"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 5 de julho de 2016

ILAN GOLDFAJN E O GAME OF THRONES

Os juros só vão cair quando as contas públicas, que estão em frangalhos, se ajustarem. E isso vai demorar

O que era para ser um ato rotineiro definiu o que serão os próximos meses no mercado financeiro. Em sua primeira entrevista coletiva, ao apresentar o Relatório Trimestral de Inflação, Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central (BC) foi claro e incisivo. O relatório, escrito na linguagem indireta dos banqueiros centrais, era, tanto quanto possível, enfático. “O cenário central não permite trabalhar com a hipótese de flexibilização das condições monetárias”, dizia o texto.

Em português de dia de semana, a tradução seria: “em 2017, queremos mandar a inflação para o centro da meta governamental de 4,5%, algo que não ocorre desde 2009. Para isso, vamos manter os juros altos por mais tempo do que o mercado está esperando.” Essa mera sinalização causou uma razoável turbulência nos juros e no dólar na terça-feira, enquanto tesoureiros de bancos e economistas refaziam freneticamente seus cálculos. Como resultado, no encerramento dos negócios na terça-feira, os contratos de juros futuros para janeiro do ano que vem haviam subido de 13,65% ao ano para 13,84%.

Não há dúvida que manter a Selic nos atuais 14,25% ao ano por ainda mais tempo é a recomendação errada. Juros altos são o pior remédio para uma economia na situação da brasileira ao fim do primeiro semestre de 2016. Os indicadores pararam de piorar, mas ainda permanecem sinalizando claramente que vai demorar para o consumo, o emprego e a renda voltarem a crescer além do eventual ruído estatístico. Manter os juros elevados por muito tempo significa continuar punindo uma parcela razoável da sociedade com a manutenção do ritmo reduzido de atividade econômica. O problema é que a farmacopéia de Goldfajn não conta com outras prescrições.

O novo presidente do BC não fará isso por crueldade ou por compromissos com a banca, como chegou a dizer a oposição. Outro trecho do relatório do BC explica suas razões. “A aprovação e a implementação de ajustes na economia brasileira, inclusive de ordem fiscal (...) são fatores importantes do contexto em que decisões futuras de política monetária serão tomadas.” Traduzindo, os juros só vão cair quando as contas públicas, que estão em frangalhos, se ajustarem. E isso vai demorar.

Colocar a casa em ordem será uma tarefa hercúlea. O resultado fiscal de 2015 foi emblemático. Considerando apenas o governo central, o ano começou com uma meta de superávit de R$ 66 bilhões e acabou com um rombo de R$ 111 bilhões, sem considerar o gasto com os juros. Para 2016, o governo de Michel Temer contratou um buraco de R$ 60 bilhões, menor que os R$ 170 bilhões de sua irresponsável antecessora. Mesmo assim, os bancos acham esse número otimista demais. O mercado financeiro, na edição mais recente do relatório Prisma Fiscal, do próprio BC, espera que a diferença no caixa seja de não módicos R$ 104 bilhões. Se o governo gasta mais do que arrecada, o excesso de dinheiro na economia eleva a inflação. E corrigir isso deve levar tempo e provocar muito sofrimento.

O Banco Central não comenta se Ilan Goldfajn é um apreciador de Game of Thrones, a série campeã de audiência mundial. Independente da resposta, a vida tem de passar a imitar a arte. Assim como uma das famílias que disputa o poder na ficção, o governo brasileiro precisa se acostumar com a ideia de que é preciso pagar as dívidas.

05 de julho de 2016
Claudio Gradilone
REVISTA ISTO É DINHEIRO

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