Ao longo dos 520 anos de existência do Brasil houve um momento, apenas um, em que a população brasileira acreditou que havia realmente justiça em seu País; acreditou, nesses instantes, que de fato existiam leis e que elas eram aplicadas a todos por igual, incluindo os milionários, os influentes e os poderosos.
Isso aconteceu durante o período, poucos anos atrás, em que o juiz Sérgio Moro, à frente de uma vara penal em Curitiba, julgou, condenou e mandou para a cadeia um ex-presidente da República sentenciado por corrupção e lavagem de dinheiro, prendeu empresários-gigante que confessaram publicamente os seus crimes e recuperou bilhões de reais em dinheiro roubado da Petrobrás e outros cofres do Estado.
Mas foi apenas um intervalo fugaz.
A maior conquista já alcançada pela justiça brasileira foi transformada em ruínas pela ação direta de um Supremo Tribunal Federal em que oito dos onze ministros foram nomeados justamente pelos dois governos mais corruptos da história nacional — e os que mais sentiram as punições aplicadas por força da Operação Lava Jato.
Foi um trabalho contínuo, cauteloso e deliberado. No começo, os ministros foram devagar com sua operação de desmanche da Lava Jato. Temiam, então, causar resistências sérias aos seus atos — especialmente por parte das Forças Armadas, que chegaram a avisar, nas primeiras manobras do STF em favor dos acusados de corrupção, que não aceitariam a promoção da impunidade no mais alto tribunal do país.
Mas, com o tempo, foi ficando cada vez mais claro que ninguém ia fazer nada. Os ministros, então, foram perdendo o medo, ganharam a certeza de que podiam agir com impunidade e acabaram por jogar na lata de lixo anos a fio de valioso trabalho da justiça brasileira.
Nesta fase final do ataque em favor da corrupção e dos corruptos, aquilo que começou com uma calamidade, com a decisão do ministro Edson Fachin de anular todas as ações penais contra Lula, acabou com um deboche, agora por obra da ministra Cármen Lúcia — ela tomou a extraordinária decisão de decretar que, após a roubalheira histórica dos governos Lula e Dilma, o único culpado é o juiz que puniu os ladrões.
Não se notou, em nenhum dos dois casos, sequer aqueles escrúpulos apressados que em geral entram em cena nessas circunstâncias.
Fachin, em sua decisão, conseguiu não dizer uma única sílaba sobre culpa, provas e outros elementos básicos de uma ação penal; anulou tudo porque achou, cinco anos e três instâncias depois, que o processo contra Lula não deveria ter corrido em Curitiba, e sim em Brasília.
Cármen, por sua vez, viveu um momento de pura superação, baseando seu decreto sobre a “suspeição” de Moro em informações obtidas através de atos criminosos — isso na mais alta corte de justiça da nação. De um lado, um ministro anula os processos de Lula invocando uma miserável questãozinha burocrática. De outro, a ministra aceita gravações flagrantemente ilegais como “prova” contra Moro.
É o “garantismo” à moda da casa.
As instituições brasileiras estão em vias de liquidação — e no ponto específico da insegurança jurídica, a marca das sociedades subdesenvolvidas que tanto envenena o Brasil de hoje, vamos chegando a extremos cada vez mais incompreensíveis.
O STF, como se diz a cada decisão tomada por seus ministros, tornou-se o mais agressivo fator de insegurança no país. A ministra Cármen foi além: provou que não há segurança nem nos votos que os próprios ministros dão.
Ela já tinha votado, neste mesmíssimo caso, contra a defesa de Lula. Agora, sem que tenha acontecido absolutamente nada de novo, vem dizer que o voto que tinha dado não vale mais nada — e apareceu com um outro voto, exatamente ao contrário do que já havia decidido, este a favor de Lula.
Quando nem o voto de um ministro tem qualquer significado, jurídico ou moral, podendo mudar à medida em que mudam os seus interesses, estamos no limite da insanidade.
José Roberto Guzzo
14 de abril de 2021
Fonte: Estado de São Paulo
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