"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 15 de novembro de 2014

A MADRUGADA E O DIA DE HOJE, EM 1889



Marechal Deodoro era monarquista
 
Na madrugada de 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca ardia de febre em sua casinha de três quartos e sala, numa transversal do Campo de Santana, depois Praça da República. Dias antes havia recebido uma comissão de ilustres republicanos empenhados em aliciá-lo para a causa, mas opinara que a mudança do regime só deveria acontecer após a morte do Imperador. Era amigo pessoal de D. Pedro II.
 
Na noite anterior dois regimentos e um batalhão aquartelados em São Cristóvão tinham-se rebelado, ocupando o Campo de Santana, bem defronte ao prédio do ministério da Guerra. Seus oficiais queriam a destituição do primeiro-ministro, Visconde de Ouro Preto, acusado de pretender dissolver o Exército, força cada vez mais influente depois da Guerra do Paraguai.
 
Os insurgentes, com seus canhões apontados para o ministério, onde estavam reunidos os ministros, ressentiam-se da presença de um chefe de prestígio. Alguém lembrou que quadras adiante morava Deodoro, posto em desgraça e mandado para a reserva por desavenças com Ouro Preto.

Conta a lenda que a mulher do marechal recebeu os emissários com um cabo de vassoura na mão, tentando impedir que perturbassem o marido.
Deodoro os recebeu e ouviu os boatos da hora: a ordem de sua prisão estava assinada, além da dissolução do Exército, que a Guarda Nacional substituiria. Irritado, com a febre aumentada, fardou-se, disposto a chefiar o motim.
Estava fraco, não conseguiu montar o cavalo posto á sua disposição, embarcando numa charrete que, passando pela avenida do Mangue, seguiria para os quartéis em São Cristóvão. No meio do caminho é surpreendido por tropa armada, até com banda de música, que iria aderir aos sediciosos. Faz meia volta e dirige-se ao prédio do ministério da Guerra.
 
Ouro Preto e seus ministros olhavam pela janela a movimentação dos canhões rebelados, tendo o primeiro-ministro convocado o Secretário-Geral do Exercito, marechal Floriano Peixoto, comandante das forças legalistas, por sinal acantonadas na parte de trás do ministério.
Apontando para os canhões, ordenou que fossem tomados a baioneta pela tropa a seu dispor. Diante das ponderações sobre dificuldades, afirmou que no Paraguai, em condições mais adversas, “as peças inimigas haviam sido conquistadas com arma branca.
Floriano, fleumático, sentenciou o que aconteceria minutos depois: “É, mas lá nós lutávamos contra paraguaios…”
 
Deodoro chegou aos portões do ministério, exigiu que fossem abertos e já montado num cavalo baio, irrompeu pelo pátio e as escadarias, cercado pela tropa rebelada que gritava “Viva Deodoro! Viva Deodoro!”
 
O movimento, no entender do velho militar, visava a deposição de Ouro Preto. No gesto característico de seu comando no Paraguai, ele tirou várias vezes o boné, saudando os companheiros, e gritando “Viva o Imperador! Viva o Imperador!”
 
Subiram ao andar onde estava reunido o ministério, misturado com os republicanos históricos, alertados para a oportunidade. Ouro Preto não se levanta e escuta as queixas de Deodoro sobre a perseguição ao Exército. A febre aumentara e o marechal repetia diversas vezes o argumento de que “nós que nos sacrificamos nos pântanos do Paraguai não merecermos isso”.
 
Arrogante, pretensioso e elitista, Ouro Preto o interrompe para dizer: “olha aqui, marechal, maior sacrifício do que fizeram nos pântanos do Paraguai estou fazendo eu aqui ao ouvir as baboseiras de Vossa Excelência!”
Passaram-se poucos segundos antes que Deodoro repetisse tradicional frase castrense: “esteja todo mundo preso!”
 
De Benjamim Constant a Quintino Bocauiúva, Aristides Lobo, Rui Barbosa e outros republicanos que caberiam numa kombi, se kombis já existissem, veio a tentação para que Deodoro aproveitasse o episódio e proclamasse a República. O militar hesitou mas cedeu ao argumento de Benjamin Constant: “e mais, marechal, a República terá que ser governada por um ditador, e o ditador é o senhor!”
 
Dizem que a febre passou e os olhos de Deodoro se arregalaram. A tropa vitoriosa empreendeu um desfile pela rua Larga e adjacências. Deodoro voltou para casa, caiu em sono profundo e os republicanos trataram de redigir os primeiros decretos da recém nascida República. À tarde, foram à casa do marechal, que pretendeu dar o dito pelo não dito, ou o proclamado pelo não proclamado, mas cedeu aos apelos da multidão organizada por José do Patrocínio na porta de sua casa.
 
A República estava nascendo. O Imperador, que naquela manhã havia descido de Petrópolis, de trem, permaneceu na Quinta da Boa Vista, onde recebeu ordens para exilar-se, com a família. Militares mais exaltados haviam proposto que fossem todos fuzilados, mas Deodoro reagiu com vigor, ainda mandando que fosse votada uma verba para família real sustentar-se lá fora. D. Pedro II declinou…

15 de novembro de 2014
Carlos Chagas

Nenhum comentário:

Postar um comentário