"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

FARC VERSUS COLÔMBIA: A IMPUNIDADE CONTINUA NA AGENDA DO GOVERNO?

      
          Internacional - América Latina 
As FARC rechaçam o “marco jurídico para a paz” desde o começo, não por seu conteúdo (que lhes oferece impunidade), senão porque é um texto elaborado, votado e examinado pelos órgãos da democracia.

A mais justa aspiração das vítimas é que seus algozes sejam julgados e efetivamente castigados. Na Colômbia, onde a violência subversiva pretende desde há mais de 50 anos derrubar as instituições democráticas e distribuiu o terror e a miséria em todas as suas formas e por todos os lugares, esse clamor é permanente, vasto e enérgico. Entretanto, a Corte Constitucional (CC), para assombro de todos, acaba de dizer não a essas legítimas aspirações.
 
O presidente Juan Manuel Santos, os senadores e os magistrados poderão proclamar o contrário em todos os tons: que a sentença de ante-ontem da Corte Constitucional é magnífica, pois garante o direito das vítimas. Mentira. As vítimas e seus direitos foram, mais uma vez, deixados de lado para que os violentos possam sair com as suas e se apoderar da vida política do país sem pagar um só dia de cárcere.


A mensagem que os magistrados da Corte Constitucional enviaram é, por isso, terrível: a paz (fictícia) que as FARC oferecem ao Governo de JM Santos submete todos os princípios de direito e de humanidade na Colômbia.


A decisão de 28 de agosto consagra esse lamentável ponto de vista ao deixar intacto o artigo que permite que haja uma suspensão da execução da pena. Esse artigo será invocado pelos piores inimigos do país para não pagar à sociedade suas contas pendentes, embora tenham sido condenados por seus inúmeros crimes, incluídos os de guerra e de lesa-humanidade.


Ante as advertências formuladas, direta ou indiretamente, por Fatou Bensouda, a Promotora da Corte Penal Internacional, e por Alejandro Ordóñez, o Procurador Geral da Colômbia, e apesar das chamadas de atenção do ex-presidente Álvaro Uribe e da oposição contra a tentação de fomentar a impunidade, os magistrados acomodaram, de última hora, uma série de considerações que podem parecer como “salomônicas” e muito garantidoras, para tratar de tornar incompatível o chamado “marco jurídico para a paz” com o direito internacional e, em particular, com as exigências da Corte Penal Internacional.


É verdade que a sentença exige o fim definitivo das ações armadas, a reparação das vítimas, a libertação dos seqüestrados, a desvinculação dos menores das filas guerrilheiras e a entrega das armas, e não se contenta, em princípio, apenas com a “deixação” dos fuzis que às vezes as FARC evocam.
Todavia, e por causa da forte pressão do governo de JM Santos, a Corte Constitucional optou por deixar intacta a parte mais errônea, negativa e inconstitucional do Ato Legislativo 01 de 2012.


Se se lê com atenção as declarações dadas à imprensa e o boletim entregue ontem aos meios de comunicação (a sentença em si e os salvamentos de voto não foram publicados no momento de redigir esse artigo), vê-se que nenhuma dessas observações ou “exigências” particulares parecem ser decisivas e determinantes. O decisivo é a cláusula que permitirá a suspensão da execução da sanção ou da pena.


Ao acordar com os membros das FARC (pois o “marco jurídico para a paz” foi desenhado para elas) a possibilidade de que a justiça lhes suspenda a execução da pena, a CC assume a grave posição de desconhecer os padrões contra a impunidade da legislação penal internacional e da própria CPI. Esta conceituou que decretar condenações demasiado baixas ou o perdão para certos crimes, em virtude dos acordos que se negociam em Havana, obrigará a que essa Corte intervenha sobre este assunto.

A Corte Constitucional, com essa sentença, contribui para a deterioração do Estado de Direito na Colômbia e aniquila a boa imagem que podia ter no país e na comunidade internacional.

Toda a argúcia da Corte Constitucional repousa sobre a palavra “sancionar”. Com efeito, embora seja certo que o ponto 5 do boletim dos magistrados fale da “obrigação de sancionar as graves violações dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário”, não é menos certo que essa “sanção” poderia ser unicamente teórica e no papel.


Em Direito, sancionar e executar a pena são dois momentos judiciais diferentes. Em quase todos os países democráticos há exceções ao princípio de que todo delito deve ser reprimido. A condenação decidida por um tribunal ou por um jurado de consciência, pode ser deixada em suspenso. Todo processo penal termina, em geral, em uma sentença de absolvição ou de condenação. Porém, uma condenação privativa da liberdade, pelas particularidades do caso (insignificância do delito, culpabilidade mínima do julgado ou padecimento deste de uma enfermidade ou de uma lesão), pode ser deixada em suspenso.


Nos países democráticos, a suspensão da execução da pena tem alguns limites: não é outorgada senão a penas de curta ou média duração (não mais de quatro anos) e a liberdade do condenado é restringida e condicionada a respeitar certas ordens.


Entretanto, na sentença de ante-ontem começa a aparecer um desvio dessa doutrina aceita até agora pelas nações civilizadas. Como é possível que um chefe terrorista que cometeu as piores atrocidades - o que em um país normal geraria uma pena de prisão perpétua ou de 30 anos de cárcere -, possa ser beneficiado não só com uma medida de renúncia condicionada à persecução penal, ou com uma suspensão da execução da pena, senão que além disso com a possibilidade de se postular como líder político?
Esse desvio lamentável é o que constitui o epicentro da decisão da Corte Constitucional.
Esse aspecto não aparece à primeira vista. Olhemos com quê cautela os magistrados formulam isso em seu boletim de imprensa:
“A Corte determinou que os mecanismos de suspensão condicional de execução da pena, sanções extra-judiciais, penas alternativas e as modalidades especiais de cumprimento, não implicam por si sós em uma substituição dos pilares essenciais da Carta, sempre que se encontrem orientados a satisfazer os direitos das vítimas à verdade, à justiça, à reparação e à não-repetição”.



As FARC devem estar satisfeitas com essa decisão, embora digam o contrário. As FARC rechaçam o “marco jurídico para a paz” desde o começo, não por seu conteúdo (que lhes oferece impunidade), senão porque é um texto elaborado, votado e examinado pelos órgãos da democracia. Elas querem, pelo contrário, que esse texto seja um produto do co-governo que querem impor ao poder executivo e que, portanto, seja re-examinado e modificado na mesa de negociação de Havana.


É necessário ver com muito cuidado o que fará o Congresso ao decretar (exercício nada fácil) as leis destinadas a tornar aplicável o ato legislativo 01 de 2012.

05 de setembro de 2013

Eduardo Mackenzie
Tradução: 
Graça Salgueiro



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