"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 1 de setembro de 2019

ALMA DE JACU



Preparada pra viajar: muito brilho e muito salto!

Toda vez que eu viajo de avião, a maneira como as pessoas se comportam me leva a crer, com uma certeza crescente, que compartilhamos todos da alma de jacu.

Lá, na minha terra natal, Ponta Grossa, jacu é como a gente chama o sujeito sem noção: veste-se de modo inapropriado, diz o que não deveria dizer no momento inadequado ou para a pessoa indevida, não sabe se portar em determinados ambientes e tem vergonha de tudo. 
Uma só pessoa pode ter um ou todos esses atributos, e a frase que mais ouve de seus companheiros é “deixa de ser jacu”.

A criança cresce escutando “deixa de ser jacu e para de chorar” ou “idem e tira essa mão da boca”. Vai para a escola e aprende que o “piá jacu ainda usa chupeta” e, na adolescência, pode ouvir de colegas um “ai, que jacu”, se veste uma roupa fora de moda ou ouve algum tipo de música fora dos padrões de seu grupo.

Pois bem, o que eu acho que ninguém sabe é que os aeroportos devem ser uma espécie de portal para o estado de “jacuzisse” plena. Algo com poder transformador, como o automóvel para o Pateta, naquele desenho da Disney – se você não lembra ou nunca viu, nesse desenho, o Senhor Pateta, sujeito pacífico e amigável, se transforma em um ser abominável e agressivo assim que se coloca diante do volante de um carro.

Tem quem acredite que que esse é um efeito das companhias low cost, que podem estar democratizando o céu ao incluir os jacus, ainda despreparados para os ritos das viagens aéreas – mesmo que essa seja uma imagem estranha porque, na realidade, o jacu existe e é uma ave. Bobagem (ou preconceito). O fato é que a alma de jacu é mesmo um patrimônio amplo, do qual desfrutam seres humanos de todas as classes socioeconômicas e níveis de educação e cultura. Vejamos um par de exemplos.

A fila para embarque. Nas low cost, a evidência é gritante. Os famigerados jacus esquecem toda e qualquer regra de ordem, convívio com o próximo e gentileza. Para começar mesmo, esquecem o que é fila e se aglomeram em uma bola de gente, empurrando-se e passando com suas rodinhas sobre os pés dos outros. Se a companhia aérea exige e o espaço no aeroporto permite, forma-se uma fila: de malas, que são deixadas alinhadas enquanto seus donos estão sentados ao redor ou saem para tomar um café. As paranoias de segurança do “não deixe sua bagagem desacompanhada” que se explodam (essa alegoria é legal!).

Em outros casos, se o povo não quer ficar longe de seus pertences, todos sentam-se no chão, em fila, fazendo do salão de embarque o equivalente a uma área de camping, com sanduíches sendo repartidos e crianças correndo ao redor das malas. Tudo isso pra garantir um bom lugar na corrida pelos bons assentos dentro do avião (veja detalhes sobre esse drama logo a seguir).

Para confirmar a minha hipótese de que quem paga mais caro pelo bilhete também tem alma de jacu, em voos de companhias aéreas regulares, os passageiros não estão tão ansiosos, porque têm seus lugares marcados na aeronave. Mesmo assim, as tentativas de organizar o embarque por filas (primeiro os do fundo, por exemplo) regularmente falham, porque as pessoas simplesmente ignoram essas recomendações e, quando você, que tem lugar ao fundo, entra no avião, não consegue passar, porque o corredor está obstruído pelos jacus das filas anteriores ajeitando seus pertences vagarosamente.

O sistema de embarque das low cost revela o extremo da alma de jacu. Como essas companhias deixam que os passageiros se organizem por si próprios, a gentileza vai para o espaço (quer dizer, não vai, fica do lado de fora do portal da “jacuzisse”). Idosos, pessoas com dificuldade de locomoção, pais com bebês que se danem. Se não chegarem antes, vão ficar no final da fila – ou se embolar na pelota humana – e, fatalmente, não ficar com os piores lugares dentro do avião, provavelmente sem ter onde guardar suas malas.

Na verdade, preciso confessar que as low cost contribuíram para que eu perdesse a fé na dita civilidade europeia. Você lembra de um texto que circulou na internet, tempos atrás, que contava que os empregados de uma determinada empresa, na Europa, estacionavam seus carros de acordo com a hora em que chegavam para o trabalho? Quem chegava antes parava mais longe da porta porque sabia que quem chegasse depois teria menos tempo para atravessar o estacionamento. Balela! Nos aeroportos, eles têm todos alma de jacu, vão empurrar a fila para entrar logo no avião e, uma vez ali dentro, vão ocupar o assento mais perto possível da porta, produzindo outra pelota humana na porta da aeronave, com todos os que não conseguem passar porque os jacus estão no corredor arrumando seus pertences. Tudo para quê? Para também sair antes do avião, na chegada. E eles também vão parar na frente da escada para esticar a alça para empurrar a mala, impedindo a passagem dos outros – e este atributo não é exclusivo dos europeus.

Os banheiros empesteados. E, neste caso, quanto mais longo o voo – e, portanto, mais cara a passagem –, pior. Os jacus desaprendem a dar descarga – devem achar que suas “contribuições” se desintegram automaticamente por causa da diferença de pressão atmosférica! Depois de um par de horas de viagem, o piso do banheiro costuma estar todo molhado – prefiro não pensar com quê –, a pia vai estar cheia de cabelos, pedaços de papel toalha e espirrada com líquidos, creme dental e sei lá mais que coisa. Um asco. Os jacus se esquecem que são eles mesmos que vão usar esse banheiro um par de horas mais tarde.

E, ainda no campo sujeira, você já experimentou ser o último a sair do avião? Sempre que estou sem paciência para o comportamento desatinado do desembarque – o que é frequente –, espero a revoada dos jacus debandar. Afinal, o desespero de sair correndo não vai fazer sua mala aparecer mais rápido na esteira nem reduzir a fila da imigração, se for o caso. Ao percorrer a aeronave, me pergunto que categoria de ser humano esteve naqueles assentos (inclusive os da classe executiva e da primeira): migalhas esparramadas pelo chão, copos vazios, pacotes de comidas servidas, jornal e revistas jogados de qualquer jeito, às vezes, rasgados e amassados… Que categoria de ser humano? Jacus.

Aqueles mesmos que, no desatino da chegada, começam a ligar e conectar seus telefones celulares e tablets quando o avião ainda está taxiando. Outra vez, danem-se as recomendações de segurança! Muitos deles não esperam o avião parar para se levantar e começar a procurar sua bagagem. E os comissários – devidamente sentados e atados – precisam ter paciência para anunciar e pedir que se sentem e aguardem a parada total da aeronave. Insuportáveis jacus nascidos de sete meses!

É realmente uma espécie de grande variedade de hábitos. Todos desagradáveis.

E eu poderia passar um par de horas enchendo linhas com descrições. Mas, prefiro deixar que outros especialistas contribuam com a observação e o reconhecimento dos jacus onde quer que eles estejam. Talvez, valha um item na Wikipédia…


01 de setembro de 2019
in Filosofia de botequim

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