"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

HUMILHAÇÃO COLETIVA NO PAÍS DA COPA

No mesmo país em que alguns aguardam com ansiedade pela realização de grandes eventos esportivos, 1,5 milhão de pessoas espera desde o fim da madrugada para ingressar em uma repartição pública. Quando chega a sua vez, são obrigadas a retirar, peça por peça, a roupa que vestem.
Já nuas, mostram suas partes íntimas a funcionários públicos, agacham três vezes sobre um espelho, contraem os músculos. Nada passa sem ser inspecionado. Quem é aprovado no processo, ganha, como prêmio de consolação, o direito de entrar.

Pode parecer uma cena de filme surrealista, mas não é: todas as semanas, esses brasileiros e brasileiras abdicam da própria dignidade para acessar uma repartição pública. E por que alguém se sujeitaria a isso? Ocorre que essa repartição abriga mais de 500 mil presos, acusados ou condenados de terem cometido crimes. É o sistema prisional brasileiro.

O martírio acomete qualquer um que queira visitar o familiar que está do lado de lá das grades. Até mesmo crianças, idosos e gestantes passam pelo procedimento medieval conhecido como revista vexatória.

Para as autoridades, a manutenção da segurança das unidades justifica a humilhação coletiva. Dados apresentados pela Rede Justiça Criminal, baseados em documentos oficiais do governo paulista, revelam a fragilidade do argumento: em apenas 0,03% das revistas são encontrados objetos proibidos, ou seja, três casos a cada 10 mil revistas.

Além de inócuas, as revistas vexatórias têm como cruel consequência a redução no número de visitas, já que os próprios presos não querem submeter suas mães, esposas e filhos ao procedimento. O Estado, assim, coloca em risco os laços afetivos das pessoas sob sua custódia e mina suas chances de reintegração na sociedade.

De acordo com a ONU, as revistas vexatórias devem ser proibidas por constituírem maus-tratos e podem ser até consideradas tortura, dependendo da forma como são praticadas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos também já condenou o procedimento, assim como a Corte Europeia de Direitos Humanos.

Não precisamos nos apegar ao que dizem os organismos internacionais, no entanto, para saber que a revista vexatória deve deixar de existir. A própria Constituição já a proíbe, ao garantir a dignidade humana e a inviolabilidade da intimidade como direitos fundamentais.

A Rede Justiça Criminal, em parceria com o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, lançou uma campanha nacional para pôr fim à revista vexatória no país. Aos incrédulos, é bom destacar que os estados de Goiás e Espírito Santo, assim como as cidades de Joinville (SC) e Recife (PE), já proibiram esse tipo de revista. Não se registraram aumentos na insegurança em suas unidades prisionais.

É necessário acabar com essa prática cruel no país que, se de um lado anuncia com pompa a Copa das Copas, do outro humilha mulheres, crianças e idosas todos os dias, apenas por serem familiares de presos.

 
16 de maio de 2014
Vivian Calderoni e Flavio Siqueira Jr., Gazeta do Povo, PR

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