"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

UMA PERSEGUIÇÃO DIABÓLICA SEM PRECEDENTES - CAPÍTULO 02

Monopólio tirânico da mídia


Originalmente publicado em inglês em 2016, o Epoch Times tem o orgulho de republicar “Uma perseguição diabólica sem precedente: um genocídio contra o bem na humanidade” (editores Dr. Torsten Trey e Theresa Chu. Clear Insight Publishing, 2016). O livro ajuda a entender a extração forçada de órgãos que ocorre na China, explicando a causa fundamental dessa atrocidade: o genocídio cometido pelo regime comunista chinês contra os praticantes do Falun Gong.


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Capítulo 2: Monopólio tirânico da mídia
A manipulação eficaz e bem-sucedida dos adversários mais críticos e céticos do Partido/Estado chinês

Por Clive Ansley

Eu morei e trabalhei na China por 14 anos e, de 1999 a 2003, observei em primeira mão a campanha cruel de difamação e demonização desencadeada pelo Partido Comunista Chinês (PCC) e seu então secretário-geral Jiang Zemin. Naqueles dias, ninguém poderia ter contemplado ou previsto os planos sinistros e diabólicos que Jiang e uma pequena cabala demoníaca ao seu redor estavam criando como uma “solução final” para a ameaça que eles atribuíam aos pacíficos praticantes do Falun Gong.

Hoje, a realidade do assassinato em massa e da pilhagem de órgãos dos praticantes do Falun Gong pelo Partido Comunista Chinês não pode ser questionada. A evidência maciça de fontes incontestáveis nos obriga a considerar o massacre como um fato. Mas, olhando para trás, o que há no sistema político chinês que pode explicar o fato de que desde 1999 essa atrocidade, que de certa forma faz os atos hediondos cometidos pelo Terceiro Reich parecerem muito menos severos, continua inabalável na China?


Como isso começou? O que tornou isso possível? Com o benefício da retrospectiva, parece claro que a surpreendente e histérica campanha de ódio e difamação lançada contra o Falun Gong por Jiang Zemin pretendia entorpecer a sensibilidade daqueles que seriam convocados a cometer as mais cruéis atrocidades e torturas contra seus semelhantes em nome da luta heroica contra um “culto do mal” (não o Partido Comunista Chinês, mas outro suposto “culto do mal”!).

Justapondo uma característica distintiva da Alemanha nazista e da China de hoje – outrora uma sociedade civil e racional dominada por “um partido político implacável… cuidadoso em esconder suas atividades criminosas dos olhos do público” – o julgamento de um tribunal eclesiástico israelense observou a maneira estranhamente semelhante como ambas as perseguições foram recebidas pela comunidade mundial. [1]

A teoria de Goebbels da “Grande Mentira” é muito conhecida para necessitar maior elaboração. Repita-a com bastante frequência e torne-a grande o suficiente e as pessoas acreditarão nela. O Terceiro Reich fez pleno uso desse princípio na sua demonização dos judeus. Eles conseguiram retratar os judeus como um tipo de subespécie, não exatamente humana, e uma ameaça perigosa para a sociedade alemã.

Foi isso que eu testemunhei o Partido Comunista Chinês fazer em relação ao Falun Gong. Isso não deveria surpreender ninguém já que os modelos de muitas políticas e campanhas do PCC são encontrados na Alemanha nazista. O chamado Partido “Comunista” da China é apenas comunista em nome. Na realidade, está perfeitamente de acordo com a definição clássica de fascismo.


A campanha que eu testemunhei se desenrolando contra o Falun Gong naqueles primeiros anos de perseguição ainda me lembrava diariamente da demonização nazista dos judeus. Mas eu nunca poderia ter previsto as horríveis revelações que se sucederam.

Ironicamente, a difamação maciça da mídia contra o Falun Gong naqueles dias acusava regularmente os praticantes do Falun Gong dos mesmos tipos de crimes obscenos e desumanos que sabemos agora que o PCC continua a perpetrar contra os praticantes do Falun Gong, os advogados de direitos humanos, dissidentes, cristãos, uigures e tibetanos.

