"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

AONDE A CRISE NOS LEVARÁ?


A crise política ganhou alto grau de tensão, mas ainda não chegou ao ponto de combustão. Ao pedir a prisão de Renan Calheiros, presidente do Senado, do senador Romero Jucá, do ex-presidente da República e ex-presidente do Senado, José Sarney e do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, cometeu o ato mais polêmico de sua ação no desenrolar da Operação Lava Jato. A polêmica começa com o pedido conjunto de prisão de Cunha e dos outros três. Se Cunha, mesmo afastado das funções de presidente, é acusado de tentar torpedear a votação sobre sua cassação pela Comissão de Ética, na Câmara, os outros são acusados de obstruir as investigações da Lava Jato.

A clara distinção de motivos produz certa dissonância para a compreensão da decisão do procurador, na medida em que os pesos dos dois lados da balança adotada são diferentes. A massa expressiva que se extrai das gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, com seus interlocutores – Sarney, Renan e Jucá – não ultrapassa o território da opinião. Uma coisa é opinar, emitir juízo de valor, criticar, denunciar, enfim, manifestar contrariedade; outra coisa é partir para a ação, operar, organizar ações para brecar investigações. Se a motivação para o pedido de prisão dos três estiver ancorada no exclusivo espaço das interlocuções ouvidas, Janot poderá ver negado seu pedido por parte do ministro Teori Zavascki. Há indicação de que outras razões, extraídas da delação de Sérgio Machado, teriam sido alinhavadas.

Analisemos, agora, os efeitos da bomba jogada por Rodrigo Janot. A expansão das tensões no Congresso cria embaraços de monta, atiçando as preocupações de todos, formando um escudo corporativo de defesa do corpo parlamentar, estabelecendo o espírito de corpo. O resultado da contra-ofensiva deverá ser a desaprovação pelo plenário da Câmara Alta das prisões dos senadores Renan e Jucá. Claro, se o STF decidir nesse sentido. A crise entre os Poderes Legislativo e Judiciário chegaria, nesse caso, ao pico da montanha. A fissura do tecido institucional estaria exposta. A análise desse abalo certamente pesará na cognição do ministro Teori nesses dias que precedem sua decisão sobre a matéria.

O affaire deixa ver outras sequelas. Os vazamentos de investigações levadas a cabo pelo Ministério Público, Polícia Federal e pela primeira instância do Judiciário apontam para a quebra da ordem, escancarando a ruptura da disciplina que deve reger a administração da justiça no país. A desordem – que se instala com vazamentos muito bem ordenados – não pode ser uma arma a serviço de operadores do direito e da justiça. Se a intenção é buscar, por meio de informações vazadas, o apoio da opinião pública para colocar poderosos no xilindró, pode-se aduzir que o princípio maquiavélico –o fim justifica os meios – instala-se no altar dos nossos valores republicanos. Será difícil removê-lo, até porque contingentes de jovens procuradores – muitos até com sólidos ideais – decidiram vestir o manto de “Salvadores da Pátria”. Muito cuidado com o método do “vale tudo”.

Os recentes eventos mostram que o aparato político-partidário nacional está em frangalhos. Demonstração da hipótese é este pedido de prisão de quatro perfis que habitam o fechado circuito da presidência: Sarney, ex-presidente da República e do Senado; Renan, presidente do Senado; Jucá, presidente do PMDB e Cunha, presidente da Câmara. Mesmo que se livrem da prisão, os estragos sujam a imagem da instituição política. Se as mais fortes lideranças são tragadas pelo terremoto que destrói as belas linhas das cúpulas côncava e convexa do Congresso, que visão pode se ter do amanhã de nossa política? A impressão é: chegamos ao fim da linha. Estamos fechando o ciclo da velha política. Não significa que o país, de maneira abrupta, passe a mergulhar na era banhada por águas da ética e da moral. Não se muda uma cultura política da noite para o dia. Mas é possível prever um espaço político mais asséptico e menos focado nos ismos da árvore patrimonialista: fisiologismo, mandonismo, filhotismo, nepotismo, caciquismo, grupismo.

Para tanto, as alternativas são estas: práticas políticas comprometidas com as demandas da população; disciplina e fidelidade partidárias; partidos com ideias e programas, não massas amorfas e pasteurizadas; atores conscientes de sua missão, que não vejam a política como escada para enriquecimento; um sistema de governo capaz de enfrentar dissabores, tensões e crises, como o parlamentarismo; ou um presidencialismo de coalizão, à base de compartilhamento não apenas de espaços na administração, mas com efetiva participação dos partidos nas políticas públicas. Outras instituições hão de se amoldar aos novos sistemas e práticas. Não é admissível que vivamos sob o terror de um Estado policial, povoado de câmeras e gravadores, conjuntos tecnológicos montados para invadir a intimidade de pessoas e famílias. Urge extirpar o vírus do arbítrio e do autoritarismo que parece ganhar acolhida por parte de grupos sectários.

O Estado-Espetáculo, em cujos palcos atores de muitas peças apreciam se exibir, há de ceder lugar ao Estado da Ordem e do Direito, onde baderneiros se verão impedidos de bloquear estradas, fechar ruas e ameaçar o fluxo da vida produtiva. Como se dará o ponta-pé inicial deste magnífico empreendimento para mudar a política? Por meio de um pacto entre as instituições. Cada qual deve procurar acertar seus prumos, ajustar ponteiros, redimensionar processos. Na área política, os representantes precisam ter coragem de olhar para a frente. Não se pode impedir que operadores do Direito deixem de cumprir suas funções. Após se concluir a Operação Lava Jato, as instituições nela envolvidas haverão de buscar formas de aperfeiçoar funções, adaptando-se à modelagem necessária à modernização do Estado.

Nada se fará sem a aprovação da sociedade. O poder emana do povo e em seu nome será exercido. Que seja essa a chama a iluminar a Nação brasileira.



13 de junho de 2016
Gaudêncio Torquato é Jornalista, Professor Titular da USP e Consultor Político e de Comunicação.

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