"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

GRATUIDADE ILUSÓRIA

Há escassa surpresa na constatação, em pesquisa Datafolha, de que os contribuintes paulistas defendem a continuidade do ensino gratuito nas universidades públicas estaduais. Já assoberbados com a sobrecarga tributária, não admitem pagar por um direito que seria obrigação do Estado respeitar.

O princípio está inscrito no artigo 206 da Constituição, que determina a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Como aí não se faz distinção entre os níveis fundamental, médio e universitário de ensino, decorre que a ideia de cobrar mensalidades no terceiro grau dependeria de alteração constitucional.

Não espanta, assim, que expressivos 70% dos jovens de 16 a 24 anos defendam a manutenção do dispositivo da Carta Maior. Desprovidos de renda própria ou entrando pelo estrato inferior no mercado de trabalho, é compreensível que enxerguem na universidade pública —e gratuita— sua grande chance de ascensão socioeconômica.

Na média da população, a opinião se matiza significativamente. Ainda há maioria a favor da gratuidade, mas bem menos evidente (57%). Consideráveis 43%, afinal, apoiam o desembolso de mensalidades por aqueles cujas famílias tenham condição de pagar.

Não é improvável que esse contingente se amplie e se converta, eventualmente, em maioria. É aguda a consciência do público quanto à precária situação financeira das universidades paulistas: meros 17% a consideram ótima ou boa, e 74% avaliam-na como ruim, péssima ou apenas regular.

Com efeito, todas as três instituições estaduais (USP, Unicamp e Unesp) comprometem com a folha de pagamentos 98% ou mais da receita que lhes assegura o Tesouro (9,57% da arrecadação de ICMS). Sem recursos para investir, torna-se inevitável a queda da qualidade no ensino e na pesquisa.

Cobrar mensalidades de quem possa pagar decerto não constitui uma panaceia nem resolverá a condição de quase insolvência dessas universidades públicas, nem de quaisquer de suas congêneres.

Trata-se, desde logo, de uma questão de equidade: com o número limitado de vagas, elas acabam ocupadas de forma preponderante por alunos mais preparados, vale dizer, aqueles com recursos para pagar as melhores escolas de ensino médio.

Chamar de gratuito o ensino nessas instituições representa uma falácia: os alunos podem não pagar por ele, embora sejam seus maiores beneficiários, mas o investimento neles onera todos os cidadãos.

Ao fim e ao cabo, transfere-se renda de toda a sociedade para grupos mais abonados, agravando a desigualdade brasileira.


27 de dezembro de 2017
Editorial Folha de SP

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