Abordo dois temas correlatos, o alcance do foro privilegiado e a ‘indústria’ da corrupção instalada e arraigada no país, com nefastos efeitos na política e na administração pública. A correlação está justamente no fato de que a busca pela proteção concedida pelo foro liga-se basicamente a envolvidos em corrupção, raramente a delito político ou administrativo, escopo do foro por prerrogativa de função. Corrupção é crime comum, matéria do Direito Penal, não do Direito Administrativo, ainda que haja correlação.
Quanto ao foro privilegiado, instituto visto como proteção casuística a políticos a agentes públicos, o STF acaba de tomar decisão restringindo o alcance desse benefício. Em resumo, exclui senadores e deputados federais. Não era bem isso que a sociedade almejava, tanto que no dia em que a Suprema Corte retomou o julgamento da questão foi publicada pesquisa do Ibope revelando que ‘78% dos brasileiros querem o fim do foro privilegiado’.
Entendo que a posição tomada, mesmo que não seja a ideal, é um passo à frente porque coloca o tema no foco da discussão e, principalmente, abre a possibilidade de votação de projetos apresentados e não prosperados no Congresso exatamente pelo espírito corporativo. Afinal, seria ingenuidade pensar que parlamentares fossem aprovar lei acabando com seus próprios privilégios. Agora, já que perderam o benefício, nada mais há porque lutar e podem rever a questão, ampliando seu alcance, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 10/2013) apresentada pelo senador paranaense Álvaro Dias, aprovada no Senado e ‘engavetada’ na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal.
Corruptos e corruptores – Por mais irônico que pareça, a corrupção é assemelhada ao tráfico de drogas e idêntica também a discussão sobre o combate: não havendo uma ponta a outra tende a desaparecer. Este mal, a corrupção, não grassa apenas em nosso país, porém, aqui se tornou endêmico e nas últimas décadas transformou-se em epidemia a ponto de não mais preocupar. Corrupção, ou favorecimento no âmbito dos governos passou a ser visto como mal necessário. Foi com a Operação Lava Jato que os brasileiros tiveram consciência do tamanho do problema e de sua incrível engenhosidade operacional.
Depois disso, o combate focou uma parte do problema e o ataque se concentrou mais no efeito do que na causa; não que seja o método errado, mas certamente ineficaz para debelar ou ao menos reduzir o problema.
É sabido que não existirá o corrupto se inexistir o corruptor, é elementar…
Sabidamente, a maior parte dos atos de corrupção vem das empresas, das grandes e organizadas corporações que tomaram de assalto o estado brasileiro, evidentemente, com a conivência e associação a maus políticos, desonestos gestores públicos e dirigentes de estatais e organismos governamentais. Porém, só temos, via de regra, foco nos corruptos, deixando de lado os corruptores – com algumas exceções agora na Lava Jato.
Portanto, é sabido que para prosperar a corrupção é obrigatória a existência dessas duas partes, a que corrompe e a que se deixa corromper, sendo primário o raciocínio de que enquanto houver corruptores haverá corruptos dispostos a delinquir em prejuízo do estado minando recursos que poderiam estar sendo empregados em favor da população, notoriamente carente em assistência governamental.
Um diretor da Petrobras, estatal mais prejudicada pelo esquema, afirmou em depoimento à autoridade judicial que “Não existe doação de campanha. São empréstimos a serem cobrados posteriormente, com juros altos, dos beneficiários das contribuições quando no exercício do cargo.”
Cabe aqui uma indagação simples: seria possível a existência de um corrupto sem a parceria com um corruptor? A resposta óbvia é ‘não’ e qualquer pessoa de bom senso e razoavelmente informada sabe que a corrupção ocorre porque dela participa ativamente um interessado em obter vantagem ilícita, ou eliminando previamente eventuais concorrentes numa licitação, ou realizando menos do que o contratado ou, ainda, utilizando material inferior para aumento de seus ganhos. E não é raro que as pessoas mais atentas e informadas não tenham qualquer dúvida quanto à ação corruptora de uma empresa interessada, a qual, quando se trata de uma grande obra, com frequência é uma empresa de grande porte. E os agentes dessa corrupção, os que, valendo-se de seu poder econômico ou de sua influência política, envolveram servidores em práticas de corrupção, esses até agora ficaram ocultos e impunes, apesar de causarem prejuízos, às vezes muito graves, ao interesse público.
