"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 4 de maio de 2014

DUGUINISMO E IGNORÂNCIA


 Artigos - Globalismo
Mesmo nos EUA foi preciso muito tempo para que o duguinismo chegasse a despertar alguma reação inteligente, mesmo nos círculos mais diretamente envolvidos nos altos debates da
política externa americana.

Os leitores deste jornal são em geral empresários, pessoas com grande responsabilidade na área econômico-social, e é da máxima importância que tomem suas decisões estratégicas com base em informações fidedignas.

Lembro a esses leitores que há nove anos venho aqui fazendo análises e previsões que nunca, nem uma única vez, a passagem do tempo e o acúmulo de fatos deixaram de confirmar.
E as mais confirmadas de todas vieram a ser especialmente aquelas que, num primeiro momento, mais foram alvos de chacota, deboche e negações peremptórias, proferidas com ares de desprezo olímpico pelos representantes da grande mídia e do establishment universitário e repetidas infindavelmente por estudantes e blogueiros semi-analfabetos.

O caso do Foro de São Paulo é somente o mais notório. Menos vistoso, porém incomparavelmente mais importante, é o prof. Alexandre Duguin (alguns preferem escrever “Dugin”), cujo papel decisivo no cenário mundial os “formadores de opinião”, tanto jornalísticos quanto universitários, insistem em ignorar ou minimizar, mantendo assim o público na total obscuridade quanto a  fatores cruciais que determinam o curso das coisas na política internacional.


Em 2011 tive com esse eminente pensador e estrategista russo um longo debate por internet, que se prolongou de março a julho e cujo texto integral foi depois publicado pela Vide Editorial, de Campinas (Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um Debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho, 2012), sendo também acessível, em versão inglesa, no site do Inter-American Institute (www.theinteramerican.com).

Aceitei o debate porque já acompanhava o desenvolvimento das idéias do Prof. Duguin desde pelo menos 2003, tendo sido o primeiro a mencionar-lhe o nome na mídia nacional, num tempo em que até nos EUA ele era praticamente ignorado (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/030426globo.htm). Naquela época a doutrina que ele compartilhava com o escritor Eduard Limonov  ainda era conhecida como “nacional-bolchevismo”.
Ao romper com Limonov, uns anos depois, ele trocou o nome do sistema para “eurasianismo”, e os motivos da ruptura me chamaram a atenção: Limonov, crítico feroz da administração Putin, foi parar na cadeia, enquanto Duguin, filho de um oficial da KGB, recebia do governo russo toda sorte de homenagens e favores.
Aos poucos a coerência entre a estratégia político-militar de Vladimir Putin e os preceitos do eurasianismo mostrou ser muito mais que mera coincidência, especialmente quando se soube que Putin havia colocado à disposição do Prof. Duguin um vasto escritório repleto de assessores, tudo pago pelo Estado.

Na época do debate, já estava claro que o eurasianismo era literalmente a estratégia do governo russo, e de que sem o conhecimento aprofundado do pensamento do prof. Duguin era tão impossível compreender as ações de Putin quanto seria inviável compreender a política externa americana, de Eisenhower a Gerald Ford, ignorando as idéias de Henry Kissinger.

O motivo inicial que levou os iluminados opinadores a achincalhar essa obviedade como um produto extravagante da minha mente insana foi, claramente, o natural despeito do ignorante ante coisas que estão acima da sua capacidade de compreensão.

As idéias do prof. Duguin são uma síntese complexa dos seguintes elementos: o marxismo-leninismo-stalinismo, a geopolítica de Halford J. Mackinder e Karl Haushoffer, o messianismo russo de Aleksei Khomiakov, Nicolai Danilevski, Fiodor Dostoiévski e Vladimir Soloviev, o islamismo, o esoterismo de René Guénon e Julius Evola, bem como o pensamento “revolucionário conservador” (protonazista) de Moeller van den Bruck e Edgar Julius Jung.

Existe alguém, nos meios jornalísticos e acadêmicos deste país, que conheça todas essas áreas do pensamento pelo menos o suficiente para entender do que o prof. Duguin está falando? Não existia em 2003, não existia em 2011 e não existe agora.

Feliz ou infelizmente, com exceção de van der Bruck e Edgar Jung, que só depois disso vieram a atrair o meu interesse, todos os outros mencionados eram autores que eu já vinha estudando desde trinta anos antes do meu confronto com o prof. Duguin.
O eurasianismo apresentou-se para mim, portanto, com uma inteligibilidade imediata que era absolutamente inacessível à classe intelectual  brasileira. Esta só podia reagir à novidade estranha e indigerível de duas maneiras: fingindo desprezo, como a raposa da fábula, ou prosternando-se em adoração hipnótica ante a força do incompreensível. O público a quem chega alguma informação sobre o duguinismo divide-se, pois, em despeitados e deslumbrados.

Mesmo nos EUA foi preciso muito tempo para que o duguinismo chegasse a despertar alguma reação inteligente, mesmo nos círculos mais diretamente envolvidos nos altos debates da política externa americana.

O último número da Foreign Affairs trouxe um artigo interessante de Anton Barbashin e Hannah Thoburn, “Putin’s Brain: Alexander Dugin and the Philosophy Behind Putin's Invasion of Crimea” (http://www.foreignaffairs.com/articles/141080/anton-barbashin-and-hannah-thoburn/putins-brain) , e na National Review de 3 de março Robert Zubin apareceu escrevendo sobre “The Eurasianist Threat” (http://www.nationalreview.com/article/372353/eurasianist-threat-robert-zubrin) (*). Já é um começo. Mas a compartimentação dos estudos universitários americanos em especialidades estanques ainda é um obstáculo à compreensão do duguinismo, um sistema que, com todos os acertos notáveis e erros monstruosos que contém, se notabiliza antes de tudo pelo universalismo abrangente dos seus interesses e perspectivas.

04 de maio de 2014
Olavo de Carvalho
Traduzido e publicado pelo Mídia Sem Máscara
Publicado no Diário do Comércio.

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