou foram ou são. ou hão de ser, empregados públicos; se não eles, seus filhos".

No livro Caráter e Liderança (Editora Mameluco, 2013), Luiz Felipe DÂvila informa que dom Pedro II (1825-1891) defendia "a institucionalização da meritocracia no serviço público", mas o primeiro esforço de modernização esperou até 1938, quando se criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) com a função de melhorar a máquina pública, assessorar o presidente da República e elaborar a proposta orçamentária. Muito se evoluiu desde então, mas o vasto número de cargos preenchidos por indicação política só aumentou.

Já é hora de profissionalizar o serviço público, elegendo o mérito como critério único da escolha dos funcionários. Dirigentes de órgãos e entidades públicos, inclusive empresas estatais, deveriam ser nomeados com base em métodos competitivos. A melhoria da eficiência dos serviços públicos, a redução do potencial de corrupção e a moralização dos costumes seriam as conseqüências mais relevantes dessa verdadeira revolução, que eqüivaleria a uma ampla reforma política.

Tudo isso contribuiria para a eficácia das políticas de governo, e estas reforçariam a estabilidade e a legitimidade da democracia brasileira. Espera-se surgir um candidato presidencial que empunhe essa bandeira.
 
01 de abril de 2014
Maílson da Nóbrega, Revista Veja

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