"ESSA É A FALÊNCIA DE UM PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO".
Confira entrevista que Eduardo Giannetti concedeu para o jornal Folha de S.Paulo de hoje, fazendo uma análise do momento econômico e de representatividade política – delicadíssimo, por sinal - que estamos passando agora. Segundo Eduardo Giannetti, “A lógica do presidencialismo de coalizão é: eu faço concessões, eu entrego ministérios, cedo estatais, dou verbas e, em troca, conquisto uma base de sustentação que me permite tomar iniciativas e governar o país”.
Confira entrevista que Eduardo Giannetti concedeu para o jornal Folha de S.Paulo de hoje, fazendo uma análise do momento econômico e de representatividade política – delicadíssimo, por sinal - que estamos passando agora. Segundo Eduardo Giannetti, “A lógica do presidencialismo de coalizão é: eu faço concessões, eu entrego ministérios, cedo estatais, dou verbas e, em troca, conquisto uma base de sustentação que me permite tomar iniciativas e governar o país”.
Ele alerta também dos riscos, do ponto de vista eleitoral, do surgimento de figuras "sem base partidária, sem sustentação e com propostas mirabolantes e miraculosas de salvação", a exemplo do que aconteceu com Jânio Quadros em 1961 e Fernando Collor em 1989.
Eduardo Giannetti é graduado em economia e em ciências sociais pela USP e Ph.D. em economia pela Universidade de Cambridge, além de autor de vários livros como “Vicios Privados, Benefícios Públicos”, “O Valor do Amanhã” e “Auto-engano”. Matéria da jornalista Érica Fraga, que segue abaixo.
A reversão brusca nas expectativas de melhora nas condições de vida dos brasileiros, provocada pela crise econômica, criou um risco elevado de radicalização do ambiente político.
A opinião é do economista Eduardo Giannetti da Fonseca, que foi assessor da ex-senadora Marina Silva em suas campanhas pela Presidência, em 2010 e 2014.
Intelectual e autor de livros sobre economia e filosofia, Giannetti acha que será inevitável a procura dos brasileiros por um candidato fora do quadro político tradicional quando ocorrerem as novas eleições.
"Podem surgir figuras sem base partidária, sem sustentação e com propostas mirabolantes e miraculosas de salvação", diz o economista. Leia a entrevista.
Folha - Que impacto a turbulência política, que aumentou nos últimos dias, pode ter sobre a economia?
Eduardo Giannetti da Fonseca - O impacto imediato e inequívoco é a instabilidade nos mercados financeiros. Para a economia real, não há um impacto tão dramático a curto prazo. Mas significa que a incerteza continuará cada vez maior.
Com um cenário tão conturbado como o que o Brasil está vivendo agora, não há nenhuma expectativa de que se altere esse quadro. Pelo contrário. Acho que os investimentos tendem a continuar caindo. Estamos caminhando para mais um ano de recessão, em um patamar análogo ao do ano passado.
Qual pode ser a consequência social dessa situação?
A grande pergunta que eu me faço é até onde o tecido social brasileiro suporta o aumento do desemprego que vem ocorrendo. O agravante é que não é como nos anos 1980 e no início dos 1990, quando havia uma situação de crise crônica no país e as pessoas já tinham se adaptado a viver naquela situação.
Agora estamos vivendo a maior reversão de expectativas em um curto período de tempo que o país já passou. Há poucos anos, a expectativa era que a vida ia melhorar, as coisas tendiam sempre a caminhar para a melhora na renda, no emprego, nas oportunidades. Em um curto período de tempo, vivemos uma guinada radical para uma situação de muita angústia, incerteza e medo em relação ao futuro.
Não sei até que ponto a sociedade brasileira vai aceitar uma situação que se reverteu de forma tão dramática. Acho que estamos caminhando para manifestações de peso e eventualmente uma radicalização perigosa nas ruas.
Qual é o risco político disso?
Acho quase inevitável, com o mandato terminando antecipadamente ou na eleição de 2018, o eleitorado buscar pessoas de fora do establishment político. Isso já está ocorrendo de uma forma ou de outra no mundo inteiro pelo desgaste das formas tradicionais de representação.
Mas eu tendo a crer que, no caso brasileiro, isso tende a ir mais longe. O que é um ambiente muito perigoso para a ordem democrática. Podem surgir figuras sem base partidária, sem sustentação e com propostas mirabolantes e miraculosas de salvação.
O Brasil no passado já vivenciou coisas desse tipo. A vitória de Jânio [Quadros, em 1961], de certa maneira, foi isso. E a vitória de [Fernando] Collor [em 1989], certamente, foi isso. Foram duas figuras que vieram do nada, sem estrutura, e que repentinamente apareceram como salvadores. E os dois casos com resultados muito traumáticos para a ordem democrática.
