"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 8 de setembro de 2013

DIRCEU AGIU EM FAVOR DE EMPRESAS NA CASA CIVIL

Quando ministro, ele encaminhou à Fazenda pleitos de empresas privadas
 


José Dirceu enviou a Antônio Palocci, então ministro da Fazenda, durante intervalo da reunião ministerial na granja do torto.
Foto: Gustavo Miranda / O Globo
José Dirceu enviou a Antônio Palocci, então ministro da Fazenda,
durante intervalo da reunião ministerial na granja do torto.
Gustavo Miranda / O Globo

A Casa Civil da Presidência da República foi usada pelo então ministro José Dirceu para agir a favor de interesses de empresas, segundo documentos inéditos obtidos pelo GLOBO. Em 2004, quando a compra das mineradoras Socoimex, Samitri, Ferteco e Caemi pela Vale era objeto de pauta na Secretaria de Acompanhamento Econômico e no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Dirceu encaminhou ao então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ofício com considerações do consultor-geral da Vale, que expressava a expectativa da empresa de que a “operação fosse aprovada sem restrições”.
 
A compra das empresas pela mineradora foi um negócio de R$ 2,2 bilhões, consumado em 2000 e 2001. As aquisições tornaram a Vale controladora de todo o mercado doméstico de pelotas no Sudeste. A empresa aumentou de 49% para 94% o controle da venda de minério de ferro granulado no país, e de 75% para 92% a venda do minério sinter feed (partículas finas), de acordo com relatório do órgão de defesa da livre concorrência.
 
Em abril de 2005, a Procuradoria do Cade emitiu parecer contrário à concentração no setor, recomendando a venda de seis unidades de mineração das empresas compradas, além da dispensa, por parte da Vale, da preferência para compra do excesso de minério de ferro da mina Casa de Pedra, da CSN. Quatro meses depois, as operações de compra foram aprovadas pelo plenário do Cade, e a única restrição mantida foi a dispensa da preferência na Casa de Pedra. Ainda assim, a Vale brigou na Justiça contra a restrição, e só a cumpriu em 2009.
 
O GLOBO perguntou à Vale por que ela levou seu posicionamento a José Dirceu, e não apenas ao órgão responsável pela análise do caso. Perguntou também se a empresa acionou o ministro em outras ocasiões durante sua passagem pela Casa Civil.
 
A mineradora disse considerar que “o pleito apresentado na carta foi recusado pelo governo”, em função da restrição mantida pelos conselheiros em decisão de plenária. E informou que não comentaria as demais questões, “uma vez que os gestores que tomaram as decisões não trabalham mais na empresa”.
 
Críticas ao aumento do preço do aço
 
As relações mais próximas entre a Vale e Dirceu ocorreram no período em que Roger Agnelli estava na presidência da mineradora. Ele deixou a empresa em 2011, em meio a forte pressão do governo federal, que desejava que a Vale investisse mais em siderúrgicas em vez de apenas extrair e exportar minério de ferro.
 
Depois deste período, Agnelli manteve boa relação com Dirceu, inclusive visitando-o algumas vezes em sua casa em Vinhedo, no interior de São Paulo, em meio ao julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
 
Em outro ofício encaminhado à Fazenda obtido pelo GLOBO, o ex-ministro intercedeu em nome da subsidiária brasileira da alemã Prensas Schuler, instalada em Diadema (SP), que tentava obter na Receita Federal liquidação de ressarcimento de IPI-exportação. No pedido, Dirceu citou os números de três processos administrativos que tramitavam no âmbito do Ministério da Fazenda, pedindo a Palocci que estudasse a “possibilidade de atender o pedido de liquidação” e nos “termos da legislação em vigor”. A empresa é líder do mercado nacional de prensas de grande porte.
 
Atual diretor-presidente da Prensas Schuler no Brasil e diretor na época do pedido, Paulo Tonicelli disse não conhecer Dirceu pessoalmente nem saber dizer como o pedido foi parar na mesa do ministro.
 
— Não tenho como dizer que não o conheço porque ele está nas páginas dos jornais todos os dias. Mas não temos qualquer contato com ele. Não tenho ideia de quem teve essa iniciativa de pedir uma intervenção — disse Tonicelli, segundo o qual o sistema de compliance (controle ético ou conformidade com as leis) da empresa não permite doações eleitorais para qualquer partido político.
 
Parcela significativa do faturamento da Prensas Schuler no Brasil é destinado à exportação, que se acumula em crédito tributário, o que obriga a empresa a lidar com problemas de liquidez. Tonicelli disse que o ressarcimento pelos valores devidos à empresa em função da isenção de IPI não foi creditado, como esperado, e teria sido pago, nos anos seguintes, como compensações para impostos equivalentes. Os processos não estão disponíveis para consulta na Receita Federal, em função do sigilo fiscal.
 
Os documentos de Dirceu na Casa Civil foram obtidos pelo GLOBO junto à Casa Civil, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). No entanto, apesar de a solicitação incluir ofícios do ex-ministro assinados entre 2003 e 2005, a Casa Civil disponibilizou apenas parte dos “avisos” — documento com tramitação interna dentro do governo — assinados por Dirceu em 2004.
 
Ainda assim, dos 1.586 avisos numerados em 2004, 22 não foram apresentados. Perguntada sobre o motivo da omissão de documentos e se recebeu alguma classificação restritiva, a Casa Civil não respondeu. A ouvidoria-geral da Controladoria-Geral da União (CGU) informou que apura responsabilidades pela omissão dos documentos solicitados.
 
Os documentos disponibilizados pela Casa Civil mostram os bastidores da atuação do ministro e de um dos primeiros anos do governo Lula. Registram o atendimento a pleitos de governadores, o encaminhamento de projetos de lei e medidas provisórias do então presidente.
 
Se por um lado Dirceu encaminhou expectativa da Vale de conseguir aprovar a compra de quatro concorrentes, aumentando o poder de fogo da empresa, por outro reclamou de um possível aumento do preço do aço em ofício ao então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan.
 
“Esta pasta não acredita que seria bom para a saúde da economia nacional novos aumentos do preço do aço, bem como o de veículos, nos próximos meses”, escreveu Dirceu ao colega, ao ser provocado em carta da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
 
Dirceu nega interferência
 
Em nota enviada ao GLOBO, José Dirceu negou ter atuado na defesa de interesses privados, dizendo ter agido “dentro das atribuições legais que tinha quando chefiava a Casa Civil, sem interferir no andamento das demandas apresentadas ao governo”.
 
“A única atitude que tomou foi a de encaminhar os pedidos para as áreas mais competentes para avaliá-los, sem recomendar sua aprovação ou desaprovação”, escreveu a assessoria do ex-ministro, afirmando que durante o período em que esteve no órgão ele teria recebido outros pedidos semelhantes e considerava que repassá-los era uma “obrigação funcional”.

08 de setembro de 2013
Thiago Herdy - O Globo

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