Melancólico fim da era Lula-Dilma no Brasil. Queda do kirchnerismo na Argentina. Declínio da aprovação aos governos de esquerda na Bolívia e no Equador. Ocaso dos regimes autocráticos de Cuba e Venezuela. Constatações de que novos ventos podem soprar na América Latina.
Nessa inflexão de rumos, aparece a perspectiva de tempos melhores para a região. Ao menos uma maior chance para a construção de governança mais fiscalmente responsável, pragmática, meritocrática e, sobretudo, menos populista. Os câmbios internos à região, contudo, por si só não bastam.
Ao longo da história, a América Latina sempre oscilou ao sabor das chamadas "externalidades" —janelas de oportunidades que determinado cenário global abre ou fecha de modo a permitir a ascensão dos países da região.
Dado seu (pequeno) peso específico na geopolítica ou na geoeconomia, a América Latina sempre foi mais "tomadora" (trendtaker) do que "fazedora" (trendmaker) de tendências. O mundo impactou mais a América Latina do que ela ao mundo.
Nesses termos, uma adaptação da famosa reflexão do filósofo espanhol Ortega y Gasset apontaria: "a América Latina é ela própria —e suas circunstâncias".
Na dimensão conjuntural, geralmente se associam tais externalidades ao volume e portanto o custo de atração da liquidez global, bem como ao preço relativo das commodities, principal item da pauta exportadora latino-americana.
Pois bem, quero aqui render uma homenagem àquele que acho o latino-americano mais importante do século 20 —o economista argentino Raúl Prebisch, que, estivesse vivo, completaria 100 anos neste 2016.
Em fins da década de 1940, Prebisch apontava que as oportunidades de crescimento para a América Latina num cenário em que o papel de economia central preponderante se consolidara nos EUA tornavam-se bastante restritas.
Já na metade do século 20 os EUA detinham não apenas o maior PIB industrial, mas também a maior economia agrícola do mundo. A propósito, àqueles que gostam de enfatizar os efeitos perniciosos ao desenvolvimento da chamada "maldição dos recursos naturais", vale a pena salientar que mesmo hoje o maior produtor global de commodities são os Estados Unidos.
Assim, não foi o fim de um ciclo apreciativo de preços globais para commodities agrícolas e minerais em que a América Latina detém vantagens comparativas o que levou ao declínio do "esquerdo-populismo" na região.
A ausência de um forte marco institucional e o déficit estratégico de diversificação econômica (ambos propícios ao capitalismo de compadrio e à corrupção) estão no cerne de tal esgotamento.
Para que a América Latina esteja efetivamente "sob nova direção" é necessário, contudo, que os movimentos de mudança de titularidade na liderança política em países como Brasil e Argentina não sejam apenas uma mera substituição de elites disfuncionais.
Nesse período de superciclo das commodities que ajudou a turbinar o esquerdo-populismo na América Latina, Prebisch seguramente reconheceria grandes janelas de oportunidade com a ascensão da China.
Esta, com seu apetite pantagruélico por commodities, acabou por conferir durante algum tempo grande vantagem nos termos de troca aos produtos oriundos da América Latina.
O curioso é que, do ponto de vista das externalidades, ao contrário dos cenários sombrios que se pintavam até pouco tempo atrás, a América Latina também pode encontrar saídas favoráveis.
E elas não precisam vir única e exclusivamente do comércio, de que é exemplo o deslocamento da curva de demanda, digamos, por alimentos, associada ao crescimento de China, Índia, Indonésia, Vietnã e outras economias de elevado crescimento no Sudeste Asiático. Há uma nova dimensão favorável à América Latina no campo dos investimentos.
O "brexit" empurrou o eixo global de risco também para a Europa, o que levou a uma melhoria comparativa das perspectivas para a América Latina, sobretudo em termos de destino de investimentos estrangeiro direto (IED).
Nesse contexto, há uma "externalidade conjuntural" favorável —a tendência à manutenção de taxas internacionais de juros baixas em razão do parco crescimento nos EUA e Europa— o que cria a atmosfera propícia a que os países latino-americanos coloquem sua casa macroeconômica em ordem.
Além disso, emerge também uma "externalidade estrutural" potencialmente benéfica, que é a dramática expansão do papel da China como fonte de financiamento da infraestrutura e origem de IEDs para os países latino-americanos.
Assim, longe de uma era de tragédias decretadas, a América Latina pode, mesmo num cenário de maior protecionismo comercial e populismo no Atlântico Norte, encontrar nichos de oportunidade para sua inserção global decorrentes sobretudo da ascensão da Ásia-Pacífico.
Ao responder apenas à conjuntura pontual, os novos governos latino-americanos merecerão apenas ostentar a faixa "sob nova direção" em termos nominais".
Se, ao contrário, aproveitarem esses novos vetores asiáticos para modernizar sua própria economia política, terão contribuído em grande medida para aumentar a importância da América Latina no mundo contemporâneo.
