"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 31 de março de 2016

DISTORCENDO A VERDADE E OBSTRUINDO A JUSTIÇA





A Folha de S. Paulo* distorceu os fatos – e alimentou a militância virtual petista – ao destacar em manchete: “Sergio Moro pede desculpas ao STF por divulgar grampos de Lula e Dilma”. O juiz federal responsável pelos processos da Operação Lava Jato não pediu desculpas pela decisão de divulgá-los.

Para evitar confronto com o Supremo, Moro simplesmente admitiu que a questão da divulgação – ou seja: da retirada de sigilo das gravações feitas com escutas legais em telefones de investigados – é controversa e que sua decisão pode ser considerada correta ou incorreta. Mas a bancou.

O trecho é cristalino para quem entende português:

“Compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”.

Em deferência ao STF, Moro pediu “respeitosas escusas” pelos “efeitos” (polêmicas e constrangimentos alheios que não tinha intenção de provocar), não pela decisão da dar publicidade das conversas de Lula, inclusive daquela em que Dilma lhe diz para usar o termo de posse de ministro da Casa Civil “em caso de necessidade”.

Tanto que Moro defendeu esta decisão, afirmando que o tema é relevante para a tese de que Lula poderia obstruir a Justiça ao adquirir foro privilegiado.

“Quanto ao conteúdo, da mesma forma que os demais, entendeu este julgador que ele tinha relevância jurídico-criminal para o ex-Presidente, já que presente a apuração se a aceitação por ele do cargo de Ministro Chefe da Casa Civil teria por objetivo obter proteção jurídica contra as investigações.”

Evitando alimentar a polêmica, Moro diz que não percebeu “eventuais e possíveis reflexos” para Dilma:

“Considerando que a investigação tinha por foco condutas supostamente criminais do ex-Presidente e o conteúdo, na perspectiva criminal, juridicamente relevante do diálogo para ele, entendi que não haveria óbice na interceptação e no levantamento do sigilo. No momento, de fato, não percebidos eventuais e possíveis reflexos para a própria Exma. Presidenta da República.”

Cabe ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, perceber e investigar esses “reflexos”, de modo que Moro faz bem em afirmar que nada percebeu.

“Se o referido diálogo não tinha conteúdo jurídico-criminal relevante para a Exma. Sra. Presidenta da República, então não havia causa para, em 16/03, determinar a competência do Supremo Tribunal Federal, o que só ocorreria com a posse do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cargo de Ministro Chefe da Casa Civil, então marcada para 22/03/2016, depois antecipada para 17/03/2016″.

Moro registra, portanto, que a posse de Lula foi antecipada – na verdade, acelerada para garantir o salvo-conduto contra a prisão -, mas diz não haver indicativos, em princípio(!), de que Dilma tenha atuado para influenciar, intimidar ou obstruir a Justiça.

Por isso, o simples fato de ela aparecer nas conversas não exige que o caso seja remetido de pronto ao STF. “Pela relevância desse diálogo para o investigado, não há [que se] falar em direito da privacidade a ser resguardado, já que ele é relevante jurídico-criminalmente para o ex-Presidente”.

Elegantemente, Moro se limita a afirmar que teve a intenção de prevenir novas condutas de obstrução da Justiça por parte de Lula – o investigado -, mas é evidente que a divulgação das conversas, na prática, poderia prevenir justamente a atuação de autoridades com foro especial, como Dilma, no sentido de ajudá-lo, bem como a concretização desta ajuda – motivo pelo qual a decisão relâmpago de Moro merece o respeito de todos os cidadãos de bem deste país.

“Entendeu este Juízo que, nesse contexto, o pedido do MPF de levantamento do sigilo do processo se justificava exatamente para prevenir novas condutas do ex-Presidente para obstruir a Justiça, influenciar indevidamente magistrados ou intimidar os responsáveis pelos processos atinentes ao esquema criminoso da Petrobras.”

É justamente para encobrir o apontamento dessas “interferências indevidas” de Lula nas investigações que os petistas distorcem as “escusas” do juiz que o investiga, chegando ao cúmulo de transformá-las em confissão de crime.

“O propósito não foi, portanto, político-partidário, mas sim, além do cumprimento das normas constitucionais da publicidade dos processos e da atividade da Administração Públicas, prevenir obstruções ao funcionamento da Justiça e à integridade do sistema judicial frente a interferências indevidas”.

Parabéns, Moro. O Brasil agradece.

PS1: Sobre a conversa de Lula com o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (PMDB), Moro explicou o óbvio: que o diálogo é importante porque o peemedebista fala abertamente do sítio de Atibaia, reformado por empreiteiras do petrolão (OAS e Odebrecht), como sendo do ex-presidente.

PS2: Moro justificou também a interceptação de conversas com Roberto Teixeira, compadre e advogado de Lula, suspeito de encobrir a compra do sítio de Atibaia. “Se o advogado se envolve em condutas criminais, no caso suposta lavagem de dinheiro por auxiliar o ex-Presidente na aquisição com pessoas interpostas do sítio em Atibaia, não há imunidade à investigação a ser preservada, nem quanto à comunicação dele com seu cliente também investigado.”

PS3: Moro acrescentou ainda que há uma “quantidade bem maior de diálogos interceptados“, incluindo conversas com advogados e outros de “índole eminentemente privada”, que não foram divulgados e serão remetidos ao STF “em mãos e com as cautelas devidas”. “Não seria correto, portanto, afirmar que os diálogos foram juntados ao processo sem o maior cuidado.”

Agora chega de mimimi, senhor Teori “Da Conspiração” Zavascki.
Devolva Lula a Moro. O homem merece.

(* Atualização: A Folha corrigiu o erro após a minha crítica, feita inicialmente no Twitter. Que bom.)

31 de março de 2016
Felipe Moura Brasil é colunista da Revista Veja, em cujo blog foi publicado em 29 de março de 2016.

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