"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ROBERTO MARINHO TENTOU FAZER BRIZOLA ABORTAR O PROJETO DOS CIEPS



Brizola se enganou ao pensar que Marinho apoiaria os CIEPs














Não poderia publicar uma matéria sobre os CIEPs sem dar um depoimento pessoal, por mais que me doam algumas das lembranças hoje sopesadas na distância desses 30 anos. Tive o privilégio de ver esse programa nascer e acompanhar cada passo da sua implantação. Talvez seja o jornalista que mais colocou os pés dentro dessas escolas, em muitas delas quando ainda se encontravam na fundação.
Estive no Palácio Guanabara, como jornalista e assessor de imprensa, nos dois governos Brizola (1983-1987 e 1991-1995). Cheguei em 1984 para participar de um projeto jornalístico, cujo objetivo era criar um caderno noticioso dentro do Diário Oficial do Estado, o D.O. Notícias, como ficou conhecido, uma estratégia para tentar enfrentar o cerco da mídia contra o governo. Fui designado pelo editor, Fernando Brito, mais tarde assessor-chefe de imprensa do governador, para cobrir as áreas de educação e esportes.
Passávamos os dias como combatentes às vésperas de uma grande batalha naqueles primeiros meses. Brizola conquistara o governo fluminense superando grandes obstáculos, desde atentados à sua vida até a fraude da Proconsult, uma tentativa desesperada de impedir sua chegada ao governo fluminense.
QUEDA DA BASTILHA
Havia uma enorme expectativa em torno dele desde a posse no Palácio Guanabara, que mais pareceu a queda da Bastilha, com o povo ocupando de forma descontrolada aquele símbolo de poder. Afinal, nos estertores da ditadura, cada naco de poder reconquistado pelo povo era valioso. Vigiado de perto pelos militares, que permaneciam ainda no controle, bombardeado pela mídia conservadora e sufocado economicamente, Brizola tinha pouco espaço de manobra. Até que algo aconteceu.
“Agora esse governo começou!”, lembro bem da exultação do Brito ao voltarmos da apresentação do projeto dos CIEPs, com a presença de Brizola, Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer, no Salão Verde do Palácio Guanabara. Uma revolução havia sido colocada em marcha. Estava claro para todos nós.
Brizola não tinha condições políticas de retomar naquele momento, como nunca mais teve, a reforma agrária e as outras reformas de base preconizadas por ele e por Jango em 64. No entanto, cria como ninguém no poder transformador da educação. Órfão de pai, que morreu emboscado ao retornar da última revolução farroupilha, em 1922, ano do seu nascimento, Brizola e seus irmãos foram alfabetizados pela mãe em Carazinho, interior do Rio Grande do Sul. Calçou os primeiros sapatos e usou a primeira escova de dentes aos 12 anos, na casa de um reverendo metodista, cuja família o adotou. Pode, então, estudar até formar-se em engenheiro. Fora salvo pela educação.
UMA REALIDADE DIFERENTE
Quando governador do Rio Grande do Sul (1958-1962), construiu nada medos do que 6.300 escolas. “Nenhum município sem escola”, era o lema. Mas a realidade do Rio de Janeiro nos anos 80 era bem diferente. Ao retornarem do exílio, após 15 anos, Brizola e Darcy se depararam com a obra macabra da ditadura: o inchaço das grandes cidades, a favelização, a desestruturação familiar e o surgimento do crime organizado, que separavam, como bem sabemos hoje, nossos jovens de seu futuro. Aquelas escolinhas alfabetizadoras e formadoras de mão-de-obra técnica e rural do Rio Grande do Sul não resolveriam o problema do Rio de Janeiro pós-golpe.
A solução: uma escola integral em turno único, ofertando educação, cultura e cidadania; mantendo os jovens durante todo o dia longe das ruas e da sedução do crime organizado; dando alimentação, assistência médica, esportes e muito mais. Tudo isso, porém, tinha um custo e exigiria a ruptura de um velho paradigma da política brasileira – de que os recursos públicos sejam colocados à disposição das nossas elites e não do povo. A inobservância desse princípio levou o presidente Getúlio Vargas ao desespero e suicídio; o presidente João Goulart à morte no exílio e a presidente Dilma, agora, a um completo isolamento político, culpados, todos eles, por fazerem transferência direta dos recursos públicos para o povo e não para as elites.
COM ROBERTO MARINHO
Logo após o lançamento do programa dos CIEPs, Brizola ainda tentou estoicamente obter o apoio do então presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho. Sabia o quanto ele seria capaz de influenciar, para o bem ou para o mal. Apresentou-lhe pessoalmente o projeto e nos relatou depois:
“Ele olhou, olhou, olhou e não disse uma palavra. Em uma segunda oportunidade em que nos encontramos, eu cobrei: ‘Então, doutor Roberto, o que achou do nosso projeto’. Então ele disse: ‘Olha, governador, se o senhor quer construir escolas, está muito bem. Mas não precisa disso tudo. Faça umas escolinhas… Pode até fazê-las bonitinhas, tipo uns chalezinhos…’.” Depois disso não houve mais diálogo entre eles.
Os CIEPs começaram a brotar do chão com a arquitetura inconfundível de Oscar Niemeyer. Eu fazia sobrevoos de helicóptero para fotografar as obras e, vistas do alto, indisfarçáveis, pareciam pragas que irrompiam da terra árida dos subúrbios e das cidades da Baixada Fluminense. Era a praga rogada pelo povo esquecido que, enfim, tomava sua forma visível e ameaçadora, pois apontava para uma nova ordem.
“As gerações formadas pelos CIEPs farão por este País aquilo que nós não pudemos ou não tivemos a coragem de fazer”, afirmava Brizola. Esta, e só esta, é a razão do ódio e do horror que essas escolas incutem até hoje em nossas elites.
ESTÃO AÍ, DEGRADADOS
Eles ainda estão aí. Descaracterizados, desconstruídos, desativados, degradados. Mas cada um desses 508 Cieps ainda traz consigo a semente da grande revolução sonhada por Brizola e Darcy. São quinhentas “toras guarda-fogo” feitas de concreto armado, uma imagem dos pampas gaúchos com que Brizola gostava de ilustrar o futuro do nosso povo:
“Às vezes a fogueira do gaúcho parece ter-se apagado à noite, mas existe sempre a tora guarda-fogo, que esconde aquela centelha interior. Pela manhã, basta assoprá-la para a chama ressurgir.”
(artigo enviado pelo comentarista Mário Assis Causanilhas)

27 de novembro de 2015
Luiz Augusto Erthal

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