"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 7 de dezembro de 2013

O CÃO NEGRO PERSEGUE E ASSOMBRA O BRASIL

 

Por volta de 1997, o diretor e ator Roberto Benigni lançou um belo filme, drama e comédia, cujo roteiro contava infeliz história ocorrida, pelos anos de 1940, em campo de concentração nazista na Itália.
A narrativa girava em torno do esforço sobre-humano de um sofrido pai (o próprio Benigni) em fazer o pequeno filho acreditar que ambos participavam de uma brincadeira como dois prisioneiros de guerra, jamais como presos dos alemães, na tentativa desesperada de protegê-lo do terror e da violência com que os monstros tedescos maltratavam suas vítimas indefesas.
O esforço empregado era imenso e nem sempre disfarçavam o indisfarçável. O tempo vai passando até que um final muito triste põe fim naquela barbárie.

Anos depois, no Brasil, conhecido jornalista, corajoso e atrevido, juntando peças da inteligência com as forças da coragem, publicava uma crônica excepcional a que denominou “A aparição do cão negro”. Para muitos, tratava-se de apurada parábola da descrição da alma humana acometida de depressão.

Político polêmico, superior no debate e na argumentação, o distúrbio psíquico costumava atacá-lo sem piedade, e o notável tribuno, tal qual Churchill, dele era vítima. Em troca, porém, quando assumia a tribuna parlamentar, proferia discursos arrasadores, primorosos, assim como, numa simples ou improvisada aglomeração popular, excedia a si mesmo com sua capacidade de convencer, emocionar e persuadir o ouvinte geralmente embasbacado.

DOTES FAMOSOS

Esses dotes ficaram famosos quando elegeu o grande Afonso Arinos senador pela Guanabara. O então governador intimidava adversários pela oratória perfeita e a extraordinária vocação de homem público; à moda do premiê britânico, tinha o dom de transformar crises de depressão em centelhas de dedicação, fogueiras de ânimo para o sacrifício, bravura para enfrentar as mais duras batalhas, energia para não temer os desafios mais ousados.

“A aparição do cão negro” pode bem ser um poema e um testemunho da sua tenacidade. Ele mesmo, a serviço do povo, poderia estar inspirado pelo próprio cão negro, caçador e guardião, como nas lendas britânicas, nas quais os demônios não seriam seres do mal, nem guardadores dos portões do inferno, porém condutores de homens perdidos nas encruzilhadas escondidas pelos densos nevoeiros da política nojenta.

O cão negro lhe seria a própria banalização do bem, diante da advertência do gigante ex-presidente FHC: “A hegemonia de um partido que não consegue se deslindar de crenças salvacionistas e autoritárias, o acovardamento de outros e a impotência das oposições permitem a montagem de um sistema de poder que acarretará riscos de regressão irreversível”.

O Brasil pode apreciar o filme do diretor italiano: é possível transformar a vida em obra de beleza. Mas não é possível fazer da responsabilidade de governar um roteiro ética e funcionalmente desprovido de compromissos; da corrupção, uma empreitada de cada dia; e da governança eficaz, apenas um vago calhamaço de intenções.

(transcrito de O Tempo)
07 de dezembro de 2013
Márcio Garcia Vilela

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