Foi Jiang Zemin quem, no início da perseguição, cunhou a caracterização do Falun Gong como um “culto do mal”. Para acender as chamas do ódio contra esse último grupo em uma longa fila de vítimas alvos do Partido Comunista Chinês ao longo do curso da sua história, o PCC publicou histórias de praticantes do Falun Gong matando os seus filhos, chegando a afirmar que eles realmente comeram seus filhos!

As histórias inflamatórias fantásticas e horripilantes, publicadas diariamente na mídia impressa e televisiva naqueles primeiros anos, deram forma e conteúdo viscerais à crescente personificação de “culto do mal” cuja imagem o PCC estava fabricando e divulgando.


Uma história amplamente divulgada na mídia chinesa envolveu um indivíduo que havia colocado veneno de rato no estoque de macarrão em um restaurante popular em Nanjing. Quarenta e duas pessoas morreram. Esses assassinatos foram atribuídos aos ensinamentos do Falun Gong. Embora eu não soubesse nada sobre o Falun Gong naquela época, não acreditei nessa história por um instante sequer. Por um lado, tive a forte impressão de que responsabilizar o Falun Gong por esse assassinato em massa havia sido essencialmente uma decisão tardia por parte das autoridades chinesas. O “julgamento” do suposto assassino foi bem divulgado e não houve menção ao Falun Gong na cobertura desse evento. Mas quando ele estava sendo levado para execução, a mídia pareceu acrescentar a mensagem de que “aliás, ele era praticante do Falun Gong”. Lembro-me claramente de que a maior parte da história já havia se revelado antes de qualquer alegação de uma conexão com o Falun Gong ter sido elaborada.

Nos primeiros dias, me parece que eu nunca vi nenhuma reportagem da mídia que não estivesse cheia de ódio selvagem contra o Falun Gong, geralmente acompanhado de histórias de atos diabólicos e desumanos, supostamente resultantes do estudo do Falun Gong.

Novamente, embora eu não conhecesse o Falun Gong durante os primeiros anos da perseguição, fiquei muito cético em relação às acusações do Partido Comunista Chinês. As vítimas do Falun Gong alvo da difamação do PCC foram negadas, é claro, qualquer fórum por meio do qual pudessem responder às acusações contra elas. Mas eu sei por longa experiência pessoal que a China sob o PCC se sustenta em mentiras institucionais. Isso é verdade ao ponto de que o hábito de mentir dos líderes do PCC, órgãos do Partido e do governo e seus porta-vozes é praticamente patológico. Eles são incapazes de falar a verdade, mesmo quando a verdade não lhes é prejudicial. O PCC mente em geral por natureza, mesmo quando não há razão para esconder a verdade. Uma piada muito difundida na China que se tornou um clichê diz que “a única afirmação verdadeira no Diário do Povo é a data”. Então, eu permaneci cético.

Por que foi possível ao Partido Comunista Chinês vender a “Grande Mentira” para tantos cidadãos chineses?


Esta não é uma pergunta simples. E é paradoxal, justamente por causa da aparentemente esmagadora falta de credibilidade da qual o PCC sofre aos olhos da maioria dos chineses. O PCC é amplamente odiado na China por vários motivos. E, além do ódio, é amplamente conhecido como sem qualquer credibilidade. Então, como o PCC pode continuamente lançar perseguições contra supostos párias e fazer com que um grande contingente da população chinesa siga a sua linha?

Que a China é uma sociedade complexa e multifacetada é uma observação trivial. Mas é fundamental entender, por um lado, a contradição aparentemente inexplicável entre o desrespeito generalizado e o medo a respeito do Partido Comunista Chinês, e por outro lado, os sucessos repetidos do PCC com tantas das suas campanhas de propaganda.

Acredito que podemos identificar pelo menos alguns dos fatores que deram origem a essas contradições intrigantes. Primeiro, como todos os Estados fascistas, a China lucra enormemente atendendo habilmente ao jingoísmo e ao nacionalismo. Criar ameaças imaginárias à nação, externas e internas, é um método testado e comprovado. A história da agressão imperialista e da predação na China pelas potências ocidentais produziu uma atitude bastante esquizoide em relação a essas potências ocidentais. O Partido Comunista Chinês teve um sucesso notável em aproveitar o orgulho ferido da China, que persiste como um legado corrosivo da sua vitimização pelos invasores imperialistas durante os séculos 19 e 20.

