"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

COM MEDINHO DE MORO E DA FICHA LIMPA, OS COVARDES DÃO À LUZ O 'ARGUMENTUM AD LULAM'

Dois casos evidenciam que a análise política anda coberta pelo véu nada diáfano da pusilanimidade: o julgamento, pelo TRF-4, do recurso de Luiz Inácio Lula da Silva e a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, disciplinando a condução coercitiva. Conhecíamos o chamado "argumentum ad hominem", que consiste em abandonar o objeto de debate para pôr em descrédito o debatedor. Eis que surge uma novidade no terreno das falácias: o "argumentum ad Lulam".

Nos círculos do inferno deste Dante da periferia, só uma categoria de abjetos disputa com a dos desleais os rigores da danação: a dos covardes. A covardia é um traço de caráter. Está em todos os lugares: no Congresso, na imprensa, nos tribunais...

A conspiração dos fracotes morais é um desastre civilizacional. Se ainda não o fizeram, leiam "O Primo Basílio", de Eça de Queirós. Imaginem um mundo governado por "Criadas Julianas", em que o ressentimento se finge de justiça; a mesquinharia, de remissão; o interesse argentário, de imperativo categórico.

Eis que começam a pulular na imprensa artigos supostamente isentos questionando a legitimidade de uma eleição sem Lula, dado que, nas pesquisas, ele aparece margeando os 40% no primeiro turno, vencendo por boa diferença, no segundo, todos os eventuais adversários. Incomoda-me menos a estupidez da especulação do que a... covardia. Olhem ela aí! Por que isso? Caso o petista se torne inelegível em 2018, será consequência
da "Lei da Ficha Limpa".

Pois é... Fui um severo crítico dessa estrovenga. São testemunhas meu blog e as porradas que levei à direita e à esquerda. André Singer, por exemplo, não colaborou. A ele e aos seus, pareceu normal que uma lei violasse a presunção da inocência.

O fim desse fundamento começou a ser articulado pelos professores de "direito petista", na década de 80. Deltan Dallagnol é filho do "Direito Achado na Rua". Pior: ela se oferecia para corrigir a vontade do eleitor, certa ou errada, pela via cartorial. Mas quem se importava com a questão a não ser a meia dúzia de liberais brasileiros, que deveriam ser preservados para interesse da ciência?

A lei é tosca, mas é a lei. E terá de ser cumprida enquanto não for mudada. O que fazem os covardes? Defendem a elegibilidade de Lula, ainda que com condenação confirmada, mas não atacam o fundamento legal que o impediria de disputar. Pior: nem mesmo o establishment do PT tem coragem de dizer com todas as letras: Sergio Moro condenou o chefão petista sem provas. Não estão no processo ao menos.

Então surge o "argumentum ad Lulam": ele tem de ser candidato por ser quem é e porque parte considerável do eleitorado, com efeito, quer isso, pouco importa a questão legal. Os covardes não questionam nem a "Lei da Ficha Limpa" nem a sentença destrambelhada de Moro. Preferem evocar a "exceção lulista". Bem, alguém se surpreende que petistas e assemelhados escolham o caminho da depredação institucional em defesa dos próprios interesses?

E Mendes? Ainda voltarei ao assunto, mas dou a largada. Fez o óbvio e disciplinou, com uma liminar ainda a ser apreciada pelo plenário, a folia da condução coercitiva. Foi repudiado como cão sarnento. E, ora vejam!, nem o PT nem OAB, autores da demanda, saíram em defesa não do ministro, mas do fundamento constitucional que ampara a liminar.

Que eu saiba, só defenderam a decisão a Associação Brasileira de Advogados Criminalistas e o Instituto dos Advogados Brasileiros. Acovardaram-se, entre outros grupos influentes, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o Instituto dos Advogados de São Paulo, a Associação dos Advogados de São Paulo e vai por aí. E, claro!, o silêncio mais eloquente foi o da... OAB! Mais uma vez!

Sei o que me custaram no passado opiniões que divergiram da preguiça moral da Marcha dos Covardes. Sei o que me custam hoje. Não reivindico heroísmo nenhum. O herói, entendo, é aquele que tinha a pusilanimidade como alternativa. Nunca tive. Vai ver me falta imaginação para a covardia convicta.

12 de janeiro de 2018
Reinaldo Azevedo, Folha de SP

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