O que os filhos vão aprender sobre o caráter se os próprios pais estão dispostos a subornar as universidades para que seus filhos entrem sem o devido mérito?
O cineasta e comediante Woody Allen tem um conto divertidíssimo chamado A rejeição. É a história de um russo do mercado financeiro que vive em Manhattan e entra em desespero ao receber uma carta com o aviso da expulsão de seu filho de três anos da melhor creche da cidade.
Com um perfil obsessivo, como o do próprio Allen, o pai começa a ter calafrios ao imaginar o que essa notícia representa para o futuro de seu rebento: acabou tudo! Ele será um indigente, não será aceito em nenhuma das boas universidades, não vai conseguir um bom emprego.
O exagero é divertido justamente porque toca na realidade: em certos círculos elitistas, não conseguir acesso “àquela” escola ou mesmo creche já pode representar uma sensação de exclusão. O filhinho não montou direito os blocos de armar, foi vetado na creche? Então melhor esquecer Yale, Harvard ou alguma outra da “Ivy League”.
Lembrei-me desse conto ao acompanhar uma notícia que teve grande repercussão aqui nos Estados Unidos, mas que sequer foi mencionada no Brasil. Um grande esquema de corrupção envolvendo as melhores universidades foi exposto pela Justiça, resultando em prisões. Artistas e ricaços subornaram técnicos de esportes ou funcionários das universidades para facilitarem a entrada de seus filhos nelas. Em alguns casos, centenas de milhares de dólares foram gastos.
Se alguém estudou em Yale ou Harvard, presume-se que seja inteligente, dedicado e de boa formação
Quando pais milionários torram meio milhão para que seu filho possa frequentar Yale, cabe perguntar: qual o real benefício disso? Para que serve a universidade? E o vídeo de uma das beneficiadas pelo esquema talvez traga a melhor resposta: ela confessava que não iria estudar muito, pois é modelo e viaja bastante, mas que teria muita diversão por lá e conheceria muita gente legal. A sinceridade é tocante, mas ela não está errada.
A triste verdade é que muitas universidades, hoje, servem apenas para essas duas funções, basicamente: rede de contatos e credencial. É a opinião do conservador Ben Shapiro. Se alguém estudou em Yale ou Harvard, presume-se que seja inteligente, dedicado e de boa formação, com um network invejável. Na cultura do diploma, o que vale é o selo em si, além dos contatos feitos durante aqueles anos de “estudo”. A crème de la crème da sociedade frequentou o mesmo lugar, e dali vão sair os herdeiros de empresas, os CEOs, os senadores.
Claro que estou generalizando, mas o escândalo mostra bem como o principal fator é mesmo o “pertencimento” ao seleto grupo, não necessariamente o conteúdo ensinado ali. Até porque podemos assumir que quem não tem capacidade para entrar por mérito próprio não deveria sequer conseguir concluir o curso. Ainda existem cursos que efetivamente ensinam coisas úteis para o mercado de trabalho, sem dúvida. Mas estão concentrados nas áreas de exatas, enquanto as ciências humanas parecem dominadas por pautas políticas e ideológicas, que agregam pouco ou nenhum valor concreto.
É espantoso o grau de destruição da qualidade do ensino universitário, tanto no Brasil como aqui nos Estados Unidos. Os resultados estão aí para quem quiser ver: inúmeros militantes “progressistas” que, de forma arrogante, querem “salvar o planeta” ou “construir um novo mundo”, mas não sabem o básico de história, brigam com a matemática, flertam com o socialismo e defendem agendas radicais.
Vários autores já trataram do tema, como Roger Kimball em Radicais nas universidades, David Horowitz em The Professors, Bruce Bawer em The Victims’ Revolution, Greg Lukianoff em Unlearning Liberty, entre outros. No caso brasileiro temos o excelente livro de Flávio Gordon, A corrupção da inteligência, que já resenhei nesse espaço. O fato preocupante é que as universidades foram tomadas por revolucionários com uma agenda política e ideológica, e isso produziu um efeito devastador no ensino. Somado ao politicamente correto, que criou os “espaços seguros” contra as “microagressões”, isso gerou uma catástrofe de grandes proporções na qualidade das universidades.
