Esse princípio básico de economia segue sendo incompreendido
Uma cidade acabou de sofrer um desastre natural. Ela ficou ilhada e todo o suprimento de bens essenciais foi interrompido.
Logo, todo o estoque de alimentos tornou-se repentinamente escasso, pois agora há apenas uma quantia fixa. E não há data para reabastecimento.
Imediatamente, o prefeito desta cidade, demonstrando toda a sua sapiência e todo o seu amor pela humanidade, decreta congelamento geral de preços.
O que irá ocorrer em seguida é fácil de ser previsto.
As pessoas de bom poder aquisitivo e munidas de bons meios de transporte correm para os supermercados e mercearias, e compram absolutamente tudo o que podem, enchendo seus porta-malas, pois sabem que não há nenhuma previsão de normalização do abastecimento.
Outras comprarão também tudo o que podem, mas mais por capricho. Afinal, por que perder uma ida ao supermercado? Por que não comprar o máximo de água e leite possível, já que tudo está uma pechincha mesmo? Com efeito, por que não comprar todos os tipos de carne e fazer um churrasco em um local sossegado para descarregar suas tensões?
Estas pessoas irão entupir seus automóveis de gasolina e diesel, enchendo inclusive vários galões, e viajarão para seus retiros e casas de campo. Sem combustível nos postos, táxis, carros de aplicativo e demais autônomos que utilizam seus veículos como instrumento de trabalho (inclusive motoboys) ficam sem ter como trabalhar, e perdem sua renda.
Mas piora: ambulâncias, polícia, bombeiros e outros serviços de pronto atendimento (como os motoboys que transportam remédios) não mais podem operar, e as pessoas morrem em suas casas, sem nenhum socorro. Pessoas que fazem trabalho voluntário e caritativo, e que dependem de automóveis para se locomover, também não mais poderão fazer nada.
Os mais pobres, que andam a pé ou de bicicleta, e que estavam dispostos a comprar apenas o mínimo necessário, descobrem que os supermercados e mercearias já fecharam, pois todo o estoque já foi vendido para os mais ricos munidos de bons meios de transporte. As crianças começam a morrer de inanição e por falta de atendimento médico — afinal, médicos não têm combustível para ir para as casas destas pessoas.
Em meio à catástrofe humanitária, o prefeito baterá no peito e dirá: "Ao menos eu não permiti que esses empresários safados especulassem preços em cima do povo!"
A lógica é sempre a mesma
Embora o cenário acima seja extremo, isso é o que ocorre quando há controle de preços em um cenário cuja oferta foi abruptamente interrompida.
Raciocínio similar pode ser aplicado ao controle de preços sobre os combustíveis em uma época de oferta escassa deste bem essencial.
Se a oferta de combustíveis escasseou abruptamente por causa de uma greve de caminhoneiros, e o governo decreta que os preços dos combustíveis não podem subir nas bombas — e até ameaça prender os donos de postos que eventualmente cobrarem caro pela gasolina, pelo etanol e pelo diesel—, o que imediatamente ocorrerá é que os mais desocupados, que têm muito tempo em suas mãos, correrão para os postos e encherão seus tanques. Já os trabalhadores, com muito menos tempo disponível, quando finalmente conseguirem chegar aos postos, ficarão apenas com o vapor da gasolina.
Se o preço dos combustíveis continuar constante em meio a uma severa escassez, os consumidores continuarão a consumir como se não estivéssemos atravessando um período de escassez acentuada, e o combustível disponível acabará muito mais rapidamente, levando a mais filas nos postos e a mais gente que precisa de combustível sem tê-lo.
Como explicou Joel Pinheiro da Fonseca, o estudante que levou seu carro ao posto por mera conveniência (pois podia, digamos, usar o metrô) consumirá a gasolina do taxista, do motorista de aplicativo e do motoboy que precisava dela, ainda que cara, para garantir o dia de trabalho. Ambulâncias e viaturas de polícia também ficarão sem nada. O vendedor e o autônomo que utilizam seu carro como instrumento de trabalho perderão dias de trabalho e ficarão sem renda.
