"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 5 de julho de 2016

EVITAR A EXPLOSÃO

A situação da Previdência brasileira é semelhante ao do paciente que, vítima de doença tratável apenas com cirurgia, fica indefinidamente à espera da intervenção, mesmo ao risco de morrer, por falta de um cirurgião que se sinta competente para operá-lo. Troquem-se os substantivos — “morte” por “insolvência” — e dá-se o prognóstico do que a leniência com que sucessivos governos vêm tratando a questão das aposentadorias e do rombo no INSS acabará por produzir: um Estado insolvente, arruinado pela inevitável explosão dos gastos, decorrente de uma equação que não fecha.

Num país onde a contribuição dos assalariados financia os benefícios pagos aos aposentados, à medida que a população envelhece rapidamente o sistema produz déficits exponencialmente crescentes. É uma lógica tão clara quanto nefasta. O IBGE dá forma à equação: a contribuição de cada grupo de cem pessoas aptas a trabalhar, uma faixa que vai de 15 a 64 anos, sustenta 12 pessoas com mais de 65 anos. Em quatro décadas, se nada for feito para conter a distorção, essa relação praticamente se quadruplicará.

Hoje, essa irracionalidade já produz um rombo de RS 133 bilhões no sistema. Daqui a dois anos, o déficit da Previdência, cevado pela inércia do poder público, alcançará R$ 178 bilhões. Estima-se que em quatro anos, a contar de 2014, o buraco do sistema previdenciário terá aumentado em torno de 213%. O país paga hoje aos beneficiários do INSS quase meio trilhão de reais. Isso corresponde ao equivalente a 8% do PIB. Deixar que o fosso aumente diante dessa ordem de grandeza é receita infalível para o desastre.

O tema da reforma da Previdência é premente, mas ainda não parece ter entrado para valer na agenda do poder público. Há um alento do governo do presidente interino Michel Temer, que parece disposto a, enfim, fazer a intervenção cirúrgica no paciente.

Ao defender, num prazo mais imediato, o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos (e, em prazo mais dilatado, estendê-la para 70 anos), indistintamente para homens e mulheres, o Planalto sinaliza com propostas realistas para enfrentar a questão.

É um paradigma corrente em praticamente todo o mundo — e que, de resto, deveria ser estendido, por isonomia, também ao serviço público. O déficit atual declarado da Previdência diz respeito apenas ao setor privado, e não leva em conta o desequilíbrio do sistema que atende ao setor público federal, que passa de R$ 60 bilhões por ano, e do regime dos entes estaduais e municipais.

Mas entre a intenção e a realidade de pôr em movimento as ações necessárias à aprovação das mudanças vai alguma distância. Há fortes pressões político-ideológicas, e também corporativistas, contra mudanças. Isso, apesar de o país estar diante da maior crise fiscal de sua história, herança dos desmandos lulopetistas na economia. É preciso coragem para pegar o bisturi e proceder às intervenções que afastem o risco de uma explosão. Um desafio imediato para o governo Temer, de passar das boas intenções para a aplicação das medidas estruturais que deem racionalidade ao sistema previdenciário.



05 de julho de 2016
Editorial O Globo

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