Os chineses que detestam o Partido Comunista Chinês se juntam regularmente atrás dos seus líderes para apoiar manifestações antiamericanas ou reivindicações territoriais contra o Tibete, Taiwan e praticamente qualquer ilha nos Mares do Leste ou do Sul da China.


Da mesma forma, com relação a questões domésticas, eu conhecia muitas pessoas que ridicularizavam regularmente o PCC por mentir habitualmente, mas que sem piscar engoliam a linha do Partido em questões específicas.

Quase 100% dos cidadãos chineses, por exemplo, parecem apoiar a pena de morte. Quando argumentei contrariamente com base no fato de que a execução de inocentes é inevitável, quase sempre fui recebido com incredulidade. Normalmente, me disseram que ninguém em julgamento por um crime capital na China era inocente, porque a polícia chinesa nunca acusaria ninguém que não fosse culpado. Mas as próprias pessoas que discutiam esse argumento eram frequentemente os críticos mais estridentes do Partido Comunista Chinês e de todo o seu sistema! Eles eram as mesmas pessoas que mais atacavam a credibilidade do PCC, mas o fato de o PCC exercer microgestão sobre a polícia e os tribunais aparentemente nunca lhes ocorreu.

Quase todos os advogados com quem trabalhei na China invocavam regularmente a piada sobre a data ser a única verdade no Diário do Povo. Mas lembro-me vividamente de discutir com um desses advogados a história de um suposto seguidor do Falun Gong que teria matado os seus dois filhos. Naquela época, sem saber nada sobre o Falun Gong, não argumentei que a história fosse necessariamente falsa. Simplesmente questionei por que deveríamos acreditar, considerando a fonte da informação.

A discussão foi desencadeada por um comentário desse advogado de que os praticantes do Falun Gong eram “pessoas terríveis”. Perguntei-lhe por que ele tinha tanta certeza disso. Ele respondeu com o exemplo de um infanticídio duplo de uma mãe do Falun Gong. “Mas”, perguntei a ele, “como você sabe que isso é verdade, que realmente aconteceu?” Ele respondeu que acabara de assistir a um noticiário de televisão completo sobre o assassinato na noite anterior (que eu também assisti!). Lembrei-o então de quem controla a China Central Television (“CCTV”). Ele é uma pessoa que argumenta regularmente que ninguém deve acreditar em nada que vê na mídia do Partido Comunista Chinês; no entanto, agora ele estava insistindo para mim que o Falun Gong é claramente mau e baseando seu argumento em um programa de televisão transmitido pelos censores do Departamento Central de Propaganda do PCC, numa época em que o PCC estava montando outra enorme campanha contra outro alegado “inimigo do povo”.


Tive uma discussão semelhante com outro crítico e cético do Partido Comunista Chinês sobre o suposto envenenador de restaurante em Nanjing. Novamente, essa senhora denunciou com raiva o Falun Gong depois de ler nos jornais e ver na televisão as alegações de que a pessoa a ser executada era praticante do Falun Gong e cometera os crimes como resultado da prática.

Quando cinco supostos praticantes do Falun Gong aparentemente tentaram se suicidar em grupo por autoimolação na Praça da Paz Celestial em Pequim, o evento recebeu cobertura abrangente e intensa na mídia impressa e na TV. Foi muito eficaz. Minha observação na época foi que a maioria dos chineses que viram as histórias ficou com nojo do Falun Gong como resultado.

Até eu aceitei o “fato” de que essas autoimolações haviam ocorrido e que a cobertura noticiosa era legítima. Ao contrário de quase todas as outras histórias anti-Falun Gong que eu já tinha visto, esta apresentava imagens ao vivo e testemunhei o evento terrível “com meus próprios olhos”. Eu não me posicionei contra o Falun Gong, por várias razões, mas nunca na época alimentei qualquer dúvida de que o evento foi real e a cobertura da mídia genuína. Apenas alguns anos depois, tive a oportunidade de ver evidências convincentes de que todo o evento foi uma farsa encenada [2] pela polícia de Pequim.