Aqueles que, em suma, necessitam desesperadoramente de combustível — pois sua renda do trabalho depende de sua locomoção — ficarão sem esse insumo precioso, pois o mesmo já foi usado para abastecer completamente o tanque daqueles indivíduos que tinham mais tempo e que chegaram antes aos postos, e que pediram para "encher até a boca" apenas para se precaver quanto ao futuro.
O "preço abusivo" tem uma função social
Em uma economia de mercado, quando um determinado bem se torna mais escasso, o efeito que isso gera não é um racionamento do mesmo, mas sim um aumento em seu preço. O aumento no preço serve para reduzir a quantidade que os compradores intencionam comprar deste bem até um nível que esteja dentro do limite da reduzida oferta disponível.
A função precípua do sistema de preços é exatamente essa: coordenar uma alocação racional de recursos escassos.
Se os postos forem liberados para aumentar seus preços até um nível que reduza a quantidade de combustível demandado pelos consumidores, de modo que a demanda se ajuste à reduzida oferta disponível, o problema da falta de gasolina estará temporariamente resolvido.
Tendo de lidar com preços maiores, muitos dos motoristas que hoje passam horas nas filas dos postos de gasolina iriam simplesmente desistir de utilizar seus carros e passariam a buscar arranjos alternativos de transporte, seja o compartilhamento de carros, a utilização de bicicletas ou qualquer outro arranjo. Praticamente todos iriam restringir suas viagens automotivas em proporção ao maior custo do uso do automóvel. Só iriam a um posto aqueles que estivessem genuinamente dispostos a pagar preços muito altos pelo combustível. Não mais haveria o problema de aposentados enchendo seus tanques com o único propósito de "mantê-lo cheio para emergências" enquanto médicos, ambulâncias e viaturas policiais não conseguem combustível para se locomover e salvar vidas.
As pessoas que precisassem de gasolina para propósitos urgentes, como ir trabalhar, mas que não pudessem pagar preços severamente altos não estariam tão ruins quanto aquelas que precisam de gasolina para ir trabalhar mas que simplesmente não conseguem adquiri-la, ou só a adquirem após esperarem na fila por três horas. Tais pessoas poderiam compartilhar o mesmo carro e dividir entre si o alto preço da gasolina. Quanto maior o número de pessoas no mesmo carro, menor o preço individual.
Ao preço mais alto, menos gente vai querer comprar gasolina e diesel; alguns que planejavam encher o tanque nesses dias simplesmente não o encherão; outros encherão o mínimo possível, e tentarão reduzir o uso do carro se ele estiver com tanque baixo.
O resultado é uma demanda menor por combustível, o que faz com que o estoque, que escasseou, dure mais e seja destinado aos casos mais urgentes, àqueles que realmente precisam do combustível agora e estão, portanto, dispostos a pagar mais caro.
O posto, ao aumentar o preço para lucrar com a escassez, promove a economia do combustível, que é exatamente a atitude necessária em tempos de carestia.
Mesmo em um período curto de escassez abrupta é não apenas justificado, mas socialmente benéfico que os ofertantes aumentem o preço. É graças a esse "aumento abusivo" que o produto fica um pouco menos escasso, pois as pessoas adaptam o uso que fazem dele às novas condições de preço.
O real problema
Porém, dado que burocratas do governo são completamente ignorantes a respeito das leis da economia, eles acreditam que preços não têm conexão alguma com a realidade do mercado, e podem ser controlados por eles sem gerar absolutamente nenhum efeito colateral. Eles acreditam piamente que o único efeito do controle de preços é o de tornar a oferta menos cara. Sim, a oferta será menos cara — mas não haverá oferta.
Pessoas passarão infindáveis horas nas filas dos postos de gasolina, dia após dia, tentando obter algo que não existe. Sob qual aspecto tal arranjo é mais sensato do que o de permitir que os preços sejam "inescrupulosamente" altos, durante um período de tempo muito curto, de modo a fazer com que o problema seja rapidamente resolvido?
Em uma sociedade na qual as leis econômicas fossem amplamente entendidas, legisladores, juízes e veículos de mídia que tentassem impedir aumentos de preços em situações de emergência seriam considerados inimigos públicos e afastados imediatamente de seus cargos. E eles seriam afastados não por uma mera falta de apoio popular, mas sim por uma falta de apoio manifestada no mais completo desprezo e escárnio do público por sua ignorância econômica e desejo de destruição e miséria.
