O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, mandou abrir investigação sobre supostos desvios de dinheiro público em contratos entre a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e empresas de tevê. A decisão de Sá Leitão ocorreu depois de o Ministério Público enviar questionamentos à Ancine apontando indícios de fraudes envolvendo cerca de R$ 12 milhões, dinheiro desviado por meio de procedimentos burocráticos maquiados. As verbas foram entregues para a produção de séries de televisão que seriam produzidas no país, mas nunca saíram do papel. Os desvios teriam sido facilitados com a participação de um dos diretores da Ancine que, à época, trabalhava na Procuradoria-Geral Federal (PGF).
Segundo Sérgio Sá Leitão, o assunto será tratado como prioridade. “Nossa posição é sempre a mesma nesses casos: quando a denúncia chega, abrimos uma investigação no âmbito administrativo e enviamos nossa apuração para os órgãos de controle. Aqui é tolerância zero com desvios e com a corrupção. Estamos sendo muito rigorosos com todos os problemas enfrentados em casos de fraude na Lei Rouanet e, nesta situação, não será diferente”, afirmou o ministro em entrevista ao Correio.
FILME DO POPÓ – Um dos projetos investigados é o longa Irmãos Freitas, da produtora Gullane. O longa trata da vida do lutador de boxe aposentado Acelino Popó de Freitas e do irmão dele. Segundo o documento elaborado pelo MP, “houve um pedido de realocação de recursos em um projeto que ‘nunca existiu’ cujo parecer técnico é restritivo ao realçar que a hipótese não é comum e nem prevista na norma, ou seja, foi realizada uma operação com fortes suspeitas de irregularidade”. Ainda conforme o texto, “há fortes indícios de que o instituto da excepcionalidade passou a ser uma forma de maquiar irregularidades”.
Em carta de agosto de 2015, a empresa de tevê norte-americana Turner comunicou a intenção de alocar R$ 7,9 milhões no projeto Irmãos e Detetives, em coprodução com a Gullane Entretenimento. O dinheiro veio da Ancine. Para tanto, pediu uma suspensão de 270 dias, contados a partir da data devida pelo recolhimento (e depósito em conta específica), para evitar que os recursos fossem devolvidos. A suspensão justificava-se pelo prazo necessário para assinatura do contrato entre as duas empresas. A obra seria exibida pelo canal TNT.
O projeto obteve parecer favorável da Procuradoria-Geral Federal, e foi assinado pelo então procurador Alex Braga, hoje diretor da Ancine. Isso possibilitou uma decisão permissiva da diretoria colegiada. A autarquia não comentou a informação.
TURMA DA MÔNICA – Outro caso suspeito é o da Turma da Mônica Jovem, que consumiu R$ 3,6 milhões da Ancine em projeto da Turner com coprodução de Maurício de Souza, criador do título e dos personagens dos gibis.
Novamente, o filme não foi para a frente e houve pedido de realocação do dinheiro em outra obra, desta vez chamada Rua Augusta, da O2 Produções. A exibição seria no canal Space, da Turner, mas acabou cancelada.
A Ancine informou à Turner que não poderia alocar os recursos porque Rua Augusta tinha sido abandonado. Meses depois, a empresa de Maurício de Souza pediu à agência que mudasse o nome do projeto inicial para “Conta Comigo! Turma da Mônica Jovem” — que não teria sequer sido apresentado à Ancine no momento da captação do pessoal. Depois, voltou atrás pedindo que o dinheiro fosse novamente direcionado para o Rua Augusta, que nunca saiu do papel.
DENÚNCIA – A assessoria de comunicação da Agência Nacional do Cinema informou que “tomou conhecimento hoje (ontem) do inteiro teor da denúncia a respeito de supostas irregularidades envolvendo projetos submetidos à aprovação da Ancine e que já tomou as medidas cabíveis e necessárias para apuração e esclarecimento dos fatos descritos, visto que é a maior interessada na elucidação de toda e qualquer eventual irregularidade”.
O Correio entrou em contato com todas as empresas citadas, mas, até o fechamento desta edição, ninguém respondeu. Além de telefonemas, foram enviados e-mails às produtoras e às respectivas assessorias de imprensa.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Não há nenhuma novidade. As leis de amparo à cultura sempre foram fraudadas. Norma Bengell não tinha dinheiro para nada. Fui gravar com Grande Otelo uma entrevista no apartamento que ela alugava, a atriz convidou alguns amigos, como Caetano Veloso e Otávio Augusto. Não tinha nada para servir. Quando Chico Buarque chegou trazendo uma garrafa de Natu Nobilis, foi a salvação da lavoura. Norma Bengell arranjou um financiamento para filmar “O Guarani”, o filme não fez sucesso, mas ela comprou um apartamento de luxo na Barra e um sítio paradisíaco na Região Serrana. Os exemplos se multiplicam, é tudo público e notório. E não acontece nada… (C.N.)
19 de dezembro de 2017
Bernardo Bittar
Correio Braziliense
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