Todo mundo familiarizado com a perseguição ao Falun Gong agora sabe o que realmente aconteceu. A filmagem era genuína, mas o que ela cobria não era. Foi mostrado claramente que os cinco que se banharam em gasolina e atearam fogo não eram praticantes do Falun Gong; todos os cinco “manifestantes” tinham policiais atrás deles com extintores prontos para uso em segundos; e as roupas dos cinco estavam visivelmente avolumadas com o que agora parecem ter sido materiais retardantes de fogo. Mais tarde, constatou-se também que os extintores de incêndio mais próximos estariam normalmente muito distantes do centro da Praça da Paz Celestial. Não há como dez policiais chegarem à manifestação com extintores a tempo de apagarem as chamas tão prontamente, a menos que todo o exercício tenha sido pré-planejado e encenado.


Mas não pensamos nessas coisas na época. Naquela época, não argumentei que o evento havia sido encenado. Meus argumentos com advogados chineses e outros se limitaram à observação de que toda organização e movimento atrai alguns extremistas e que não condenamos o cristianismo quando uma mãe desequilibrada nos EUA afoga seus cinco filhos na banheira porque “Jesus me disse para fazê-lo”; segundo, esse ato poderia ter sido um reflexo do desespero absoluto sentido por pessoas levadas ao extremo pela perseguição; terceiro, imolações semelhantes de monges budistas no Vietnã no início dos anos 60 e, mais recentemente, no Tibete foram aclamadas como atos de incrível heroísmo e autossacrifício.

Uma lição que aprendemos com a perseguição na China e com as campanhas da mídia que facilitaram essa perseguição é esta: Mesmo um povo que supostamente aprendeu a não dar credibilidade a qualquer coisa veiculada pela sua mídia monopolizada pelo Estado ainda pode ser repetidamente enganado e manipulado pela mesma mídia em certos casos. Se a “Grande Mentira” é repetida sem trégua; se o monopólio da mídia é absoluto, de maneira que nenhuma resposta do acusado seja possível; se um apelo jingoísta ao orgulho nacional é transmitido incessantemente ou o medo de inimigos externos ou internos é explorado; então, mesmo uma população que se considera sofisticada demais para ser ludibriada pelos órgãos de propaganda do Estado será, de fato, enganada, uma e outra vez.

Os ocidentais devem tentar imaginar os efeitos sobre uma população quando 100% da sua mídia impressa e de transmissão esta sujeita ao monopólio total da informação. Os cidadãos desenvolvem um cinismo amplo e profundo, mas tendem a ser enganados repetidamente sobre questões ou eventos específicos que lhes são apresentados a partir de apenas um ponto de vista monótono. A perseguição ao Falun Gong nos últimos quinze anos é um excelente exemplo.

Nossa mídia ocidental também é muito venal de várias maneiras. Certamente, órgãos individuais da mídia no Canadá e nos EUA representam interesses especiais e ponderam a sua cobertura de notícias para beneficiar esses interesses. Mas a ausência de um monopólio absoluto sobre a mídia, e especialmente a ausência de um monopólio estatal, significa que o alvo de qualquer assassinato de reputação normalmente pode encontrar uma maneira de responder e apresentar uma posição contrária aos olhos do público.


Nunca devemos subestimar o poder de uma máquina de propaganda amplamente desrespeitada quando ela é a única fonte de informação ou opinião disponível. Sem dúvida, havia vizinhos que sabiam que a mãe acusada de envolvimento não era praticante do Falun Gong ou mesmo que ela não matou os seus filhos. Qualquer praticante do Falun Gong poderia ter dito a qualquer entrevistador da mídia que nada nos ensinamentos do Falun Gong sanciona qualquer tipo de assassinato. Sem dúvida, havia pessoas em Nanjing que poderiam ter fornecido evidências de que o envenenador em massa nunca havia praticado o Falun Gong. Os praticantes do Falun Gong poderiam facilmente apontar que nenhum praticante jamais adota a posição sentada dos supostos autoimoladores na Praça da Paz Celestial.