A razoabilidade nos indica que devemos ter agentes públicos honestos, devemos, da mesma forma, termos dirigentes empresariais igualmente corretos. Ou seja, espera-se a fiscalização das empresas que se relacionam com o governo na prestação de serviços. Recentemente o governo editou normas para combater a corrupção em seu meio, porque, evidentemente não pode ditar normas dessa natureza ao setor empresarial.
Então, cabe ao sistema empresarial ditar normas de boa conduta a gerentes e diretores de organizações, ou seja, cabe às entidades fiscalizar a ação das corporações. Exemplificando: um médico tem sua atuação profissional fiscalizada pelo Conselho Regional de Medicina, assim como o advogado está subordinado à OAB. Portanto, devem as Federações e Confederações o exercício dessa norma, desde que estejam realmente interessadas, posto que banir práticas ilícitas, como a corrupção, é um dever nacional. Tais entidades, que por essência são fiscalizadoras, têm o dever de zelar pela conduta de seus filiados.
Fazer sua parte para sanear o Brasil é dever de todos e, principalmente dessas entidades. Têm elas o poder de impor sansões a empresas e seus dirigentes quando pegos em ilícitos – no caso a corrupção de agentes públicos. A Federação pode, cautelarmente, impedir sua filiada de participar de atos que resultarão em contratos com governos, desde que tenha esta sido envolvidas em falcatruas – esse é o termo – contratuais. Seria, em termos, a aplicação da ‘ficha suja’ a empresas e/ou seus dirigentes.
Repito, combater a corrupção é obrigação geral. Assim como a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário deve também o empresariado colaborar.
29 de maio de 2018
Luiz Carlos Borges da Silveira é empresário, médico e professor e foi ministro da Saúde e deputado federal.
Quanto ao foro privilegiado, instituto visto como proteção casuística a políticos a agentes públicos, o STF acaba de tomar decisão restringindo o alcance desse benefício. Em resumo, exclui senadores e deputados federais. Não era bem isso que a sociedade almejava, tanto que no dia em que a Suprema Corte retomou o julgamento da questão foi publicada pesquisa do Ibope revelando que ‘78% dos brasileiros querem o fim do foro privilegiado’.
Entendo que a posição tomada, mesmo que não seja a ideal, é um passo à frente porque coloca o tema no foco da discussão e, principalmente, abre a possibilidade de votação de projetos apresentados e não prosperados no Congresso exatamente pelo espírito corporativo. Afinal, seria ingenuidade pensar que parlamentares fossem aprovar lei acabando com seus próprios privilégios. Agora, já que perderam o benefício, nada mais há porque lutar e podem rever a questão, ampliando seu alcance, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 10/2013) apresentada pelo senador paranaense Álvaro Dias, aprovada no Senado e ‘engavetada’ na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal.
Corruptos e corruptores – Por mais irônico que pareça, a corrupção é assemelhada ao tráfico de drogas e idêntica também a discussão sobre o combate: não havendo uma ponta a outra tende a desaparecer. Este mal, a corrupção, não grassa apenas em nosso país, porém, aqui se tornou endêmico e nas últimas décadas transformou-se em epidemia a ponto de não mais preocupar. Corrupção, ou favorecimento no âmbito dos governos passou a ser visto como mal necessário. Foi com a Operação Lava Jato que os brasileiros tiveram consciência do tamanho do problema e de sua incrível engenhosidade operacional.
