Sem ela, é difícil aplicar os princípios da 'nova política'
Há como implantar uma “nova política” em nossa cultura? Da forma como Bolsonaro a designa, significa abandonar o toma lá dá cá, prática do presidencialismo de coalizão. Por tradição, partidos que elegem o mandatário-mor se acham no direito de indicar quadros para a administração.
Essa é uma prática dos países que cultivam a democracia representativa, na qual técnicos, burocratas e políticos participam do governo. Ocorre que as indicações políticas instalam “feudos” que consideram seus os cargos de seu domínio, dando origem a negociatas pessoais. A “res publica” é usada como negócio privado.
A crise crônica da administração deriva da interpenetração entre o público e o privado, formando as teias de corrupção. Ao invocar a “nova política”, Bolsonaro estaria pensando em eliminar as falcatruas.
Mas não se mudam velhos costumes da noite para o dia. Sem o apoio dos congressistas, a administração fenecerá. A alternativa é aceitar indicações políticas carimbadas com o selo técnico. Os indicados devem ser pessoas afeitas ao cargo.
Nessa condição, o modus operandi é aceitável. A corrupção diminuirá na esteira da transparência e dos controles que emolduram os governos. Mas sejamos realistas: o Brasil só encontrará seu prumo quando se instalar aqui o parlamentarismo. Sistema parecido com o francês poderia dar certo.
No parlamentarismo, a máquina administrativa fica imune às crises. O primeiro-ministro deixa o cargo ao receber o voto de desconfiança do Parlamento. A estrutura continua a trabalhar, ocupada que é por especialistas que não deixam a peteca cair.
Na França, o governo conta com a mão de obra fornecida pela excelente Escola Nacional de Administração. Fundada pelo general De Gaulle em 1945, forma a elite da carreira pública. Dali saíram Jacques Chirac e Valéry Giscard D’Estaing, ex-presidentes da França; Dominique de Villepin, diplomata e primeiro-ministro; e Pascal Lamy, ex-diretor geral da OMC.
Qual a possibilidade de instalarmos o parlamentarismo por aqui? Pequena. Fizemos dois plebiscitos: no de 1963, com 11 milhões de votantes, 9,5 milhões escolheram o presidencialismo; o de 1993 somou 55% para o presidencialismo, contra 25%.
A semente presidencialista viceja em todos os espaços. Presidente simboliza fortaleza. O termo simboliza grandeza, aura de todo-poderoso, vestes do monarca, poder de mando e desmando. Até no futebol é assim. O chiste é conhecido: o pênalti deveria ser cobrado pelo presidente.
Em 1980, no final do campeonato brasileiro, o Flamengo ganhou de 3 a 2 do Atlético Mineiro no Maracanã. O árbitro expulsou três atleticanos. Uma bagunça. Ao final, transtornado com o “roubo”, Elias Kalil, presidente do Atlético, gritou: “Vou apelar para o presidente da República, João Figueiredo. Vou falar de presidente para presidente”. Ligeira demonstração da força do presidencialismo entre nós.
Em suma, sem parlamentarismo, fica difícil aplicar aqui os princípios da “nova política”.
09 de abril de 2019
Gaudênio Torquato, O Tempo/MG
Há como implantar uma “nova política” em nossa cultura? Da forma como Bolsonaro a designa, significa abandonar o toma lá dá cá, prática do presidencialismo de coalizão. Por tradição, partidos que elegem o mandatário-mor se acham no direito de indicar quadros para a administração.
Essa é uma prática dos países que cultivam a democracia representativa, na qual técnicos, burocratas e políticos participam do governo. Ocorre que as indicações políticas instalam “feudos” que consideram seus os cargos de seu domínio, dando origem a negociatas pessoais. A “res publica” é usada como negócio privado.
A crise crônica da administração deriva da interpenetração entre o público e o privado, formando as teias de corrupção. Ao invocar a “nova política”, Bolsonaro estaria pensando em eliminar as falcatruas.
Mas não se mudam velhos costumes da noite para o dia. Sem o apoio dos congressistas, a administração fenecerá. A alternativa é aceitar indicações políticas carimbadas com o selo técnico. Os indicados devem ser pessoas afeitas ao cargo.
Nessa condição, o modus operandi é aceitável. A corrupção diminuirá na esteira da transparência e dos controles que emolduram os governos. Mas sejamos realistas: o Brasil só encontrará seu prumo quando se instalar aqui o parlamentarismo. Sistema parecido com o francês poderia dar certo.
No parlamentarismo, a máquina administrativa fica imune às crises. O primeiro-ministro deixa o cargo ao receber o voto de desconfiança do Parlamento. A estrutura continua a trabalhar, ocupada que é por especialistas que não deixam a peteca cair.
Na França, o governo conta com a mão de obra fornecida pela excelente Escola Nacional de Administração. Fundada pelo general De Gaulle em 1945, forma a elite da carreira pública. Dali saíram Jacques Chirac e Valéry Giscard D’Estaing, ex-presidentes da França; Dominique de Villepin, diplomata e primeiro-ministro; e Pascal Lamy, ex-diretor geral da OMC.
Qual a possibilidade de instalarmos o parlamentarismo por aqui? Pequena. Fizemos dois plebiscitos: no de 1963, com 11 milhões de votantes, 9,5 milhões escolheram o presidencialismo; o de 1993 somou 55% para o presidencialismo, contra 25%.
A semente presidencialista viceja em todos os espaços. Presidente simboliza fortaleza. O termo simboliza grandeza, aura de todo-poderoso, vestes do monarca, poder de mando e desmando. Até no futebol é assim. O chiste é conhecido: o pênalti deveria ser cobrado pelo presidente.
Em 1980, no final do campeonato brasileiro, o Flamengo ganhou de 3 a 2 do Atlético Mineiro no Maracanã. O árbitro expulsou três atleticanos. Uma bagunça. Ao final, transtornado com o “roubo”, Elias Kalil, presidente do Atlético, gritou: “Vou apelar para o presidente da República, João Figueiredo. Vou falar de presidente para presidente”. Ligeira demonstração da força do presidencialismo entre nós.
Em suma, sem parlamentarismo, fica difícil aplicar aqui os princípios da “nova política”.
09 de abril de 2019
Gaudênio Torquato, O Tempo/MG
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