É possível que o governo consiga tomar medidas que revertam a crise econômica?
Por mais boa vontade que eu tente encontrar dentro de mim, não vejo esse governo com capacidade de retomar o mínimo de iniciativa. Ele perdeu o controle do processo político de forma irrecuperável. O melhor cenário para ele agora é ir se arrastando e sangrando até o fim do mandato. Eu não imagino uma recuperação de governabilidade com capacidade de iniciativa no mandato da Dilma.
A lógica do presidencialismo de coalizão é: eu faço concessões, eu entrego ministérios, cedo estatais, dou verbas e, em troca, conquisto uma base de sustentação que me permite tomar iniciativas e governar o país. O segundo governo Dilma já nasceu incapaz de conquistar essa governabilidade e, de lá para cá, o quadro só piorou.
Essa é a falência de um presidencialismo de coalizão que já vinha claudicante, se tornando disfuncional, mas que agora chegou ao limite.
A solução seria mudar esse modelo de governança?
Vamos precisar de uma reforma política, sem dúvida nenhuma. O Congresso eleito à sombra da eleição majoritária para o Executivo fica muito desprestigiado.
As pessoas não lembram alguns meses depois em quem votaram para deputado ou para senador. E não há representação nenhuma. A sociedade civil não se reconhece nos representantes que ela mesma elegeu. Vamos ter de caminhar para um sistema distrital misto. Para trazer o representante mais para perto do eleitor.
Do lado econômico, qual é a agenda mais urgente?
Em 1988 foi feita uma opção pelo Estado federativo. Decidimos repassar as atribuições típicas do setor público para os Estados e os municípios. Se tudo tivesse corrido dentro do script, o que teria acontecido? Um aumento dos gastos nos Estados e municípios em áreas como educação e saúde, que teria correspondido a uma diminuição do gasto do governo central. Mas os números mostram que os três níveis de governo passaram a crescer ao mesmo tempo. A União cresceu até mais do que os Estados e os municípios.
E como a União financiou esse aumento de gastos, dado que ela é obrigada a compartilhar os impostos tradicionais? Ela se serviu de uma modalidade de tributo que era para ser exceção e virou regra, que é a contribuição.
Como solucionar isso?
Acho que o dinheiro público deve ser gasto o mais próximo possível de onde ele é arrecadado. Só deve ir para Brasília o dinheiro que é estritamente do governo central e o dinheiro da redistribuição regional. Mas tem que descentralizar a autoridade para tributar. Os Estados e os municípios deveriam ficar responsáveis pelas atividades típicas de setor público do lado do gasto, mas também arrecadar localmente e financiar com arrecadação próxima os seus gastos. E Brasília vai ter de encolher.
Será que existirá consenso na sociedade para que mudanças como essa sejam feitas?
A sociedade precisa encontrar forças para enfrentar os problemas. A questão é quanto vai ter que aumentar o sofrimento para que a sociedade mobilize a vontade necessária de mudar. Era a pergunta que fazíamos na época da inflação.
06 de março de 2016
Nunca houve reversão de expectativas tão rápida, diz Eduardo Giannetti |
A reversão brusca nas expectativas de melhora nas condições de vida dos brasileiros, provocada pela crise econômica, criou um risco elevado de radicalização do ambiente político.
A opinião é do economista Eduardo Giannetti da Fonseca, que foi assessor da ex-senadora Marina Silva em suas campanhas pela Presidência, em 2010 e 2014.
Intelectual e autor de livros sobre economia e filosofia, Giannetti acha que será inevitável a procura dos brasileiros por um candidato fora do quadro político tradicional quando ocorrerem as novas eleições.
"Podem surgir figuras sem base partidária, sem sustentação e com propostas mirabolantes e miraculosas de salvação", diz o economista. Leia a entrevista.
Folha - Que impacto a turbulência política, que aumentou nos últimos dias, pode ter sobre a economia?
Eduardo Giannetti da Fonseca - O impacto imediato e inequívoco é a instabilidade nos mercados financeiros. Para a economia real, não há um impacto tão dramático a curto prazo. Mas significa que a incerteza continuará cada vez maior.
Com um cenário tão conturbado como o que o Brasil está vivendo agora, não há nenhuma expectativa de que se altere esse quadro. Pelo contrário. Acho que os investimentos tendem a continuar caindo. Estamos caminhando para mais um ano de recessão, em um patamar análogo ao do ano passado.
Qual pode ser a consequência social dessa situação?
A grande pergunta que eu me faço é até onde o tecido social brasileiro suporta o aumento do desemprego que vem ocorrendo. O agravante é que não é como nos anos 1980 e no início dos 1990, quando havia uma situação de crise crônica no país e as pessoas já tinham se adaptado a viver naquela situação.
