"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 17 de março de 2016

MOBILIZAÇÕES ACUAM GOVERNO, QUE BUSCA MANTER-SE À TONA

As peças do xadrez político se moveram novamente e aproxima-se o xeque mate no governo de Dilma Rousseff. A gigantesca manifestação em São Paulo, acompanhada de outras com maior número de participantes nas capitais e duas centenas de cidades, deu aval aos partidos para tirarem o PT e sua impopular presidente do poder. Em dois encontros, o PMDB, fiel da balança, aproximou-se do PSDB com vistas à sucessão de Dilma e, em convenção, avançou mais rumo ao desembarque do governo, em um movimento que deve arrastar parte da estilhaçada base governista.

Em breve, serão sacramentadas as delações premiadas do ex-líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, e de executivos de várias empreiteiras. Elas seguramente não melhorarão a situação do PT e seu governo, e têm potencial para provocar terremotos nos demais partidos, em especial no PMDB. O caráter agudo da crise política se revela no fato de que a terra treme em volta dos protagonistas principais de um eventual desfecho, como Michel Temer e Renan Calheiros, que estão com a cabeça a prêmio na Justiça, da mesma forma que Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que deverá reiniciar o processo de impeachment. Sozinha, a oposição (PSDB e DEM) não tem condições de definir o rumo desse processo.

Com marcada aversão a políticos e partidos, a mobilização das ruas, ao fechar o foco em "Fora Dilma" e "Fora PT", deu carta branca aos partidos no Congresso para que façam todo o possível para tirar a presidente Dilma do Planalto. PMDB e PSDB se aproximaram com essa finalidade na semana passada. Esse acordo não é fácil, porque a outra face da crise, a econômica, lega um pesado ônus político a quem quer que seja o sucessor de Dilma. As diferenças no ambiente político são gritantes caso ele seja Michel Temer ou alguém sagrado pelas urnas em novas eleições, caso a chapa Dilma-Temer seja cassada pelo TSE.

Ajustar as contas públicas e criar condições para a volta do crescimento exigirá medidas duras e um tempo para que tenham efeito que contraria o calendário eleitoral. Ou então, a saída seria um tratamento de choque, que exigiria um mandatário com credibilidade e prestígio políticos que só uma nova eleição poderá dar.

Se o vice-presidente Michel Temer parar em pé, terá o apoio da oposição para ir em frente com o ajuste fiscal, limpando o terreno para os tucanos que, em tese, são a bola da vez. O que o PMDB ganharia fora a promessa de uma nova vice-presidência em um eventual governo do PSDB não é certo - e pode não ser desejável.

Há outros cursos possíveis que não encaminham uma solução para a crise. Se o rito do impeachment, ou os julgamentos que envolvem a presidente, se arrastarem até 2017, e ela for afastada, caberá ao Congresso - quem sobrar nele - escolher o sucessor por via indireta. O escolhido faria um mandato tampão sem força para ousadias.

Há poucas chances de a presidente Dilma se manter no cargo. Pode fazê-lo como "rainha da Inglaterra" em um "semiparlamentarismo", a "semi-qualquer coisa" com o qual se reduziria, não se sabe como, o poder da Presidência. Dilma não aceitaria jogo. Ou pode ganhar força suficiente para pelo menos terminar seu governo, recompondo sua base política, o que parece hoje uma missão impossível. A crise é tão violenta que fez até o PMDB decidir em convenção pelo impensável no imaginário da legenda: recusar cargos no governo.

Está claro que por suas próprias forças o governo Dilma é incapaz de virar o jogo a seu favor. É o que torna plausível a surreal entrega de um ministério a Lula, ação politicamente desmoralizante e de altíssimo risco, mas talvez a única, para vários petistas, que poderia salvar um governo moribundo. Dilma sairia fortalecida também na hipótese de Lula e o PT mobilizarem multidões semelhantes às do último domingo. Após perder o domínio das ruas desde junho de 2013, parece difícil que esse seja um caminho onde a estrela do partido volte a brilhar.

Lula no governo será o verdadeiro presidente e só teria alguma chance de sucesso se abandonasse as ideias que vem dando guarida para estimular a economia, que só aprofundariam a recessão. Foi o que fez em 2002, ao adotar medidas ortodoxas que foram bem-sucedidas. Alvo de suspeitas e símbolo do PT, sua mudança para Brasília lhe daria foro privilegiado, sob risco de provocar mais e maiores mobilizações que poderiam acelerar o fim do governo e por encerrar sua carreira política com um triste epílogo.


17 de março de 2016
Editorial Valor Econômico

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