"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A IDEOLOGIA DO VINHO

Trieste, Itália - Os argumentos do golpe no Brasil de cineastas, produtores, escritores e jornalistas europeus e das américas não resistem aos dez minutos de conversa quando eles são alertados de que o nosso país vivia num ambiente de corrupção desenfreada desde que o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder. Ainda existe um sentimento de alguns desses interlocutores de que o ex-presidente Lula, o operário que chegou ao paraíso, realmente teria sido o pai dos pobres. Imagem desfeita, sem muito esforço, quando são informados de que o Bolsa Família não passa de um programa fisiológico, que transformou mais de 13 milhões de famílias em reféns do PT que precisava se perpetuar no poder dominando esse curral eleitoral.

Percebe-se, nas conversas, que muitos acreditaram na bazofia lulista de transformações sociais pela leitura que fizeram das matérias de seus correspondentes no Brasil. Por isso ainda resistem a entender que o Lula foi o ideólogo da maior organização criminosa do país. Quando se discute a participação dos petistas na corrupção com empresários e políticos, a quebra das empresas estatais e o descontrole da economia, que derreteu o poder de compra do trabalhador, eles preferem ignorar tudo isso para se fixar na ideia do golpe. Ignoram que o vice, no impedimento do titular, pode assumir o governo. Está escrito na Constituição brasileira.

Eles não gostam de falar da colonização e da expropriação de seus países no continente africano. Do Berlusconi então os italianos fogem do assunto como o diabo da cruz. Preferem passar uma esponja no passado do milionário extravagante que vivia em festinhas com prostitutas e aliciava jovens para bacanais. Alguns falam em golpe, mas se confessam desatualizados com o que está acontecendo no Brasil. Habituaram-se a ouvir a versão dos nossos embaixadores e de militantes petistas que viajavam pelo ministério da Cultura para pregar contra o impeachment da Dilma. Conformam-se, contudo, quando são lembrados que o juiz Sérgio Moro é implacável contra a corrupção, a exemplo dos seus colegas da Operação Mãos Limpas que investigaram, em 1992, mais de cinco mil pessoas que mantinham relações ilícitas com empresários e políticos italianos. Prova disso é a prisão de Eduardo Cunha, de outros políticos, dos tesoureiros do PT, do Palocci e de grandes empresários no Brasil.

Muitos desses interlocutores desconhecem os movimentos que levaram milhares de pessoas às ruas para pedir a cabeça da Dilma e o fim da corrupção. Quando são explicados que os petistas roubaram o equivalente a 10 bilhões de euros das empresas públicas assustam-se, porque, por aqui, até centavos são catados nas ruas tal a valorização da moeda. Contudo, em um ponto concordam tanto nós, os brasileiros, como eles: o destino do Brasil ainda é incerto. Ainda existem muitas dúvidas quanto a competência de governar do atual presidente.

“Como se bota para fora um presidente eleito pelo povo?”. É o que mais se ouve nas rodinhas de conversa. Pelo mesmo motivo que os países europeus botam na rua os seus governos parlamentaristas: por incompetência e corrupção, sem ferir a Constituição. Muitos desconhecem, por exemplo, que o PT liderou o impeachment de Collor. E o Brasil, como agora, absorveu o afastamento dele e seguiu em frente, sem traumas, respeitando o estado de direito democrático.

Cheira a ingenuidade quando querem dividir o Brasil entre esquerda e direita, como são definidos com clareza os grupos políticos na Europa. Até se convencerem de que o PT, criado por um grupo de intelectuais, liderados por Lula, juntou-se ao que existe de mais podre na política do país. E de que o Lula sempre abominou a palavra esquerda para se posicionar politicamente. Portanto, ao se juntar aos banqueiros e grandes empresários, identificou-se com a elite que tanto combateu. No Brasil, explico, a esquerda é de botequim. Ela se dilui quando começa a engordar a conta bancária, como ocorreu com os petistas da República Sindical.

O debate só não vara a madrugada porque se exige dos comensais uma pausa para reflexão. Afinal de contas, um bom vinho, servido à mesa, não exige ideologia de quem degusta.


28 de outubro de 2016
Jorge Oliveira

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