Aquele que deveria ser um local para se absorver conhecimento, aprender a pensar por conta própria, trocar argumentos em debates calorosos, produzir uma elite intelectual preparada para o mundo real, acabou se transformando em máquina de produção de mimados arrogantes e ingratos, que repetem slogans vazios e votam em Bernie Sanders, o democrata simpático ao regime soviético. E os pais gastam fortunas para isso!
Não há uma explicação mercadológica para isso além dessa levantada por Ben Shapiro. Esses pais querem que seus filhos estejam no meio de outros igualmente ricos, usando a universidade como filtro elitista para montar uma boa rede de contatos e garantir uma credencial louvável na busca por emprego – não necessariamente trabalho. Não é preciso, em suma, ser eficiente de fato, focar no mérito pessoal, pois diploma e network vão compensar. A patota vai se afunilando em sua bolha, e olha para fora com desprezo, para todos aqueles “alienados” que não se graduaram ou não se formaram nas melhores universidades, ainda frequentam igrejas e, cruzes!, votam nos republicanos.
Dennis Prager escreveu sobre o assunto para o Townhall.com, questionando por que as pessoas fariam aquilo que sabem ser imoral e mesmo ilegal só para que seus filhos entrem em Yale, ou até na USC, e respondeu: “Estou certo de que o maior motivo é o direito de se gabar”. Eles definem seu valor como pais com base em qual universidade seus filhos frequentam. Mas Prager se mostra chocado com o nível de superficialidade disso. Afinal, seu filho ir para Yale nada diz sobre sua maturidade, bom senso, decência ou caráter. Ou seja, não diz nada sobre aquilo que é realmente importante para uma pessoa.
E se os próprios pais estão dispostos a subornar as universidades para que seus filhos entrem sem o devido mérito, o que isso lhes ensina sobre tais questões importantes, sobre o caráter? Se não aprendem isso em casa, não será em Yale ou Harvard que vão aprender. Ao contrário: lá, nos dias atuais, vão aprender a usar essas características imorais só para “se dar bem”. Os mais “capazes” poderão até se tornar um político democrata, para defender agendas radicais como o aborto tardio, a ideologia de gênero e o socialismo. Deus salve a América, porque, se depender de Harvard ou Yale, lascou...
29 de março de 2019
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal."
Gazeta do Povo, PR
O cineasta e comediante Woody Allen tem um conto divertidíssimo chamado A rejeição. É a história de um russo do mercado financeiro que vive em Manhattan e entra em desespero ao receber uma carta com o aviso da expulsão de seu filho de três anos da melhor creche da cidade.
Com um perfil obsessivo, como o do próprio Allen, o pai começa a ter calafrios ao imaginar o que essa notícia representa para o futuro de seu rebento: acabou tudo! Ele será um indigente, não será aceito em nenhuma das boas universidades, não vai conseguir um bom emprego.
O exagero é divertido justamente porque toca na realidade: em certos círculos elitistas, não conseguir acesso “àquela” escola ou mesmo creche já pode representar uma sensação de exclusão. O filhinho não montou direito os blocos de armar, foi vetado na creche? Então melhor esquecer Yale, Harvard ou alguma outra da “Ivy League”.
Lembrei-me desse conto ao acompanhar uma notícia que teve grande repercussão aqui nos Estados Unidos, mas que sequer foi mencionada no Brasil. Um grande esquema de corrupção envolvendo as melhores universidades foi exposto pela Justiça, resultando em prisões. Artistas e ricaços subornaram técnicos de esportes ou funcionários das universidades para facilitarem a entrada de seus filhos nelas. Em alguns casos, centenas de milhares de dólares foram gastos.
Se alguém estudou em Yale ou Harvard, presume-se que seja inteligente, dedicado e de boa formação
Quando pais milionários torram meio milhão para que seu filho possa frequentar Yale, cabe perguntar: qual o real benefício disso? Para que serve a universidade? E o vídeo de uma das beneficiadas pelo esquema talvez traga a melhor resposta: ela confessava que não iria estudar muito, pois é modelo e viaja bastante, mas que teria muita diversão por lá e conheceria muita gente legal. A sinceridade é tocante, mas ela não está errada.
