"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A FORMAÇÃO DO EU

Ao nascer, temos uma impressão embrionária de que não estamos sós; e um 'euzinho' passa a funcionar

O alemão é uma das línguas mais precisas que há, tanto que os políticos alemães têm um grande trabalho para tornar seus discursos vagos (mas conseguem).

Freud descreveu três softwares principais para o nosso funcionamento mental: "das ich"; "das es"; "das überich", alemão do dia a dia compreensível por qualquer um de lá. Em português, o equivalente seria o "Eu"; o "Algo em mim" e "O que está acima de mim".

Mas o primeiro tradutor de Freud para o inglês, Ernest Jones, era médico, e os doutores gostam de falar difícil: impressiona os pacientes e ninguém mais além deles entende. Foi assim que os termos em alemão corrente viraram latim (!): Ego, id e superego.

A partir daí as pessoas pensam que ego é vaidade, e que superego deve ser um parente do super-homem (ou uma super vaidade). E id ninguém sabe mesmo o que é.

O Eu é um programa mental que nos dá a ilusão de existirmos como uma entidade única e essencial. O que sabe o Homo sapiens? Que ele existe! Descartes chegou a uma única certeza: "Penso, logo existo". É um programa tão poderoso que inúmeras pessoas creem que ele é imortal ("meu corpo morrerá, mas eu continuarei existindo pela eternidade").

Deixando de lado a metafísica, que, como bem disse Fernando Pessoa, "é o resultado de se estar mal-disposto", o que me interessa é como o programa Eu se forma. No útero ele não tinha condições de rodar: nada nos perturbou desde o início que nos desse a perceber que algo havia para além de nossa existência, donde, nossa existência não era percebida por falta de contraste.

Mas, ao nascer, a perturbação começa, e com ela uma embrionária impressão de que não estamos sós. E se formos tratados como uma existência em separado, com necessidades, capacidades e características próprias, um "Euzinho" começa a funcionar. Ele vai se construir, construir sua identidade, por identificação. Ela começa pela imitação.

Você fala português hoje do seu jeito porque imitou a fala dos adultos ao seu redor (a melhor maneira de se aprender uma língua, não sei quem foi o idiota que resolveu nos ensinar línguas através da gramática). A imitação leva à incorporação do aprendido, a partir de um ponto você se torna autor, pois o imitado vai se misturando às suas características pessoais.

Mas o processo de identificação pode se dar por gosto, ou por imposição.

Por gosto, é quando se encaixa bem às nossas características únicas, ao desejo que vem de "algo em nós" (id, "das es") não consciente.

Por imposição, quando fomos submissos, fizemos o que nos mandaram, e nos "tornamos" o que nos disseram para ser. Ou, curiosíssimo, quando nos rebelamos e nos tornamos o exato oposto do que nos disseram para ser. Quer dizer que a rebeldia é um jeito de ser comandado, pelas avessas. Assim, filhos de caretas "obedecem" a seus pais e viram hippies. E vice-versa.

Há culturas que estimulam a formação do Eu indivíduo, características próprias, ideias próprias, buscam a democracia. Outras, não suportam a existência de "Eus", querem massa, submissos não pensantes, são as tiranias.

 
25 de dezembro de 2013
Francisco Daudt, Folha de SP

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