"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O GOLPE DE 64 NO NATAL DE 63


Perus, gatos, golpes e o que diziam os jornais no último Natal antes de o país cair sob a ditadura

"GALINHA VAI à mesa e peru perde reinado", dizia um título desta Folha da véspera do Natal de 1963. O Mercado Municipal vendera 4 perus e 3.500 galinhas. Patos vinham em terceiro lugar. Em segundo, "franguinhos de leite, que os restaurantes chamam de galeto ao primo canto'".

No dia de Natal, a primeira página contava a história de um trio de mecânicos da Baixada Santista, acusados por um vizinho de aliciar, capturar e comer seu "belo gato preto", que fora assado "numa cantina local". Os acusados admitiam comer gato com frequência, embora negassem o furto.

No ano que vem, o Golpe de 64 faz, óbvio, 50 anos. Nas "festas" de 63, do que se falava nos jornais do país que em três meses assistiria a um golpe de Estado?

Falava-se de golpe e de naufrágios mortíferos; patos e gatos à margem.

Falava-se de golpe com uma sem-cerimônia que hoje soa muito sinistra. A leitura parece agourenta mesmo levando em conta que golpes etc. eram então "coisas da vida". Getúlio, deposto, dera um tiro no peito apenas nove anos antes. JK quase não assumiu e governou sob "intentonas". João Goulart foi "semideposto" antes de conseguir assumir o governo.

Nos textos, discutia-se abertamente se esquerda ou direita dariam o golpe; quem agradava a tal ou qual general. A conversa comum era sobre a ambivalência, a indecisão e a tibieza de Goulart.

Goulart estava para nomear um "ministério das reformas" ("esquerdistas") em janeiro. Anunciara a nacionalização de empresas estrangeiras de serviços públicos e desapropriações de terras.

Numa coluna com uma seleta de opiniões de outros jornais, lia-se: "O desafio totalitário feito pelo presidente, que declarou guerra ao Brasil..."; "o governo se encontra definitivamente nas mãos das esquerdas. Um passo apenas nos separa da ditadura, e Goulart está impaciente para dá-lo"; "governo caminha para a aventura extralegal, modelo 1937".

Numa longa mensagem de Natal, kitsch e carola até para a época, Adhemar de Barros, governador paulista, orava: "Preservai, Senhor, nosso país da sanha dos Sem-Deus, da loucura dos materialistas que nos querem impor seu jugo impiedoso".

A mensagem natalina de Goulart dizia: "É preciso que o pobre coma sem amargura para que o rico viva sem sobressalto. A distância entre um e outro deve ser encurtada...".

Adhemar articulava com Magalhães Pinto, governador de Minas, uma "união em prol da democracia" (conspiravam ainda com Carlos Lacerda, governador da Guanabara); discutia uma dobradinha com Magalhães Pinto na eleição presidencial de 1965, que não haveria.

A inflação era assunto geral, até de sarcasmos do colunista social. O novo e DÉCIMO ministro da Fazenda de Goulart dava entrevista confusa sobre seu "decálogo" econômico.

Noticiava-se um editorial do "Times", de Londres, sobre a estagnação e a inflação do Brasil, um país que dera saltos por 25 anos e chegara ao posto de 11ª economia do mundo, agora em crise por má gestão e pela "divisão na sociedade".

Seguindo o conselho de um doutor americano, um texto recomendava-se a donas de casa que não ligassem eletrodomésticos barulhentos quando os maridos estivessem em casa, pois o ruído causaria úlceras em homens cansados.

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