Mas como alguém poderia apontar alguma dessas coisas? Como alguém apresentaria uma versão alternativa diante do público? Não havia uma via possível aberta para eles. Eles não podiam ter suas cartas ao editor publicadas; eles não podiam escrever artigos de opinião para uma página de opinião; eles não podiam dar entrevistas em programas de notícias na televisão. Eles nem conseguiram se reunir em público com cartazes. Apenas uma voz foi ouvida. Quando essa visão singular sobre qualquer assunto é repetida ad nauseam, dia após dia, e nenhuma voz dissidente é ouvida, nenhuma resposta é viabilizada, então as mesmas pessoas que nos aconselharam a nunca acreditar em nada da mídia do Partido Comunista Chinês começam a acreditar na mensagem apesar de tudo.

Quando os praticantes do Falun Gong foram acusados, eles não tinham um fórum para responder. Sejam culpados conforme acusados ou vítimas de difamação cruel, a resposta dos praticantes do Falun Gong nunca chegou ao público chinês.

Além disso, nos primeiros anos da perseguição, os cidadãos não foram deixados apenas passivamente absorvendo e engolindo a campanha de ódio do Partido Comunista Chinês contra o Falun Gong. Os muitos relatos da mídia na ocasião de manifestações em massa para denunciar a prática e fazer críticas públicas aos praticantes eram assombrosamente uma reminiscência de precedentes históricos, como as campanhas contra proprietários de terras, as campanhas antidireitistas, a Revolução Cultural, e as campanhas anti-Confúcio e anti-Lin Biao. Essas campanhas sempre foram projetadas para ajudar o PCC a transformar os leitores ou ouvintes passivos em participantes ativos da campanha de ódio do dia.


A participação física real na perseguição parece ser muito eficaz psicologicamente. O participante é levado a um estágio mais elevado de comprometimento por causa da sua cumplicidade. Durante a Revolução Cultural, não era incomum que as esposas participassem da condenação pública e espancamento severo dos próprios maridos, a fim de demonstrar a própria pureza política e lealdade ao movimento. Tanto nesse período quanto no curso da perseguição ao Falun Gong, a participação presencial serviu, em certa medida, como proteção contra se tornar um alvo da campanha.

Denúncias públicas e espancamentos arbitrários por parte da polícia, confisco de propriedades e contas bancárias, empregadores sendo forçados a demitir qualquer pessoa identificada como praticante do Falun Gong, detenções e prisões “administrativas” rotineiras e arbitrárias de praticantes, tudo isso serviu para reforçar a aceitação tácita que os praticantes do Falun Gong eram de alguma forma “não completamente humanos” e não precisam receber o respeito básico a que os seres humanos normalmente têm direito. Tudo isso contribuiu para tornar a polícia, paramilitares, pessoal médico e guardas penitenciários da China propensos a cometerem assassinatos, torturas diabólicas e os crimes mais terríveis contra a humanidade que o mundo já viu desde o Holocausto. Refiro-me, é claro, ao assassinato em massa de seres humanos saudáveis, mantidos vivos em rebanhos de doadores, a serem abatidos sob demanda para que os seus órgãos possam ser vendidos pelo Estado com enormes lucros.

Devemos lembrar que a população chinesa como um todo nunca foi informada sobre os crimes atrozes e desumanos que o Partido Comunista Chinês perpetrou contra os praticantes do Falun Gong, assim como os nazistas nunca reconheceram publicamente os Campos de Morte. A função das campanhas de desumanização e demonização contra os judeus e os praticantes do Falun Gong em nenhum dos casos envolveu o público como um todo; elas serviram para anestesiar os agentes do Estado que seriam alistados para realmente cometerem as atrocidades. Os gritos das vítimas tendem a cair em ouvidos surdos quando os autores das atrocidades podem racionalizar que as vítimas moribundas são, afinal, “apenas judeus” ou apenas “membros de um culto do mal”.

O sucesso dessa campanha para desumanizar os praticantes do Falun Gong talvez não seja melhor exemplificado do que na cooptação da profissão médica do país. Fora da China contemporânea e da Alemanha nazista, quem poderia conceber uma classe médica cujos membros realmente participassem voluntariamente do assassinato rotineiro de seres humanos saudáveis que nunca foram condenados nem mesmo por um “tribunal” chinês, muito menos por um tribunal real? Fora da Alemanha na década de 1930 e da China contemporânea, quem poderia conceber “comitês de assassinato” compostos por médicos em hospitais de transplante e “juízes” em “tribunais” criminais chineses que cooperam para a morte de “doadores” compatíveis, a fim de fornecer órgãos frescos para clientes ricos que esperam? Mas essa é a realidade da profissão médica na China hoje. Isso seria possível na ausência da campanha coordenada pelo PCC para desumanizar os adeptos do Falun Gong? É duvidoso.


