O casal, jovem, ela de mochila nas costas, ele de bolsa de couro a tiracolo, chega ao restaurante de beira de praia. Antes mesmo de sentarem do nosso lado, vejo que estão emburrados, os dois. A mãe traz no colo uma menininha, linda, de uns três anos.
Emburrados sentam a filha (não emburrada, mas inocente olhando para tudo e todos) na cadeirinha e emburrados se acomodam, sem se olharem nem falarem. O pai pega seu celular, a mãe bota um pequeno tablet na frente da criança, apoiado num prato, e fica por sua vez olhando o seu próprio celular. A criança, certamente já acostumada, fica olhando o tablet, onde, imagino, aparece um desenho colorido.
Chega o garçom, pedem alguma comida, uma bebida (sem desemburrar, nem um sorrisinho cortês para o garçom), e voltam aos seus celulares. A menininha, mergulhada no desenho. Chega a comida. Só servem dois pratos, o do pai e o da mãe. A filha continua olhando o tablet à sua frente.
Como estão bem ao meu lado, na mesa junto da nossa, observo sem ser indelicada (com certeza nem notariam se eu os encarasse ostensivamente). Pai e mãe comem ainda sem se comunicar. Então, de vez em quando, a mãe, sem sequer olhar direito, enfia uma garfada da sua comida na boca da criança. Ainda nenhuma palavra de carinho, nenhum olhar, nenhum contato humano.
.
Embora não me seja desconhecida, pois a vejo cada vez com mais frequência, essa alienação materna sempre me entristece.
Assim em consultórios médicos, crianças chegam no colo da mãe, ou andando a seu lado, já com um celular na frente. Do qual, é claro, não despregam os olhos nem para encarar, cumprimentar, seu pediatra. O minipaciente já deitado para exame, a mãe ainda lhe segura o aparelho na frente e a criança não tem qualquer contato com o médico, a quem ignora. Por fim, o pediatra pede à mãe que lhe permita examinar boca, olhos, garganta, rostinho da criança. A mãe retira o celular, contrariada, e a filha ou filho começa a berrar na hora. Seu estreitíssimo universo - talvez sua prisão - foi gravemente abalado.
Terminada a consulta, pouco contato entre paciente e médico, médico e mãe. Imagino que alguns profissionais delicadamente expliquem à mãe que a criança precisa largar ao menos ali o aparelho, olhar e ser olhada para se sentir tranquila e cuidada - mas é possível que a mãe se irrite e tudo acabe bem mal.
Não se curte, certamente nem em casa, a delícia do aconchego entre bebê ou criança maior com seus pais; a troca de palavras doces, sorrisos e olhares, afagos, brincadeiras e cumplicidade. Talvez em alguns casos o aparelhinho proteja os pais do intenso envolvimento afetivo com seus filhos, que gera compromisso mas sentido de vida. A frieza gera um insuportável sofrimento para os filhos, e sem esse chão de amor e cuidados haverão de suportar quedas e dores talvez evitáveis.
Entre o rosto da mãe e o tablet, a criança aprendeu a preferir os desenhos coloridos.
09 de abril de 2019
LYA LUFT, Zero Hora, RS
Emburrados sentam a filha (não emburrada, mas inocente olhando para tudo e todos) na cadeirinha e emburrados se acomodam, sem se olharem nem falarem. O pai pega seu celular, a mãe bota um pequeno tablet na frente da criança, apoiado num prato, e fica por sua vez olhando o seu próprio celular. A criança, certamente já acostumada, fica olhando o tablet, onde, imagino, aparece um desenho colorido.
Chega o garçom, pedem alguma comida, uma bebida (sem desemburrar, nem um sorrisinho cortês para o garçom), e voltam aos seus celulares. A menininha, mergulhada no desenho. Chega a comida. Só servem dois pratos, o do pai e o da mãe. A filha continua olhando o tablet à sua frente.
Como estão bem ao meu lado, na mesa junto da nossa, observo sem ser indelicada (com certeza nem notariam se eu os encarasse ostensivamente). Pai e mãe comem ainda sem se comunicar. Então, de vez em quando, a mãe, sem sequer olhar direito, enfia uma garfada da sua comida na boca da criança. Ainda nenhuma palavra de carinho, nenhum olhar, nenhum contato humano.
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Embora não me seja desconhecida, pois a vejo cada vez com mais frequência, essa alienação materna sempre me entristece.
Assim em consultórios médicos, crianças chegam no colo da mãe, ou andando a seu lado, já com um celular na frente. Do qual, é claro, não despregam os olhos nem para encarar, cumprimentar, seu pediatra. O minipaciente já deitado para exame, a mãe ainda lhe segura o aparelho na frente e a criança não tem qualquer contato com o médico, a quem ignora. Por fim, o pediatra pede à mãe que lhe permita examinar boca, olhos, garganta, rostinho da criança. A mãe retira o celular, contrariada, e a filha ou filho começa a berrar na hora. Seu estreitíssimo universo - talvez sua prisão - foi gravemente abalado.
Terminada a consulta, pouco contato entre paciente e médico, médico e mãe. Imagino que alguns profissionais delicadamente expliquem à mãe que a criança precisa largar ao menos ali o aparelho, olhar e ser olhada para se sentir tranquila e cuidada - mas é possível que a mãe se irrite e tudo acabe bem mal.
Não se curte, certamente nem em casa, a delícia do aconchego entre bebê ou criança maior com seus pais; a troca de palavras doces, sorrisos e olhares, afagos, brincadeiras e cumplicidade. Talvez em alguns casos o aparelhinho proteja os pais do intenso envolvimento afetivo com seus filhos, que gera compromisso mas sentido de vida. A frieza gera um insuportável sofrimento para os filhos, e sem esse chão de amor e cuidados haverão de suportar quedas e dores talvez evitáveis.
Entre o rosto da mãe e o tablet, a criança aprendeu a preferir os desenhos coloridos.
09 de abril de 2019
LYA LUFT, Zero Hora, RS
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