"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

RÉQUIEM PARA O BDSM


Pessoas que gostam de apanhar não encontram ninguém que queira bater, escreve Luiz Felipe Pondé em sua coluna na Gazeta do Povo:

Alguns anos atrás, eu dizia nesta coluna que o sadomasoquismo ia virar nutella, como tudo no mundo de plástico em que vivemos. Apostava no surgimento de um sadomasô vegano e que praticantes do sadomaquismo exigiriam o reconhecimento de sua dignidade levando sua dominatrix para a reunião de pais e mestres na escola.

A verdade é que cheguei perto. O movimento BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, masoquismo e sadomasoquismo) simplesmente acabou. Seja no viés profissional, seja no amador. O que ainda resta é virar baunilha: gente que gosta de ver outros apanhando, mas não tem coragem de entrar no jogo, mesmo que às vezes fique com a boca cheia de água para levar uns tapas no rosto, pelo menos.

Mulheres e homens que gostam de apanhar não encontram mais ninguém que queira bater. Por quê? Porque ninguém é louco. Na hora que a figura está louca pra apanhar, ela promete tudo: eu quero que você me queime com o cigarro, me humilhe, deixe marcas no meu corpo, me amarre, me estupre, enfim. Dias depois, um desentendimento sobre ir ou não ir num almoço de domingo na casa da mãe dela, e aquilo que era supostamente consensual virou exame de corpo de delito. A verdade é que nenhum agente do Estado vai acreditar que ela (ou ele) pediu para apanhar. Quem bateu vai em cana e pronto.

No caso de homens héteros que gostam de apanhar é mais difícil alguém levar a sério uma queixa desse tipo. No caso de homens ou mulheres gays é mais fácil. No caso de uma mulher hétero, mesmo que ela reconheça que gosta de apanhar, rapidamente uma assistente social ou psicóloga a convencerá de que ela acha que gosta, mas foi a sociedade patriarcal que a fez gostar de apanhar no sexo. Portanto, lhe foi imposto o desejo por sentir dor no sexo.

O tema é explosivo e, como tudo que se refere à vida do desejo, quando a política entra em cena, parece que estamos vendo um elefante entrar numa loja de cristais.

Testemunhos. Uma jovem mulher bonita que sempre gostou de apanhar. Já teve alguns relacionamentos promissores arruinados porque ela adora apanhar pesado e nenhum dos namorados está a fim de correr o risco. Outra pede pelo amor de Deus aos amigos que batam nela pelo menos um pouco, sem compromisso, sem precisar ligar no dia seguinte ou coisa parecida. Tudo que querem são algumas marcas no corpo como memória de quão vadias são.

Nem todo homem gosta de bater em mulher no sexo. Quando ela gosta de apanhar e ele não gosta de bater, o relacionamento termina em adultério. Mas mesmo os que curtem agora recuam com medo dos riscos. Às vezes, elas só querem apanhar dos amantes e não dos maridos.

Gays reclamam que mesmo saunas gays, onde muitos iam para apanhar no sexo, estão quebrando com medo de processos. Mesmo os gays devem virar margarina.

Eis uma época que se vangloria de ser a civilização da liberdade, mas que é nutella. Nunca existiu no Ocidente uma civilização mais repressora do que a nossa em matéria de vida sexual. E por quê? Porque a sexualidade está presa na discussão de quem vai fazer xixi onde, quando muita gente gosta mesmo é que façam xixi na boca delas ou deles. Não existe sexo do bem nem saudável. Só o brocha.

Sei, claro: existe muita violência contra a mulher, e isso é intolerável. Deve ser punido. Dizer que pessoas gostam de apanhar não significa que todas gostem de apanhar ou mesmo que seja uma maioria que gosta de apanhar. Mas a verdade é que a vida sexual sempre foi algo para que se guardava uma certa reverência, devido justamente ao seu caráter sombrio. Hoje não. Hoje gente sorridente ensina sobre sexo assim como quem ensina sobre alimentação sem glúten.

O blablablá da liberação sexual deu no mundo mais careta da face da Terra. Pense: o que você faria se sua namorada confessasse que gosta de ser amarrada, humilhada, surrada, que sem isso ela não atingiria o orgasmo? Se ela pedisse para se encontrar com você num banheiro de avião e que lá você fizesse xixi na boca dela? Ou que ela gostasse de trazer uma outra mulher para o quarto, que gostasse de apanhar, e você assistisse a ela bater nessa outra mulher como forma de excitação tanto pra você como para ela?

Submissão absoluta? Ser enjaulada por dias? Detalhe: a ideia do Marquês de Sade, pai dessa moçada heavy, é que só vale quando vai além do consensual. Por isso, o pedido pela dor: quanto mais insuportável, mais prazer. Uma missa falando de pecados era mais sexy do que eventos celebrando a emancipação sexual. Amém.


20 de fevereiro de 2019
Luiz Felipe Pondé

Nenhum comentário:

Postar um comentário