Agora estamos vivendo a maior reversão de expectativas em um curto período de tempo que o país já passou. Há poucos anos, a expectativa era que a vida ia melhorar, as coisas tendiam sempre a caminhar para a melhora na renda, no emprego, nas oportunidades. Em um curto período de tempo, vivemos uma guinada radical para uma situação de muita angústia, incerteza e medo em relação ao futuro.
Não sei até que ponto a sociedade brasileira vai aceitar uma situação que se reverteu de forma tão dramática. Acho que estamos caminhando para manifestações de peso e eventualmente uma radicalização perigosa nas ruas.
Qual é o risco político disso?
Acho quase inevitável, com o mandato terminando antecipadamente ou na eleição de 2018, o eleitorado buscar pessoas de fora do establishment político. Isso já está ocorrendo de uma forma ou de outra no mundo inteiro pelo desgaste das formas tradicionais de representação.
Mas eu tendo a crer que, no caso brasileiro, isso tende a ir mais longe. O que é um ambiente muito perigoso para a ordem democrática. Podem surgir figuras sem base partidária, sem sustentação e com propostas mirabolantes e miraculosas de salvação.
O Brasil no passado já vivenciou coisas desse tipo. A vitória de Jânio [Quadros, em 1961], de certa maneira, foi isso. E a vitória de [Fernando] Collor [em 1989], certamente, foi isso. Foram duas figuras que vieram do nada, sem estrutura, e que repentinamente apareceram como salvadores. E os dois casos com resultados muito traumáticos para a ordem democrática.
É possível que o governo consiga tomar medidas que revertam a crise econômica?
Por mais boa vontade que eu tente encontrar dentro de mim, não vejo esse governo com capacidade de retomar o mínimo de iniciativa. Ele perdeu o controle do processo político de forma irrecuperável. O melhor cenário para ele agora é ir se arrastando e sangrando até o fim do mandato. Eu não imagino uma recuperação de governabilidade com capacidade de iniciativa no mandato da Dilma.
A lógica do presidencialismo de coalizão é: eu faço concessões, eu entrego ministérios, cedo estatais, dou verbas e, em troca, conquisto uma base de sustentação que me permite tomar iniciativas e governar o país. O segundo governo Dilma já nasceu incapaz de conquistar essa governabilidade e, de lá para cá, o quadro só piorou.
Essa é a falência de um presidencialismo de coalizão que já vinha claudicante, se tornando disfuncional, mas que agora chegou ao limite.
A solução seria mudar esse modelo de governança?
Vamos precisar de uma reforma política, sem dúvida nenhuma. O Congresso eleito à sombra da eleição majoritária para o Executivo fica muito desprestigiado.
As pessoas não lembram alguns meses depois em quem votaram para deputado ou para senador. E não há representação nenhuma. A sociedade civil não se reconhece nos representantes que ela mesma elegeu. Vamos ter de caminhar para um sistema distrital misto. Para trazer o representante mais para perto do eleitor.
Do lado econômico, qual é a agenda mais urgente?
Em 1988 foi feita uma opção pelo Estado federativo. Decidimos repassar as atribuições típicas do setor público para os Estados e os municípios. Se tudo tivesse corrido dentro do script, o que teria acontecido? Um aumento dos gastos nos Estados e municípios em áreas como educação e saúde, que teria correspondido a uma diminuição do gasto do governo central. Mas os números mostram que os três níveis de governo passaram a crescer ao mesmo tempo. A União cresceu até mais do que os Estados e os municípios.
E como a União financiou esse aumento de gastos, dado que ela é obrigada a compartilhar os impostos tradicionais? Ela se serviu de uma modalidade de tributo que era para ser exceção e virou regra, que é a contribuição.
Como solucionar isso?
Acho que o dinheiro público deve ser gasto o mais próximo possível de onde ele é arrecadado. Só deve ir para Brasília o dinheiro que é estritamente do governo central e o dinheiro da redistribuição regional. Mas tem que descentralizar a autoridade para tributar. Os Estados e os municípios deveriam ficar responsáveis pelas atividades típicas de setor público do lado do gasto, mas também arrecadar localmente e financiar com arrecadação próxima os seus gastos. E Brasília vai ter de encolher.
Será que existirá consenso na sociedade para que mudanças como essa sejam feitas?
A sociedade precisa encontrar forças para enfrentar os problemas. A questão é quanto vai ter que aumentar o sofrimento para que a sociedade mobilize a vontade necessária de mudar. Era a pergunta que fazíamos na época da inflação.
06 de março de 2016
Érica Fraga de São Paulo
in notícias da paulicéia
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