O vácuo institucional decorrente da sanha justiceira e da leitura política equivocada sobre o que está em curso é tão provável quanto certo é que os petistas o preencherão
Suponhamos que Michel Temer caia. Um, dois, três: bum. Caiu. E então será o vazio. Ou melhor: o vácuo. Não. Não. Atenção. Não pela falta do estadista que ele jamais foi, por favor; mas porque ninguém — ninguém honesto intelectualmente — pode projetar a sucessão de Temer senão como aposta. E arriscada. Farei a minha. Eis o seu fundamento: ao estalar, bum!, no chão o traseiro presidencial, o já ralo compromisso parlamentar com o que estabelece a Constituição se liquefará imediatamente, e a defesa da eleição indireta — que é a defesa da Carta Magna — terá por guardiões apenas os dois ou três gilmar mendes já ceifados pela narrativa jacobina.
Não se pode projetar a sucessão extemporânea de Temer senão como aposta arriscada, repito; mas é fácil casar fichas sobre o maior beneficiário do baguncismo: Lula. O vácuo institucional decorrente da sanha justiceira e da leitura política equivocada sobre o que está em curso no Brasil é tão provável quanto certo é que os petistas o preencherão com maestria. Na lama em que o patriota chefe do Ministério Público jogou o exercício da política, nivelando a roubalheira para enriquecimento pessoal à apropriação do Estado que caracteriza o projeto autoritário de poder petista, Lula não só disputará a próxima eleição presidencial, seja quando for, como já está no segundo turno.
Voltemos, porém.
É perigoso supor — com base na experiência recente — que a queda de um presidente significaria apaziguar a crise política, encaixar as reformas e recolocar a economia nos trilhos. Não estou aqui para educar Tasso Jereissati, mas não foi essa a consequência do impeachment de Dilma Rousseff. E a conjuntura piorou desde então — agora, ademais, com os petistas profissionalmente à vontade na oposição. Não se iluda, senador. O PT — Lula — já o derrubou uma vez. O plano, porém, era varrê-lo do mapa político-eleitoral. O senhor sobreviveu. Que vosso senso de responsabilidade para com a democracia advenha, pois, do recurso à memória combinado ao instinto de sobrevivência. Desenharei: a única chance de que o PSDB — partido de frouxos — seja competitivo em 2018 está em Temer concluir seu mandato; está em que haja eleições somente no ano que vem. É sob essa condição que Geraldo Alckmin será forte candidato.
O PSDB teve, sim, algumas chances de desembarcar do governo e ainda sobreviver. Elas acabaram. Se pular fora agora e o presidente permanecer até o fim, isso terá ocorrido apesar da traição dos tucanos — e sabemos o lugar da deslealdade em política. Sabemos também que o PSDB terá abandonado o barco sem ter ferramentas para convencer como oposição. Esse lugar é do PT. Se o presidente cair, contudo, terá sido graças ao empurrão final dos tucanos — e sabemos o lugar da traição em política. Sabemos também que o PSDB terá derrubado Temer sem ter quaisquer meios de capitalizar eleitoralmente a queda. Esse capital será petista.
Voltemos, porém.
Eu dizia para Jereissati não se iludir. Tampouco, senador, iluda Rodrigo Maia, cuja eventual presidência já está, sim, precificada pelo mercado — mas apenas tanto quanto for possível pagar por uma cabeça de bolinha na bandeja. Não suponham, senhores parlamentares, que têm as rédeas da situação. A explicação grita: a ação da Lava-Jato se deturpou sob o ativismo judicial janotista, que a transformou em instrumento de ataque contra o establishment e de dilapidação da atividade política; mas não sem prestar o serviço ao projeto de poder petista em que consiste tratar todos os políticos criminosos como igualmente criminosos. Está aí — para exemplificar — a delação dos donos da J&F, gratíssima a quem a fez campeã nacional, premiadíssima por sua natureza ficcional.
Rodrigo Maia que não se deslumbre com a corte que ora lhe fazem os petistas. Ele está do lado daqueles condenados pela seletividade de Janot, e talvez seja hoje — ele, Maia — a mais perfeita representação do sistema. Primeiro na linha de sucessão e também investigado na Lava-Jato, que não se engane sobre suas chances de presidir o Brasil. É assumir e cair, derrubado pelas mãos que hoje lhe balançam o berço, triturado facilmente pela narrativa petista, varrido pelo golpe na Constituição e, portanto, pelo crescimento incontrolável — pela volta irreversível — da pressão por antecipação da eleição direta a presidente.
Em política, não se perdoa traição nem burrice. Chegamos ao momento de exceção em que políticos ainda não sentenciados pela Justiça — como Temer — encontram-se politicamente condenados pela institucionalização dos vazamentos seletivos e pela transformação de delação premiada em prova. Aproxima-se, no entanto, o momento, ápice da arte de Janot, em que políticos ainda não condenados pela Justiça — como Lula — ressuscitarão politicamente pela institucionalização dos vazamentos seletivos e pela transformação do conteúdo de delações premiadas em prova. É sutil.
Não importa se Lula terá como vencer em 2018. Importante é o fato de que será candidato. E, uma vez candidato, intocável. Todo o resto decorrerá daí.
