"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

DANÇANDO NA ESCURIDÃO DA CHINA MAOÍSTA

O forte contraste entre os banquetes luxuosos do Partido Comunista e a população faminta deixou uma impressão duradoura em Tia, e ela previu sua decepção com o partido e o comunismo

Uma fotografia de Tia Zhang na capa do novo livro "Dancing through the shadow"

Por Ryan Moffat

Às vezes, o impacto de uma enorme tragédia é perdido nas estatísticas. Quando o número de mortos chega a dezenas de milhões, o sofrimento em tão grande escala se torna remoto e intocável. A capacidade humana de empatia tem seu limite.

Por outro lado, os relatos pessoais daqueles que sofreram atrocidades lançam mais luz sobre o assunto do que qualquer estatística estéril. Tal história é contada por Agnes Bristow em “Dancing through the Shadow”, um relato em primeira pessoa sobre a vida na China de Mao Tsé Tung.

Tia Zhang (Divulgação / Epoch Times)

O livro conta a verdadeira história de Tia Zhang, uma bailarina que cresceu durante o tempo em que Mao estava estrangulando lentamente o país. Os simples anseios e emaranhados da infância, adolescência e maternidade estão perfeitamente entrelaçados no contexto da brutalidade totalitária. É um romance extraordinário que humaniza a situação de uma nação ao assumir sua nova realidade como um Estado socialista.

Os comunistas tomaram o poder na China em 1949, encerrando uma guerra civil de várias décadas que deixou o país exausto e em busca de mudanças. A princípio, havia esperança de que o novo governo melhorasse a vida do cidadão comum.

Em vez disso, a China, sob a liderança de Mao, iniciou uma queda na violenta revolução que resultaria em um dos maiores desastres humanitários do século. As estatísticas são esmagadoras. Segundo estimativas conservadoras, o número de mortos foi de 65 milhões. O Grande Salto Adiante, a tentativa de Mao de coletivizar a agricultura, resultou na pior fome da história. Quarenta e cinco milhões de pessoas foram espancadas, desnutridas ou forçadas a trabalhar até a morte.

Este é o mundo em que Tia Zhang se viu obrigada para continuar seu caminho.

Da prosperidade à miséria

O pai de Tia era um oficial de alto escalão no Kuomintang, o partido no poder da época, e proporcionou à sua família todo tipo de luxo em sua residência no coração de Pequim. Eles tinham uma existência harmoniosa, longe dos perigos que estavam ao virar da esquina. Como irmã mais velha, Tia foi mimada e disciplinada seguindo rígidas tradições chinesas; sua mãe a preparou para ser uma dama e estava destinada a uma vida de privilégios e obediência.

Esse destino foi irreparavelmente alterado quando os comunistas chegaram a Pequim e o Kuomintang cedeu repentina e inesperadamente o poder. A esperança de que os comunistas oferecessem alívio temporário à guerra e trouxessem a utopia prometida foi rapidamente arruinada quando se tornou aparente que qualquer um que fosse leal ao Kuomintang estaria condenado a sofrer por isso.

Num desejo desesperado de liberdade, Tia (10 anos) e sua família tentaram se mudar para o porto seguro de Taiwan. Mas uma jornada comovente à beira da morte destruiu esse futuro, a família foi forçada a se mudar para Qingdao e, eventualmente, voltar para Pequim, onde sua vida de privilégios se tornou uma miséria.

Tornou-se cada vez mais claro que não havia como escapar do Partido Comunista, especialmente para uma família como a de Tia, que tinha uma posição privilegiada no Kuomintang.

Esperança através da dança

No entanto, a vida continuou e, mesmo quando o Grande Salto Adiante fez milhões de pessoas morrerem de fome no país, a família de Tia encontrou uma maneira de sobreviver. A luta diária para cobrir as necessidades básicas afetou toda a nação, e sua família não foi exceção.

Através de muito trabalho e talento, Tia garantiu um lugar cobiçado na Academia de Balé de Pequim, repleta de professores de dança da União Soviética. A escola funcionava mais como uma academia militar do que como um estúdio de dança, mas Tia ainda recebia educação em dança de primeira classe.

A dança foi usada como uma ferramenta de propaganda comunista e, como a escola era a favorita da esposa de Mao, Jiang Qing, Tia teve a oportunidade de fazer um show para Mao e seus dignitários. O forte contraste entre os banquetes luxuosos do Partido Comunista e a população faminta deixou uma impressão duradoura em Tia, e ela previu sua decepção com o partido e o comunismo.

Quando Tia se tornou instrutora assistente na academia, Mao havia libertado seus guardas vermelhos. Como praga, o grupo frenético de estudantes e filhos de funcionários do Partido trouxe o caos ao país em uma onda de revolução e violência. Os Guardas Vermelhos haviam sofrido uma lavagem cerebral desde a infância para serem servos devotos de Mao. Eles eram o veículo perfeito para sua Revolução Cultural, enquanto marchavam pelas ruas, repreendendo e espancando qualquer pessoa sem medo de repercussões.

A certa altura, a academia de balé foi tomada por estudantes pertencentes aos Guardas Vermelhos, que brutalmente espancaram professores mais velhos e repreenderam os participantes, punindo-os severamente por seus métodos de ensino, forçando-os a limpar latrinas e realizar tarefas mais degradantes.

Tia sofreu em silêncio, atendendo às demandas de seus alunos. Eles fizeram lavagem cerebral. Como muitos outros, ela foi forçada a enterrar sua empatia e enfrentar o mundo com toda indiferença possível.

Durante todos aqueles tumultos, ela encontrou o amor, mas teve que enfrentar a desaprovação de sua família e de sua mãe conservadora, que queria que ela tivesse um casamento arranjado.

Isso já seria bastante difícil se ignorarmos as políticas de Mao e a ameaça sempre presente de ser enviada para um campo de trabalhos forçados, ou pior. O amor era um assunto arriscado na China de Mao, e Tia e seu marido tiveram dificuldades no sistema de campos de trabalho forçado.

O romance acompanha Tia ao longo de cada etapa de sua vida, passando pela maternidade, casamento e uma fuga do país controlado pelo regime comunista. Enquanto Mao está presente como uma sombra ao fundo, ele dita os termos e condições pelos quais Tia devia seguir seu caminho.

Ensinamentos Sombrios

O caminho de Tia foi de dor, triunfo e um verdadeiro testemunho do espírito humano. Sensível, traumática e assustadora ao mesmo tempo, a história captura o suficiente para garantir o nível de detalhe que Bristow usa, combinando habilmente a experiência de Tia com análises políticas suficientes, lançando luz sobre a vida, sob o regime de Mao e sobre como suas políticas resultaram em tantas mortes. É difícil entender o desespero de uma população forçada a reagir com medo de quase tudo o que acontece.

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Para aqueles que se divertem com noções românticas sobre comunismo e marxismo: vale a pena ler este livro. Com ideologias extremas em ascensão no Ocidente, a história de Tia serve como um lembrete do custo humano por trás das estatísticas. Muitos chineses dessa geração serão capazes de se identificar com seu sofrimento.

Por fim, o livro trata de amor, perda, coragem e as complexidades da vida amplificadas pelo desespero das circunstâncias. A história de Tia é realmente um veículo bonito para explorar o custo humano de ideologias políticas levadas ao extremo, onde o espírito humano é posto à prova.

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