A triste verdade é que muitas universidades, hoje, servem apenas para essas duas funções, basicamente: rede de contatos e credencial. É a opinião do conservador Ben Shapiro. Se alguém estudou em Yale ou Harvard, presume-se que seja inteligente, dedicado e de boa formação, com um network invejável. Na cultura do diploma, o que vale é o selo em si, além dos contatos feitos durante aqueles anos de “estudo”. A crème de la crème da sociedade frequentou o mesmo lugar, e dali vão sair os herdeiros de empresas, os CEOs, os senadores.
Claro que estou generalizando, mas o escândalo mostra bem como o principal fator é mesmo o “pertencimento” ao seleto grupo, não necessariamente o conteúdo ensinado ali. Até porque podemos assumir que quem não tem capacidade para entrar por mérito próprio não deveria sequer conseguir concluir o curso. Ainda existem cursos que efetivamente ensinam coisas úteis para o mercado de trabalho, sem dúvida. Mas estão concentrados nas áreas de exatas, enquanto as ciências humanas parecem dominadas por pautas políticas e ideológicas, que agregam pouco ou nenhum valor concreto.
É espantoso o grau de destruição da qualidade do ensino universitário, tanto no Brasil como aqui nos Estados Unidos. Os resultados estão aí para quem quiser ver: inúmeros militantes “progressistas” que, de forma arrogante, querem “salvar o planeta” ou “construir um novo mundo”, mas não sabem o básico de história, brigam com a matemática, flertam com o socialismo e defendem agendas radicais.
Vários autores já trataram do tema, como Roger Kimball em Radicais nas universidades, David Horowitz em The Professors, Bruce Bawer em The Victims’ Revolution, Greg Lukianoff em Unlearning Liberty, entre outros. No caso brasileiro temos o excelente livro de Flávio Gordon, A corrupção da inteligência, que já resenhei nesse espaço. O fato preocupante é que as universidades foram tomadas por revolucionários com uma agenda política e ideológica, e isso produziu um efeito devastador no ensino. Somado ao politicamente correto, que criou os “espaços seguros” contra as “microagressões”, isso gerou uma catástrofe de grandes proporções na qualidade das universidades.
Aquele que deveria ser um local para se absorver conhecimento, aprender a pensar por conta própria, trocar argumentos em debates calorosos, produzir uma elite intelectual preparada para o mundo real, acabou se transformando em máquina de produção de mimados arrogantes e ingratos, que repetem slogans vazios e votam em Bernie Sanders, o democrata simpático ao regime soviético. E os pais gastam fortunas para isso!
Não há uma explicação mercadológica para isso além dessa levantada por Ben Shapiro. Esses pais querem que seus filhos estejam no meio de outros igualmente ricos, usando a universidade como filtro elitista para montar uma boa rede de contatos e garantir uma credencial louvável na busca por emprego – não necessariamente trabalho. Não é preciso, em suma, ser eficiente de fato, focar no mérito pessoal, pois diploma e network vão compensar. A patota vai se afunilando em sua bolha, e olha para fora com desprezo, para todos aqueles “alienados” que não se graduaram ou não se formaram nas melhores universidades, ainda frequentam igrejas e, cruzes!, votam nos republicanos.
Dennis Prager escreveu sobre o assunto para o Townhall.com, questionando por que as pessoas fariam aquilo que sabem ser imoral e mesmo ilegal só para que seus filhos entrem em Yale, ou até na USC, e respondeu: “Estou certo de que o maior motivo é o direito de se gabar”. Eles definem seu valor como pais com base em qual universidade seus filhos frequentam. Mas Prager se mostra chocado com o nível de superficialidade disso. Afinal, seu filho ir para Yale nada diz sobre sua maturidade, bom senso, decência ou caráter. Ou seja, não diz nada sobre aquilo que é realmente importante para uma pessoa.
E se os próprios pais estão dispostos a subornar as universidades para que seus filhos entrem sem o devido mérito, o que isso lhes ensina sobre tais questões importantes, sobre o caráter? Se não aprendem isso em casa, não será em Yale ou Harvard que vão aprender. Ao contrário: lá, nos dias atuais, vão aprender a usar essas características imorais só para “se dar bem”. Os mais “capazes” poderão até se tornar um político democrata, para defender agendas radicais como o aborto tardio, a ideologia de gênero e o socialismo. Deus salve a América, porque, se depender de Harvard ou Yale, lascou...
29 de março de 2019
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal."
Gazeta do Povo, PR
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