29 de maio de 2018
Thiago Fonseca
Uma cidade acabou de sofrer um desastre natural. Ela ficou ilhada e todo o suprimento de bens essenciais foi interrompido.
Logo, todo o estoque de alimentos tornou-se repentinamente escasso, pois agora há apenas uma quantia fixa. E não há data para reabastecimento.
Imediatamente, o prefeito desta cidade, demonstrando toda a sua sapiência e todo o seu amor pela humanidade, decreta congelamento geral de preços.
O que irá ocorrer em seguida é fácil de ser previsto.
As pessoas de bom poder aquisitivo e munidas de bons meios de transporte correm para os supermercados e mercearias, e compram absolutamente tudo o que podem, enchendo seus porta-malas, pois sabem que não há nenhuma previsão de normalização do abastecimento.
Outras comprarão também tudo o que podem, mas mais por capricho. Afinal, por que perder uma ida ao supermercado? Por que não comprar o máximo de água e leite possível, já que tudo está uma pechincha mesmo? Com efeito, por que não comprar todos os tipos de carne e fazer um churrasco em um local sossegado para descarregar suas tensões?
Estas pessoas irão entupir seus automóveis de gasolina e diesel, enchendo inclusive vários galões, e viajarão para seus retiros e casas de campo. Sem combustível nos postos, táxis, carros de aplicativo e demais autônomos que utilizam seus veículos como instrumento de trabalho (inclusive motoboys) ficam sem ter como trabalhar, e perdem sua renda.
Mas piora: ambulâncias, polícia, bombeiros e outros serviços de pronto atendimento (como os motoboys que transportam remédios) não mais podem operar, e as pessoas morrem em suas casas, sem nenhum socorro. Pessoas que fazem trabalho voluntário e caritativo, e que dependem de automóveis para se locomover, também não mais poderão fazer nada.
Os mais pobres, que andam a pé ou de bicicleta, e que estavam dispostos a comprar apenas o mínimo necessário, descobrem que os supermercados e mercearias já fecharam, pois todo o estoque já foi vendido para os mais ricos munidos de bons meios de transporte. As crianças começam a morrer de inanição e por falta de atendimento médico — afinal, médicos não têm combustível para ir para as casas destas pessoas.
Em meio à catástrofe humanitária, o prefeito baterá no peito e dirá: "Ao menos eu não permiti que esses empresários safados especulassem preços em cima do povo!"
A lógica é sempre a mesma
Embora o cenário acima seja extremo, isso é o que ocorre quando há controle de preços em um cenário cuja oferta foi abruptamente interrompida.
Raciocínio similar pode ser aplicado ao controle de preços sobre os combustíveis em uma época de oferta escassa deste bem essencial.
Se a oferta de combustíveis escasseou abruptamente por causa de uma greve de caminhoneiros, e o governo decreta que os preços dos combustíveis não podem subir nas bombas — e até ameaça prender os donos de postos que eventualmente cobrarem caro pela gasolina, pelo etanol e pelo diesel—, o que imediatamente ocorrerá é que os mais desocupados, que têm muito tempo em suas mãos, correrão para os postos e encherão seus tanques. Já os trabalhadores, com muito menos tempo disponível, quando finalmente conseguirem chegar aos postos, ficarão apenas com o vapor da gasolina.
Se o preço dos combustíveis continuar constante em meio a uma severa escassez, os consumidores continuarão a consumir como se não estivéssemos atravessando um período de escassez acentuada, e o combustível disponível acabará muito mais rapidamente, levando a mais filas nos postos e a mais gente que precisa de combustível sem tê-lo.
Como explicou Joel Pinheiro da Fonseca, o estudante que levou seu carro ao posto por mera conveniência (pois podia, digamos, usar o metrô) consumirá a gasolina do taxista, do motorista de aplicativo e do motoboy que precisava dela, ainda que cara, para garantir o dia de trabalho. Ambulâncias e viaturas de polícia também ficarão sem nada. O vendedor e o autônomo que utilizam seu carro como instrumento de trabalho perderão dias de trabalho e ficarão sem renda.
Aqueles que, em suma, necessitam desesperadoramente de combustível — pois sua renda do trabalho depende de sua locomoção — ficarão sem esse insumo precioso, pois o mesmo já foi usado para abastecer completamente o tanque daqueles indivíduos que tinham mais tempo e que chegaram antes aos postos, e que pediram para "encher até a boca" apenas para se precaver quanto ao futuro.
