Michel Temer assume definitivamente a Presidência da República em condições análogas às de Itamar Franco: após o impeachment de um presidente eleito diretamente. Seu maior desafio a partir de agora, no entanto, será não repetir a trajetória de José Sarney, que também chegou ao poder pela via indireta, mas perdeu condições políticas de governar ao longo dos anos e entregou o País mergulhado em uma crise econômica profunda.
Seus principais obstáculos já estão postos, e o próprio rito acidentado e lento que levou ao impedimento de Dilma Rousseff e o alçou definitivamente ao poder mostraram que Temer ainda não deu mostras de que está pronto a enfrentá-los com êxito.
No primeiro discurso que fez diante de seus ministros, em tom de desabafo, o presidente elegeu o combate ao desemprego como prioridade. Fala para 11,8 milhões de desempregados, um contingente enorme depois de um período recente em que o País experimentou uma condição de praticamente pleno emprego – ainda que graças a heterodoxias fiscais e econômicas que agora cobram seu preço.
Para reverter o desemprego, o governo terá, antes, de equilibrar as contas públicas, aprovar o teto dos gastos, encaminhar uma reforma da Previdência tão urgente quanto difícil de aprovar e levar o País a voltar a crescer. Uma tarefa hercúlea para um mandato de quatro anos, quase uma missão impossível para um governo que terá apenas dois anos e quatro meses pela frente.
É aí que entra na equação o segundo fator, crucial para que Temer não repita o fracasso de Sarney: a necessidade de ter uma maioria ampla, clara e sem as ambiguidades que a base aliada tem demonstrado – e que voltou a expressar até mesmo ontem, na votação do impeachment.
Se Sarney teve sempre o presidente da Câmara, do PMDB e da Constituinte, Ulysses Guimarães, a lhe fazer sombra e a disputar com ele o comando político do País durante seu governo, Temer terá em seus calcanhares o presidente do Senado, Renan Calheiros. Novamente a disputa pelo comando político se dá dentro do mesmo partido do presidente. E de novo esse partido é o PMDB.
Ao urdir, à revelia do Planalto, a saída que fez com que Dilma não ficasse inabilitada a exercer funções públicas, mesmo sofrendo impeachment, Renan deu uma demonstração clara de que comanda uma parcela expressiva do partido e que Temer terá de lhe consultar a cada votação importante no Congresso Nacional.
Que ninguém se engane com o significado do #tamojunto que Renan “sem querer” deixou “vazar” ao dar posse a Temer ontem. Não se trata de uma declaração de apoio, e sim de um alerta: seu destino depende de mim. Isso ganha outros significados quando se sabe que o presidente do Senado terá de enfrentar uma batalha judicial no âmbito da Operação Lava Jato e espera receber a benevolência do Planalto para ajudá-lo.
Assim, não é de se estranhar o tom algo sombrio da primeira fala de Temer. Ele sabe que não haverá lua de mel com a opinião pública, com as ruas que estão em ebulição permanente desde 2013 e com o mercado, que foi fundamental para criar as condições políticas para o impeachment de Dilma.
Também não há no horizonte mágicas como o Plano Cruzado ou saídas mais elaboradas, como o Plano Real, para garantir esse rumo na economia e amalgamar a maioria no Congresso Nacional.
O governo Michel Temer terá de mostrar que sabe se guiar sem improviso, que não é mais interino e que tem legitimidade para fazer as reformas que o País espera. E isso em tempo recorde e sem ficar refém do Congresso. Itamar, talvez com um pouco de sorte e graças ao Plano Real, conseguiu. Sarney fracassou completamente.
04 de setembro de 2016
Vera Magalhães, Estadão
Seus principais obstáculos já estão postos, e o próprio rito acidentado e lento que levou ao impedimento de Dilma Rousseff e o alçou definitivamente ao poder mostraram que Temer ainda não deu mostras de que está pronto a enfrentá-los com êxito.
No primeiro discurso que fez diante de seus ministros, em tom de desabafo, o presidente elegeu o combate ao desemprego como prioridade. Fala para 11,8 milhões de desempregados, um contingente enorme depois de um período recente em que o País experimentou uma condição de praticamente pleno emprego – ainda que graças a heterodoxias fiscais e econômicas que agora cobram seu preço.
Para reverter o desemprego, o governo terá, antes, de equilibrar as contas públicas, aprovar o teto dos gastos, encaminhar uma reforma da Previdência tão urgente quanto difícil de aprovar e levar o País a voltar a crescer. Uma tarefa hercúlea para um mandato de quatro anos, quase uma missão impossível para um governo que terá apenas dois anos e quatro meses pela frente.
É aí que entra na equação o segundo fator, crucial para que Temer não repita o fracasso de Sarney: a necessidade de ter uma maioria ampla, clara e sem as ambiguidades que a base aliada tem demonstrado – e que voltou a expressar até mesmo ontem, na votação do impeachment.
Se Sarney teve sempre o presidente da Câmara, do PMDB e da Constituinte, Ulysses Guimarães, a lhe fazer sombra e a disputar com ele o comando político do País durante seu governo, Temer terá em seus calcanhares o presidente do Senado, Renan Calheiros. Novamente a disputa pelo comando político se dá dentro do mesmo partido do presidente. E de novo esse partido é o PMDB.
Ao urdir, à revelia do Planalto, a saída que fez com que Dilma não ficasse inabilitada a exercer funções públicas, mesmo sofrendo impeachment, Renan deu uma demonstração clara de que comanda uma parcela expressiva do partido e que Temer terá de lhe consultar a cada votação importante no Congresso Nacional.
Que ninguém se engane com o significado do #tamojunto que Renan “sem querer” deixou “vazar” ao dar posse a Temer ontem. Não se trata de uma declaração de apoio, e sim de um alerta: seu destino depende de mim. Isso ganha outros significados quando se sabe que o presidente do Senado terá de enfrentar uma batalha judicial no âmbito da Operação Lava Jato e espera receber a benevolência do Planalto para ajudá-lo.
Assim, não é de se estranhar o tom algo sombrio da primeira fala de Temer. Ele sabe que não haverá lua de mel com a opinião pública, com as ruas que estão em ebulição permanente desde 2013 e com o mercado, que foi fundamental para criar as condições políticas para o impeachment de Dilma.
Também não há no horizonte mágicas como o Plano Cruzado ou saídas mais elaboradas, como o Plano Real, para garantir esse rumo na economia e amalgamar a maioria no Congresso Nacional.
O governo Michel Temer terá de mostrar que sabe se guiar sem improviso, que não é mais interino e que tem legitimidade para fazer as reformas que o País espera. E isso em tempo recorde e sem ficar refém do Congresso. Itamar, talvez com um pouco de sorte e graças ao Plano Real, conseguiu. Sarney fracassou completamente.
04 de setembro de 2016
Vera Magalhães, Estadão
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