17 de agosto de 2016
Marcos Troyjo, Folha de SP
Nessa inflexão de rumos, aparece a perspectiva de tempos melhores para a região. Ao menos uma maior chance para a construção de governança mais fiscalmente responsável, pragmática, meritocrática e, sobretudo, menos populista. Os câmbios internos à região, contudo, por si só não bastam.
Ao longo da história, a América Latina sempre oscilou ao sabor das chamadas "externalidades" —janelas de oportunidades que determinado cenário global abre ou fecha de modo a permitir a ascensão dos países da região.
Dado seu (pequeno) peso específico na geopolítica ou na geoeconomia, a América Latina sempre foi mais "tomadora" (trendtaker) do que "fazedora" (trendmaker) de tendências. O mundo impactou mais a América Latina do que ela ao mundo.
Nesses termos, uma adaptação da famosa reflexão do filósofo espanhol Ortega y Gasset apontaria: "a América Latina é ela própria —e suas circunstâncias".
Na dimensão conjuntural, geralmente se associam tais externalidades ao volume e portanto o custo de atração da liquidez global, bem como ao preço relativo das commodities, principal item da pauta exportadora latino-americana.
Pois bem, quero aqui render uma homenagem àquele que acho o latino-americano mais importante do século 20 —o economista argentino Raúl Prebisch, que, estivesse vivo, completaria 100 anos neste 2016.
Em fins da década de 1940, Prebisch apontava que as oportunidades de crescimento para a América Latina num cenário em que o papel de economia central preponderante se consolidara nos EUA tornavam-se bastante restritas.
Já na metade do século 20 os EUA detinham não apenas o maior PIB industrial, mas também a maior economia agrícola do mundo. A propósito, àqueles que gostam de enfatizar os efeitos perniciosos ao desenvolvimento da chamada "maldição dos recursos naturais", vale a pena salientar que mesmo hoje o maior produtor global de commodities são os Estados Unidos.
Assim, não foi o fim de um ciclo apreciativo de preços globais para commodities agrícolas e minerais em que a América Latina detém vantagens comparativas o que levou ao declínio do "esquerdo-populismo" na região.
A ausência de um forte marco institucional e o déficit estratégico de diversificação econômica (ambos propícios ao capitalismo de compadrio e à corrupção) estão no cerne de tal esgotamento.
Para que a América Latina esteja efetivamente "sob nova direção" é necessário, contudo, que os movimentos de mudança de titularidade na liderança política em países como Brasil e Argentina não sejam apenas uma mera substituição de elites disfuncionais.
Nesse período de superciclo das commodities que ajudou a turbinar o esquerdo-populismo na América Latina, Prebisch seguramente reconheceria grandes janelas de oportunidade com a ascensão da China.
Esta, com seu apetite pantagruélico por commodities, acabou por conferir durante algum tempo grande vantagem nos termos de troca aos produtos oriundos da América Latina.
O curioso é que, do ponto de vista das externalidades, ao contrário dos cenários sombrios que se pintavam até pouco tempo atrás, a América Latina também pode encontrar saídas favoráveis.
E elas não precisam vir única e exclusivamente do comércio, de que é exemplo o deslocamento da curva de demanda, digamos, por alimentos, associada ao crescimento de China, Índia, Indonésia, Vietnã e outras economias de elevado crescimento no Sudeste Asiático. Há uma nova dimensão favorável à América Latina no campo dos investimentos.
O "brexit" empurrou o eixo global de risco também para a Europa, o que levou a uma melhoria comparativa das perspectivas para a América Latina, sobretudo em termos de destino de investimentos estrangeiro direto (IED).
Nesse contexto, há uma "externalidade conjuntural" favorável —a tendência à manutenção de taxas internacionais de juros baixas em razão do parco crescimento nos EUA e Europa— o que cria a atmosfera propícia a que os países latino-americanos coloquem sua casa macroeconômica em ordem.
Além disso, emerge também uma "externalidade estrutural" potencialmente benéfica, que é a dramática expansão do papel da China como fonte de financiamento da infraestrutura e origem de IEDs para os países latino-americanos.
Assim, longe de uma era de tragédias decretadas, a América Latina pode, mesmo num cenário de maior protecionismo comercial e populismo no Atlântico Norte, encontrar nichos de oportunidade para sua inserção global decorrentes sobretudo da ascensão da Ásia-Pacífico.
Ao responder apenas à conjuntura pontual, os novos governos latino-americanos merecerão apenas ostentar a faixa "sob nova direção" em termos nominais".
Se, ao contrário, aproveitarem esses novos vetores asiáticos para modernizar sua própria economia política, terão contribuído em grande medida para aumentar a importância da América Latina no mundo contemporâneo.
17 de agosto de 2016
Marcos Troyjo, Folha de SP
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