Depois disso, o combate focou uma parte do problema e o ataque se concentrou mais no efeito do que na causa; não que seja o método errado, mas certamente ineficaz para debelar ou ao menos reduzir o problema.
É sabido que não existirá o corrupto se inexistir o corruptor, é elementar…
Sabidamente, a maior parte dos atos de corrupção vem das empresas, das grandes e organizadas corporações que tomaram de assalto o estado brasileiro, evidentemente, com a conivência e associação a maus políticos, desonestos gestores públicos e dirigentes de estatais e organismos governamentais. Porém, só temos, via de regra, foco nos corruptos, deixando de lado os corruptores – com algumas exceções agora na Lava Jato.
Portanto, é sabido que para prosperar a corrupção é obrigatória a existência dessas duas partes, a que corrompe e a que se deixa corromper, sendo primário o raciocínio de que enquanto houver corruptores haverá corruptos dispostos a delinquir em prejuízo do estado minando recursos que poderiam estar sendo empregados em favor da população, notoriamente carente em assistência governamental.
Um diretor da Petrobras, estatal mais prejudicada pelo esquema, afirmou em depoimento à autoridade judicial que “Não existe doação de campanha. São empréstimos a serem cobrados posteriormente, com juros altos, dos beneficiários das contribuições quando no exercício do cargo.”
Cabe aqui uma indagação simples: seria possível a existência de um corrupto sem a parceria com um corruptor? A resposta óbvia é ‘não’ e qualquer pessoa de bom senso e razoavelmente informada sabe que a corrupção ocorre porque dela participa ativamente um interessado em obter vantagem ilícita, ou eliminando previamente eventuais concorrentes numa licitação, ou realizando menos do que o contratado ou, ainda, utilizando material inferior para aumento de seus ganhos. E não é raro que as pessoas mais atentas e informadas não tenham qualquer dúvida quanto à ação corruptora de uma empresa interessada, a qual, quando se trata de uma grande obra, com frequência é uma empresa de grande porte. E os agentes dessa corrupção, os que, valendo-se de seu poder econômico ou de sua influência política, envolveram servidores em práticas de corrupção, esses até agora ficaram ocultos e impunes, apesar de causarem prejuízos, às vezes muito graves, ao interesse público.
A razoabilidade nos indica que devemos ter agentes públicos honestos, devemos, da mesma forma, termos dirigentes empresariais igualmente corretos. Ou seja, espera-se a fiscalização das empresas que se relacionam com o governo na prestação de serviços. Recentemente o governo editou normas para combater a corrupção em seu meio, porque, evidentemente não pode ditar normas dessa natureza ao setor empresarial.
Então, cabe ao sistema empresarial ditar normas de boa conduta a gerentes e diretores de organizações, ou seja, cabe às entidades fiscalizar a ação das corporações. Exemplificando: um médico tem sua atuação profissional fiscalizada pelo Conselho Regional de Medicina, assim como o advogado está subordinado à OAB. Portanto, devem as Federações e Confederações o exercício dessa norma, desde que estejam realmente interessadas, posto que banir práticas ilícitas, como a corrupção, é um dever nacional. Tais entidades, que por essência são fiscalizadoras, têm o dever de zelar pela conduta de seus filiados.
Fazer sua parte para sanear o Brasil é dever de todos e, principalmente dessas entidades. Têm elas o poder de impor sansões a empresas e seus dirigentes quando pegos em ilícitos – no caso a corrupção de agentes públicos. A Federação pode, cautelarmente, impedir sua filiada de participar de atos que resultarão em contratos com governos, desde que tenha esta sido envolvidas em falcatruas – esse é o termo – contratuais. Seria, em termos, a aplicação da ‘ficha suja’ a empresas e/ou seus dirigentes.
Repito, combater a corrupção é obrigação geral. Assim como a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário deve também o empresariado colaborar.
29 de maio de 2018
Luiz Carlos Borges da Silveira é empresário, médico e professor e foi ministro da Saúde e deputado federal.
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