O "preço abusivo" tem uma função social
Em uma economia de mercado, quando um determinado bem se torna mais escasso, o efeito que isso gera não é um racionamento do mesmo, mas sim um aumento em seu preço. O aumento no preço serve para reduzir a quantidade que os compradores intencionam comprar deste bem até um nível que esteja dentro do limite da reduzida oferta disponível.
A função precípua do sistema de preços é exatamente essa: coordenar uma alocação racional de recursos escassos.
Se os postos forem liberados para aumentar seus preços até um nível que reduza a quantidade de combustível demandado pelos consumidores, de modo que a demanda se ajuste à reduzida oferta disponível, o problema da falta de gasolina estará temporariamente resolvido.
Tendo de lidar com preços maiores, muitos dos motoristas que hoje passam horas nas filas dos postos de gasolina iriam simplesmente desistir de utilizar seus carros e passariam a buscar arranjos alternativos de transporte, seja o compartilhamento de carros, a utilização de bicicletas ou qualquer outro arranjo. Praticamente todos iriam restringir suas viagens automotivas em proporção ao maior custo do uso do automóvel. Só iriam a um posto aqueles que estivessem genuinamente dispostos a pagar preços muito altos pelo combustível. Não mais haveria o problema de aposentados enchendo seus tanques com o único propósito de "mantê-lo cheio para emergências" enquanto médicos, ambulâncias e viaturas policiais não conseguem combustível para se locomover e salvar vidas.
As pessoas que precisassem de gasolina para propósitos urgentes, como ir trabalhar, mas que não pudessem pagar preços severamente altos não estariam tão ruins quanto aquelas que precisam de gasolina para ir trabalhar mas que simplesmente não conseguem adquiri-la, ou só a adquirem após esperarem na fila por três horas. Tais pessoas poderiam compartilhar o mesmo carro e dividir entre si o alto preço da gasolina. Quanto maior o número de pessoas no mesmo carro, menor o preço individual.
Ao preço mais alto, menos gente vai querer comprar gasolina e diesel; alguns que planejavam encher o tanque nesses dias simplesmente não o encherão; outros encherão o mínimo possível, e tentarão reduzir o uso do carro se ele estiver com tanque baixo.
O resultado é uma demanda menor por combustível, o que faz com que o estoque, que escasseou, dure mais e seja destinado aos casos mais urgentes, àqueles que realmente precisam do combustível agora e estão, portanto, dispostos a pagar mais caro.
O posto, ao aumentar o preço para lucrar com a escassez, promove a economia do combustível, que é exatamente a atitude necessária em tempos de carestia.
Mesmo em um período curto de escassez abrupta é não apenas justificado, mas socialmente benéfico que os ofertantes aumentem o preço. É graças a esse "aumento abusivo" que o produto fica um pouco menos escasso, pois as pessoas adaptam o uso que fazem dele às novas condições de preço.
O real problema
Porém, dado que burocratas do governo são completamente ignorantes a respeito das leis da economia, eles acreditam que preços não têm conexão alguma com a realidade do mercado, e podem ser controlados por eles sem gerar absolutamente nenhum efeito colateral. Eles acreditam piamente que o único efeito do controle de preços é o de tornar a oferta menos cara. Sim, a oferta será menos cara — mas não haverá oferta.
Pessoas passarão infindáveis horas nas filas dos postos de gasolina, dia após dia, tentando obter algo que não existe. Sob qual aspecto tal arranjo é mais sensato do que o de permitir que os preços sejam "inescrupulosamente" altos, durante um período de tempo muito curto, de modo a fazer com que o problema seja rapidamente resolvido?
Em uma sociedade na qual as leis econômicas fossem amplamente entendidas, legisladores, juízes e veículos de mídia que tentassem impedir aumentos de preços em situações de emergência seriam considerados inimigos públicos e afastados imediatamente de seus cargos. E eles seriam afastados não por uma mera falta de apoio popular, mas sim por uma falta de apoio manifestada no mais completo desprezo e escárnio do público por sua ignorância econômica e desejo de destruição e miséria.
29 de maio de 2018
Thiago Fonseca
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