A China, como qualquer pessoa familiarizada com o país pode atestar, não é um Estado sujeito ao “estado de direito”. A lei é o que o tirano da época diz que é. O Falun Gong foi declarado um “culto do mal” e qualificado para “condenação” por meio do veículo de um simples decreto de Jiang Zemin. No entanto, não havia e não há nenhuma seção do código penal chinês que possa ser estendida sob qualquer regime legal legítimo para se aplicar ao Falun Gong. Mesmo que houvesse, os “tribunais” nunca foram convidados a interpretar a lei e ouvir as evidências. O oligarca da hora simplesmente declarou todos os praticantes culpados e prosseguiu com a perseguição.

Certamente, a própria existência do assassinato em massa para pilhagem de órgãos, como uma atrocidade contínua, torna ridícula qualquer pretensão de que a China seja um país governado pela lei. No entanto, o Partido Comunista Chinês desde 1979 fez todos os esforços para promover a aparência de um sistema legal de boa-fé, assim como os nazistas durante a era do Terceiro Reich. É de importância crucial para os opressores em Estados totalitários que eles sejam capazes de apontar para a forma aparente de um sistema jurídico e afirmar que todas as suas ações estão enraizadas na lei.

Os fatos mais reveladores que expõem a natureza verdadeiramente fraudulenta do “sistema jurídico” chinês são que os “tribunais” chineses são proibidos pelo Partido Comunista Chinês de aceitar qualquer ação judicial dos praticantes do Falun Gong contestando a sua perda de direitos constitucionais, e todos os advogados chineses são proibidos de assumir a representação legal de qualquer praticante do Falun Gong.

A representação patentemente falsa de que a China é um Estado governado pelo “estado de direito” e de que os “tribunais” chineses são independentes serviu como uma ferramenta essencial no cultivo do respeito pela China no exterior. Essa ferramenta tem sido amplamente empregada pelo próprio Partido Comunista Chinês e por seus servos nos governos ocidentais fortemente inclinados para o PCC.


Dois primeiros-ministros canadenses anteriores, ambos amigos íntimos dos líderes do Partido Comunista Chinês responsáveis pelos piores abusos dos direitos humanos na China, rotineiramente anunciavam as supostas “reformas legais” que eles alegaram falsamente aos cidadãos canadenses estarem se desenrolando na China. No terceiro ano da perseguição, Jean Chrétien ficou lado a lado com Jiang Zemin e exaltou os “tremendos avanços nos direitos humanos que ocorreram nos últimos dez anos sob a liderança do presidente Jiang”. Seu sucessor, Paul Martin, não foi tão ridículo, mas continuou a elogiar o suposto progresso da China em direitos humanos e seu compromisso de implementar o “estado de direito”. Nenhum dos dois jamais abordou a verdade fundamental que, tanto na teoria quanto na prática, o PCC está acima da lei e exerce controle total sobre todos os órgãos do sistema jurídico, incluindo a polícia, os promotores, os “tribunais” e a interpretação dos estatutos.

A China pode ter um sistema “legal” controlado pelo Partido Comunista Chinês ou pode ter o “estado de direito”; é conceitualmente impossível ter ambos.

Desde que o Partido Comunista Chinês mantenha a forma e a estrutura externas de um sistema jurídico genuíno, ele permite que os chrétiens e martins do Ocidente ignorem a substância do sistema e continuem iludindo os seus cidadãos sobre os alegados progressos constantes no “estado de direito” na China.

Enquanto o Partido Comunista Chinês permanecer no poder, é difícil imaginar a perseguição e a extração forçada de órgãos terminando tão cedo. Mas, para que isso aconteça, é necessário tornar a existência desses crimes plenamente conhecida pelo povo chinês e pelas pessoas do mundo.

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