"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 21 de março de 2017

A CARNE, OS ARTISTAS NAS PROPAGANDAS E O POVÃO, QUE XEXÉO ESQUECEU DE DEFENDER



Charge do Alpino, reproduzida do Yahoo
Saibam, os que não são leitores do jornal O Globo, que os artigos do renomado Artur Xexéo são publicados nas edições de domingo, na oitava e última página (contracapa) do “Segundo Caderno”. Sempre. E permita Deus que seja “Per omnia saecula saeculorum”.  Xexéo é eclético e inspirado. Escreve com facilidade. Talento e arte tem de sobra. Para dar. Para vender, nunca. Qualquer que seja o assunto ou o caso, o bom humor é a marca de seus textos. Gosto dele. Anos e anos atrás, ainda no Jornal do Brasil, Xexéo, sem me conhecer, falou de mim. Não me recordo o motivo. O “mala do ano” não foi. Lembro apenas de uma pergunta daquele texto daquele domingo: “`Por que o advogado Jorge Béja precisa ter dois pianos em sua casa?”. Era a época do “fax”.  Para a redação do JB, enviei um convite. Xexéo aceitou e veio. Foi quando nos conhecemos. E nunca mais nos vimos. Nem nos falamos.
Almoçamos no restaurante XIV Bis do aeroporto Santos Dumont. Xexéo preferiu o linguado, arroz e salada mista. Caipirinha de entrada e Ponte da Barca para regar a refeição. O bom gosto me fez acompanhá-lo. Antes da sobremesa, me sentei ao piano, que ficava pertinho da mesa e dediquei um número a Xexéo: De Franz Liszt, toquei o “Rêve D’Amour”. É belíssimo. E quem não tem (ou não teve) um sonho de amor?.
PRIMEIRO OS ARTISTAS – O passado se foi. Fica a memória. Boa e saudosa. Neste domingo (19), com o título “O Diabo, a carne e o mundo” (e deste título me inspirei para intitular este meu texto de hoje), o começo do artigo de Xexéo foi sobre o escândalo da carne podre. Não, sobre os danos à população. E sim, sobre os prejuízos “dos artistas que nos últimos tempos alugaram sua imagem justamente para vender carne para frigoríficos que agora estão na mira da Polícia Federal”, escreveu Xexéo. E foi mais além:
“Contratos como os que os frigoríficos fizeram com a imagem de artistas costumam ter o mesmo valor de um apartamento de luxo na Zona Sul do Rio de Janeiro. É muito. Ao mesmo tempo, quando acontece um escândalo como o de agora, é pouco. Basta uma acusação da Polícia Federal para a credibilidade do artista não valer nada. Eles vão ter que rebolar para terem uma imagem limpa outra vez”.
DEPOIS DOS ARTISTAS, MAIS NINGUÉM – Isso é também é verdade, Xexéo. A imagem de Tony Ramos, Roberto Carlos e Fátima Bernardes, por exemplo, estão arranhadas, para citar apenas três famosos. E os danos à população?. Isso também não conta, Xexéo?. Quem garante que milhares ou milhões de consumidores não estejam, sem saber, contaminados pela ingestão de carne de vaca, de porco, de galinha, de franco… embutidos em geral e que as doenças só aparecerão mais tarde? Xexéo esqueceu o povo?
A salmonela é uma bactéria que parece ser inofensiva e não é. Quando se aloja em nós, pode levar tempo para as doenças que causa se manifestarem. Idosos, crianças e pessoas com as defesas orgânicas diminuídas são os grupos mais prováveis de ter a forma mais severa de doenças. Uma das complicações gravíssimas é a penetração da infecção no sangue e daí para outros tecidos. Se chegar a tanto, mata, caso a pessoa não seja rapidamente atendida. E será que existe atendimento médico-hospitalar público apto, pronto, equipado e permanente para socorrer a população com rapidez?
ARTIGO DE SÁBADO, AQUI NA TI – Neste sábado (18), Xexéo, um dia antes da publicação da sua coluna no O Globo, escrevi aqui na Tribuna da Internet o artigo “Carne Fraca: governo e empresários corruptos ameaçam a saúde da população”. E nosso editor, o seu colega jornalista Carlos Newton, imprimiu ao artigo uma ilustração inspirada, como se fosse premonição: a imagem, em foto, do documentário “A carne é fraca”. O artigo defende que até se prove o contrário, todos os produtos fabricados pelas empresas e frigoríficos alvos da operação “Carne Fraca”, estão presumidamente contaminados. Cesteiro que faz um cesto faz um cento, Xexéo.
Mas não se vai aqui e agora repetir o artigo de sábado passado. O assunto é o artigo deste domingo do nosso Artur Xexéo, que defendeu os artistas e nem falou no povão, nos consumidores, que são os maiores vitimados.
O DEVER DE INDENIZAR – É verdade, Xexéo, que todos os artistas que emprestaram, ao preço de um apartamento de luxo na Zona Sul do Rio, em propaganda publicitária, sua imagem para garantir a qualidade dos produtos, têm o indiscutível e amplo direito de serem indenizados pelo dano moral que sofreram. Todos foram induzidos a erro. Mas é verdade que eles, os artistas e famosos, também têm o dever de reparar o mesmo dano moral que a população, iludida, experimentou ao comprar, ingerir, comer e se alimentar com os produtos que os famosos garantiram ser de ótima qualidade e procedência, e o povo neles confiou.
A ciência do Direito das Obrigações dá a essa situação o nome de responsabilidade civil solidária. Onde há lucro, há responsabilidade e o dever de reparar o dano que o negócio lucrativo causou Quem empresta imagem e fama para incentivar a população de consumidores à compra de certo produto é tão civilmente responsável quanto o fabricante, quando o produto é inservível, não presta, é defeituoso. Ambos, fabricante e garoto(a)-propaganda se tornam conjuntamente responsáveis pelo pagamento da indenização do dano causado à população consumidora.
O DANO É PRESUMIDO – Essa questão consumerista é de tal ordem delicada e sutil, em defesa dos compradores, da coletividade em geral, que nem é preciso que alguém tenha ficado doente por causa da carne podre que comeu, com nova embalagem e com o selo de garantia dessa multidão de fiscais corruptos do Ministério da Agricultura. Para exigir reparação por dano moral, basta o fato. Basta a compra.
Está escrito no Código de Defesa do Consumidor que o dano é presumido. Ou seja, cabe aos frigoríficos e seus atores publicitários o dever de provar o contrário.
FALTA DE RESPEITO – O governo federal vem tentando amenizar o que é gravíssimo. Aquele churrasco neste domingo à noite, numa churrascaria de Brasília e com a presença de Temer e sua equipe, além de embaixadores de outros países, foi constrangedor. Humilhou o povo brasileiro. Será que essa gente não enxerga que existem 13 milhões de brasileiros desempregados, outros tantos fazendo “bico” e muitos outros milhões sem condições de comprar arroz e feijão e muito menos comprar carne para se alimentar?
E mesmo assim eles se exibem comendo, mastigando e sorrindo e se fartando numa churrascaria de Brasília, como se nada estivesse acontecendo? Xexéo, mais de vinte anos depois, vamos voltar ao XIV Bis do aeroporto Santos Dumont?. O prato será o mesmo daquele dia: linguado. Já a peça musical será outra ao piano. Está prontinha e na ponta dos dedos: de Fréderic Chopin, “A Marcha Fúnebre”.

21 de março de 2017
Jorge Béja

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