13 de julho de 2017
Carlos Andreazza é editor de livros. O Globo
Suponhamos que Michel Temer caia. Um, dois, três: bum. Caiu. E então será o vazio. Ou melhor: o vácuo. Não. Não. Atenção. Não pela falta do estadista que ele jamais foi, por favor; mas porque ninguém — ninguém honesto intelectualmente — pode projetar a sucessão de Temer senão como aposta. E arriscada. Farei a minha. Eis o seu fundamento: ao estalar, bum!, no chão o traseiro presidencial, o já ralo compromisso parlamentar com o que estabelece a Constituição se liquefará imediatamente, e a defesa da eleição indireta — que é a defesa da Carta Magna — terá por guardiões apenas os dois ou três gilmar mendes já ceifados pela narrativa jacobina.
Não se pode projetar a sucessão extemporânea de Temer senão como aposta arriscada, repito; mas é fácil casar fichas sobre o maior beneficiário do baguncismo: Lula. O vácuo institucional decorrente da sanha justiceira e da leitura política equivocada sobre o que está em curso no Brasil é tão provável quanto certo é que os petistas o preencherão com maestria. Na lama em que o patriota chefe do Ministério Público jogou o exercício da política, nivelando a roubalheira para enriquecimento pessoal à apropriação do Estado que caracteriza o projeto autoritário de poder petista, Lula não só disputará a próxima eleição presidencial, seja quando for, como já está no segundo turno.
Voltemos, porém.
É perigoso supor — com base na experiência recente — que a queda de um presidente significaria apaziguar a crise política, encaixar as reformas e recolocar a economia nos trilhos. Não estou aqui para educar Tasso Jereissati, mas não foi essa a consequência do impeachment de Dilma Rousseff. E a conjuntura piorou desde então — agora, ademais, com os petistas profissionalmente à vontade na oposição. Não se iluda, senador. O PT — Lula — já o derrubou uma vez. O plano, porém, era varrê-lo do mapa político-eleitoral. O senhor sobreviveu. Que vosso senso de responsabilidade para com a democracia advenha, pois, do recurso à memória combinado ao instinto de sobrevivência. Desenharei: a única chance de que o PSDB — partido de frouxos — seja competitivo em 2018 está em Temer concluir seu mandato; está em que haja eleições somente no ano que vem. É sob essa condição que Geraldo Alckmin será forte candidato.
O PSDB teve, sim, algumas chances de desembarcar do governo e ainda sobreviver. Elas acabaram. Se pular fora agora e o presidente permanecer até o fim, isso terá ocorrido apesar da traição dos tucanos — e sabemos o lugar da deslealdade em política. Sabemos também que o PSDB terá abandonado o barco sem ter ferramentas para convencer como oposição. Esse lugar é do PT. Se o presidente cair, contudo, terá sido graças ao empurrão final dos tucanos — e sabemos o lugar da traição em política. Sabemos também que o PSDB terá derrubado Temer sem ter quaisquer meios de capitalizar eleitoralmente a queda. Esse capital será petista.
Voltemos, porém.
Eu dizia para Jereissati não se iludir. Tampouco, senador, iluda Rodrigo Maia, cuja eventual presidência já está, sim, precificada pelo mercado — mas apenas tanto quanto for possível pagar por uma cabeça de bolinha na bandeja. Não suponham, senhores parlamentares, que têm as rédeas da situação. A explicação grita: a ação da Lava-Jato se deturpou sob o ativismo judicial janotista, que a transformou em instrumento de ataque contra o establishment e de dilapidação da atividade política; mas não sem prestar o serviço ao projeto de poder petista em que consiste tratar todos os políticos criminosos como igualmente criminosos. Está aí — para exemplificar — a delação dos donos da J&F, gratíssima a quem a fez campeã nacional, premiadíssima por sua natureza ficcional.
Rodrigo Maia que não se deslumbre com a corte que ora lhe fazem os petistas. Ele está do lado daqueles condenados pela seletividade de Janot, e talvez seja hoje — ele, Maia — a mais perfeita representação do sistema. Primeiro na linha de sucessão e também investigado na Lava-Jato, que não se engane sobre suas chances de presidir o Brasil. É assumir e cair, derrubado pelas mãos que hoje lhe balançam o berço, triturado facilmente pela narrativa petista, varrido pelo golpe na Constituição e, portanto, pelo crescimento incontrolável — pela volta irreversível — da pressão por antecipação da eleição direta a presidente.
Em política, não se perdoa traição nem burrice. Chegamos ao momento de exceção em que políticos ainda não sentenciados pela Justiça — como Temer — encontram-se politicamente condenados pela institucionalização dos vazamentos seletivos e pela transformação de delação premiada em prova. Aproxima-se, no entanto, o momento, ápice da arte de Janot, em que políticos ainda não condenados pela Justiça — como Lula — ressuscitarão politicamente pela institucionalização dos vazamentos seletivos e pela transformação do conteúdo de delações premiadas em prova. É sutil.
Não importa se Lula terá como vencer em 2018. Importante é o fato de que será candidato. E, uma vez candidato, intocável. Todo o resto decorrerá daí.
13 de julho de 2017
Carlos Andreazza é editor de livros. O Globo
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